O mundo produz cerca de 300 milhões de toneladas de lixo plástico a cada ano. Até o momento, somente 9% do lixo plástico gerado foi reciclado e somente 14% são coletados para reciclagem
Refugiado sírio trabalha como catador de lixo no Líbano. Imagem: ACNUR/Lynsey Addario
Embora não exista solução imediata para a maré tóxica de plásticos emergindo em nossos oceanos, a reciclagem deve ser parte da resposta. O problema, segundo muitos especialistas, é que os processos atuais não são adequados ao propósito.
O mundo produz cerca de 300 milhões de toneladas de lixo plástico a cada ano. Até o momento, somente 9% do lixo plástico gerado foi reciclado e somente 14% são coletados para reciclagem.
As razões por trás disso são complexas. Nem todo plástico pode ser reciclado e uma falta de conscientização pública significa que coletas do material são frequentemente contaminadas. Isto pode aumentar o preço da reciclagem.
Nos Estados Unidos, por exemplo, a introdução da reciclagem de fluxo único – na qual recicláveis não são separados em coletas domésticas – levou a um grande aumento em taxas de reciclagem. Mas conforme os plásticos foram se tornando mais complexos, as pessoas começaram a colocar as coisas erradas em suas lixeiras. A Waste Management, a maior processadora de reciclagem residencial na América do Norte, diz que, atualmente, um em cada quatro itens em coletas seletivas não é reciclável.
“Químicos acrescentados aos polímeros plásticos, produtos feitos de materiais mistos e embalagens de alimentos contaminadas com restos orgânicos deixam a reciclagem difícil e cara”, escreveram os autores do relatório O Estado dos Plásticos, da ONU Meio Ambiente.
A necessidade de repensar a reciclagem se tornou mais visível quando a China, que importa quase metade do lixo do mundo desde 1992, parou de receber lixos plásticos estrangeiros em meados de 2018. A decisão do gigante asiático expôs os problemas das instalações de reciclagem em muitos outros países.
Há razões financeiras para as deficiências do setor. Dependendo do preço do petróleo, é frequentemente mais barato produzir plástico virgem, enquanto o preço do mercado para o plástico reciclado é notoriamente volátil, fazendo com que investidores fiquem relutantes em se comprometer com o reaproveitamento.
Durante anos, ativistas argumentaram que produtoras de embalagens e varejistas deveriam pagar mais para cobrir o custo de lidar com seus lixos. Embora muitas marcas tenham se comprometido a usar mais plástico reciclado, a pressão é crescente para que ampliem suas ações.
No Reino Unido, o governo afirmou que planeja cobrar dezenas de milhões de libras a mais dos supermercados, varejistas e grandes empresas, para arcar com os custos da reciclagem. A estratégia irá incluir planos para aumentar as contribuições de varejistas e produtores, de cerca de 70 milhões de libras ao ano para um valor entre 500 milhões e 1 bilhão de libras anuais. Também há a intenção de incluir produtores menores.
A Comissão Europeia divulgou uma Estratégia para Plásticos em janeiro, afirmando que sua meta de fazer com que todas as embalagens plásticas sejam reutilizáveis ou recicláveis até 2030 pode criar 200 mil empregos — mas só se as capacidades de reciclagem forem multiplicadas por quatro. A União Europeia recicla menos de 30% das suas 25 milhões de toneladas de lixo plástico a cada ano. Metade disso costumava ser enviada à China.
Como parte de sua nova política, o bloco europeu irá desenvolver novas regras sobre embalagens, com o intuito de aumentar a reciclabilidade de plásticos e a demanda. O objetivo é melhorar e ampliar as instalações de reciclagem, além de criar um sistema mais padronizado para a coleta e separação de lixo.
ONU na linha de frente contra o plástico descartável
A ONU Meio Ambiente, que começou sua campanha Mares Limpos em 2017, para eliminar plásticos descartáveis, também apoia a implementação de sistemas integrados de gerenciamento de lixo, por meio do seu Centro Internacional de Tecnologia Ambiental, no Japão.
Existe uma clara necessidade de apoiar estratégias de gestão de lixo em países mais pobres, onde autoridades municipais frequentemente não possuem as capacidades para implementar políticas adequadas. Alguns desses países estão entre os maiores poluidores dos mares: 90% dos plásticos em nossos oceanos vêm de apenas dez rios, sendo oito deles na Ásia.
Alguns dos maiores atores da indústria descobriram as lacunas. Em outubro, a companhia de gerenciamento de lixo Veolia e a gigante Unilever afirmaram estar trabalhando juntas para investir em novas tecnologias e aumentar a reciclagem, seguindo na direção de uma economia circular. A parceria de três anos irá focar, num primeiro momento, na Índia e na Indonésia, onde as empresas vão trabalhar para ampliar a coleta de lixo e as infraestruturas de reciclagem.
A Circulate Capital, uma companhia de gerenciamento de investimentos dedicada a prevenir a poluição dos oceanos com plásticos, afirmou em outubro que esperava 90 milhões de dólares em financiamentos. A verba vem de alguns dos maiores grupos de bens de consumo do mundo e companhias químicas, incluindo a PepsiCo, P&G, Dow e Coca-Cola.
Criada em colaboração entre a Closed Loop Partners e a Ocean Conservancy, a Circulate Capital busca demonstrar o valor de investir em gestão de resíduos e reciclagem no sul e sudeste da Ásia. A instituição usa fundos públicos e filantrópicos, assim como assistência técnica, para apoiar e desenvolver entidades estatais e não lucrativas. Com isso, espera implementar novas abordagens e melhorar as capacidades para combater o plástico.
“Nós reconhecemos que financiamento é uma barreira importante, as pessoas sempre querem saber ‘quem vai pagar por isso?’. Ao remover o capital para a infraestrutura e operadores como uma barreira, nós acreditamos que podemos acelerar soluções para políticas, educação, cadeias de fornecimento e mais”, afirma Rob Kaplan, fundador e CEO da Circulate Capital.
Grandes corporações não são os únicos atores relevantes. Em muitas economias em desenvolvimento, a reciclagem é realizada por milhões de catadores, frequentemente mulheres, crianças, idosos e desempregados. Eles podem estar no fronte da sustentabilidade, mas suas vidas são frequentemente cercadas por condições de trabalho insalubres, falta de direitos e estigmas sociais.
O Banco Mundial aponta em seu relatório What a Waste 2.0 que quando catadores são devidamente apoiados e organizados, a reciclagem informal pode criar empregos, aumentar a competitividade industrial local, reduzir a pobreza e diminuir gastos municipais.
Cidadãos também possuem um papel a ser desempenhado, mas a educação e a informação são essenciais. O Banco Mundial cita o exemplo da Jamaica, onde guardas ambientais, empregados pela Autoridade Nacional de Gestão de Dejetos Sólidos, ensinam seus vizinhos sobre como jogar fora seus lixos de forma ambientalmente amigável. As comunidades envolvidas coletam garrafas plásticas e removem outros resíduos feitos com o material de espaços compartilhados. As garrafas coletadas são vendidas para reciclagem.
“Não há solução imediata para resolver (o problema dos) plásticos nos oceanos e aumentar a reciclagem global. Investir em educação pública sem (melhorar a) infraestrutura não irá alcançar resultados e vice-versa”, avalia Kaplan, da Circulate Capital.
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