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Países estão admitindo a possibilidade de um overshoot

“Confiança é bom, mas controle é melhor”. O velho ditado alemão também vale para a meta mais ambiciosa do Acordo de Paris, a de limitar o aquecimento global a 1,5°C. Segundo uma dupla de pesquisadores, o esforço para cumprir esse objetivo mais estrito pode acabar saindo pela culatra e prejudicando o clima em vez de salvá-lo.

A conclusão não tão intuitiva é de Oliver Geden, cientista político do think-tank alemão Stiftung Wissenschaft und Politik (SWP), e de Andreas Löschel, da Universidade de Münster. Em artigo publicado em 27 de novembro no site do periódico Nature Geoscience, eles afirmam que a adoção da meta de 1,5°C pode estimular complacência de governos do mundo inteiro com o estouro temporário do limite de temperatura que obrigatoriamente ocorrerá. Para evitar esse cenário, será preciso adotar uma série de salvaguardas – em resumo, medidas de controle.

No centro da discussão está um conceito que não foi abordado na COP21, a conferência do clima de Paris, quando o objetivo de “envidar esforços” para estabilizar o aquecimento global em 1,5°C foi inserido no acordo, de última hora. Trata-se do chamado overshoot.

Grosso modo, esse conceito traduz a admissão de fracasso temporário. Os cientistas do clima sabem que é impossível impedir que a temperatura ultrapasse 1,5°C nos próximos anos (estamos atualmente em 1,1°C de aquecimento em relação à era pré-industrial). Mas esperam que, com uma série de medidas ambiciosas de corte de emissões, ainda dê para trazer o clima de volta à marca combinada em poucas décadas.

É aí que mora o perigo, afirmam Geden e Löschel. Ao encarar a necessidade de um overshoot como algo normal, os tomadores de decisão deixam implícito que metas estritas de controle de temperatura não importam tanto assim e podem ser excedidas impunemente.

Além disso, sem uma definição clara de qual é o limite aceitável de overshoot e por quanto tempo as temperaturas poderão permanecer acima da meta, fica fácil para os governos escapar de prestar contas de seus fracassos.

“É uma questão de responsabilização política”, disse Geden ao Observatório do Clima. “Minha preocupação é que, sem limites claros, os governos poderão fazer o que quiserem e ainda dizer que estão profundamente comprometidos com 1,5°C.”

A outra verdade inconveniente que os governos não parecem querer ouvir, nem explicar à população, é que ambas as metas de Paris – tanto a menos ambiciosa, de estabilizar o clima “bem abaixo de 2°C” quanto a ideal, de 1,5°C – requerem que se remova ativamente carbono da atmosfera (as chamadas “emissões negativas”) numa escala que hoje pertence ao domínio da ficção científica. Trazer a temperatura global de volta a 1,5°C após um overshoot dependerá pesadamente desse tipo de tecnologia. Caso ela não seja adotada, as metas de temperatura poderão permanecer excedidas durante várias décadas, o que na prática seria equivalente a não ter o limite de 1,5°C.

O que fazer?

A dupla de pesquisadores propõe uma série de medidas para evitar que o estouro da meta vire álibi para os governos. Entre elas está a necessidade de estabelecer sua magnitude e duração máxima, a de excluir a possibilidade de overshoot para a meta de menos de 2°C e estabelecer quanto de emissões negativas será preciso ter. Nada disso está em debate hoje.

O consolo, se é que pode-se falar nisso, é que a estabilização do clima em 1,5°C tampouco parece um cenário provável hoje. Que o diga a conferência do clima de Fiji, encerrada no último dia 18 na Alemanha, na qual os países admitiram tacitamente que não ampliarão a ambição de suas metas nacionais antes de 2020 – prazo considerado crítico pelos cientistas para viabilizar o 1,5°C.

“Olhando as trajetórias [de emissões] na literatura hoje, percebendo que elas dão apenas uma probabilidade de 50% a 66% de atingir a meta, não consigo imaginar como o mundo seguiria esse caminho”, disse Geden.


Fonte: Claudio Angelo, do Observatório do Clima

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