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Ação insuficiente para conter declínio de espécies e degradação de ecossistemas pode aumentar riscos de novas pandemias

Das 20 metas definidas em 2010 por 193 países, incluindo o Brasil, envolvendo ações concretas para deter a perda da biodiversidade global até 2020, apenas seis foram parcialmente alcançadas. A ação insuficiente das nações para reverter a tendência de declínio sem precedentes de espécies e a degradação de ecossistemas pode aumentar os riscos do surgimento de novas pandemias, comprometer a oferta de água e de alimentos e agravar os impactos das mudanças climáticas.

A avaliação foi feita por autores do quinto relatório do panorama global da biodiversidade – Global Biodiversity Outlook 5 (GBO-5) –, lançado nesta terça-feira (15/09).

Elaborado pela Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica (CDB), o documento apresenta um balanço dos avanços dos países na implementação da estratégia global de biodiversidade, aprovada em 2010. A estratégia inclui cinco grandes objetivos e 20 metas globais – as metas de Aichi.

“Os países precisarão redobrar os esforços para trazer a biodiversidade para o centro da tomada de decisão e reconhecer que as pressões que ameaçam a natureza só podem ser aliviadas se a biodiversidade for explicitamente considerada nas políticas governamentais e em todos os setores econômicos”, diz Elizabeth Maruma Mrema, secretária-executiva da CBD, em nota à imprensa.

O documento é baseado em análises dos últimos informes encaminhados para a CDB pelos países-membros da Convenção até novembro de 2018, no que se refere ao cumprimento ou não de metas nacionais voltadas à proteção da biodiversidade.

As análises indicaram que, no período, apenas sete dos 60 elementos estabelecidos como critérios de sucesso para atingir cada uma das 20 metas de Aichi foram alcançados e 38 mostraram progresso. Não houve qualquer progresso em 13 desses elementos – em alguns casos houve até retrocesso – e o nível de avanço em dois elementos é desconhecido.

Seis das metas foram parcialmente atendidas no prazo estabelecido: as metas 9 (identificar e priorizar espécies exóticas invasoras e seus vetores), 11 (conservar pelo menos 17% de áreas terrestres e de águas continentais e 10% de áreas marinhas e costeiras), 16 (operacionalizar o Protocolo de Nagoya sobre acesso a recursos genéticos e repartição justa e equitativa dos benefícios derivados de sua utilização), 17 (adotar e começar a implementar uma estratégia nacional de biodiversidade), 19 (aplicar o conhecimento ligado à biodiversidade) e 20 (mobilizar recursos financeiros para implementação efetiva do Plano Estratégico para Biodiversidade entre 2011 e 2020).

O GBO-5 considera parcialmente atendidas as metas que tiveram pelo menos um elemento atendido. No caso da meta 11, por exemplo, os elementos relacionados aos percentuais de áreas terrestres e marinhas protegidas foram atendidos, mas os relacionados à qualidade das áreas protegidas não. Da mesma forma, para a meta 19, o conhecimento da biodiversidade melhorou, mas não foi amplamente compartilhado ou aplicado. E, na meta 20, a assistência oficial aos planos estratégicos para a diversidade dobrou, mas os recursos de todas as fontes não aumentaram.

O financiamento para a biodiversidade (público, privado, doméstico e internacional) aumentou em alguns países e foi quase constante em outros. Os recursos disponíveis por meio de fluxos internacionais e assistência oficial ao desenvolvimento praticamente dobraram. Ao todo, estão disponíveis de US$ 78 bilhões a US$ 91 bilhões anuais, mas estimativas conservadoras das necessidades de financiamento da biodiversidade indicam que são necessárias centenas de bilhões de dólares.

Além disso, os recursos para conservação da biodiversidade no período avaliado, estimados em US$ 500 bilhões, acabaram diluídos pelo apoio governamental a atividades prejudiciais ao meio ambiente. Estima-se que, em 2015, os subsídios para a produção de commodities ligadas à destruição de florestas apenas no Brasil e na Indonésia superaram por um fator de 100 ou mais o valor gasto em medidas de combate ao desmatamento, dizem os autores.

“As ações tomadas até agora precisam ser significativamente expandidas, deixar de ser impulsionadas por projetos e se tornar mais sistêmicas e ampliadas. Além disso, há lacunas na ambição e ação dos países que precisam ser preenchidas”, aponta Mrema.

Avanços insuficientes

Os autores do relatório e especialistas consideram que, a despeito de as metas de Aichi não terem sido completamente atingidas, ocorreram alguns avanços nos últimos cinco anos, como a preservação do número estimado de 11 para 28 espécies de aves e de 25 para 48 espécies de mamíferos, salvos da extinção graças a ações de conservação entre 2010 e 2020. Uma das espécies foi o furão-do-pé-preto (Mustela nigripes), reintroduzido no México e nos Estados Unidos.

Além disso, foram erradicadas aproximadamente 200 espécies de mamíferos invasores de ilhas, o que beneficiou 236 espécies terrestres nativas, incluindo 100 espécies de aves, mamíferos e répteis altamente ameaçados, como a raposa-das-ilhas (Urocyon littoralis) e o pega-pega das Seychelles (Copsychus sechellarum).

O percentual de território protegido das principais áreas de biodiversidade passou de 29% em 2000 para 43% e 91 países-membros da CDB começaram a adotar estratégias nacionais de biodiversidade e planos de ação como instrumentos de políticas que abrangem todos os setores.

“Isso demonstra que houve um esforço efetivo da maioria dos países em dar mais atenção à questão da biodiversidade de modo que as ações tenham efeito não só sobre o meio ambiente, mas em toda a sociedade”, avalia Bráulio Dias, professor da Universidade de Brasília (UnB) e ex-secretário da CDB.

“Nesse sentido, as metas de Aichi cumpriram uma parte substantiva de seu papel: o de incentivar os países e organizações a avançar na agenda de biodiversidade”, afirma.

Na avaliação do pesquisador, o grande desafio para a implementação das metas de Aichi é que não dependem só do setor ambiental dos países.

A meta com maior sucesso de implementação, a de criação e gestão de áreas protegidas, só teve êxito porque está dentro da alçada de ministérios do meio ambiente e de agências de conservação ambiental. Mas a maior parte das outras metas depende das ações de outros ministérios e setores, como os de energia, transporte, agricultura e mineração, que têm impactos negativos sobre a biodiversidade, aponta Dias.

“O fracasso parcial das metas de Aichi mostra que a maioria dos países não conseguiu envolver todos os setores para reduzir a perda de biodiversidade e promover os três grandes objetivos da CDB de forma mais efetiva: conservação, uso sustentável e repartição de benefícios do uso da biodiversidade”, avalia Dias.

Retrato defasado

O relatório também aponta que houve uma redução de 33% nas taxas globais de desmatamento nos últimos cinco anos do período analisado em comparação com as taxas registradas até 2010.

No caso do Brasil, o relatório destaca que a taxa de desmatamento na Amazônia caiu 84% de 2004 para 2012 graças a um plano de prevenção e controle do desmatamento na Amazônia Legal, derrubando as taxas de desmatamento para menos da metade das registradas no período anterior.

No entanto, o progresso não tem sido sustentado, como evidenciam imagens mais recentes de satélite, mostrando que o desmatamento do bioma segue em tendência crescente, ressalvam os autores.

Outros progressos realizados pelo Brasil na implementação de políticas públicas ambientais no período analisado pelo relatório – a ampliação de áreas protegidas, ações de recuperação e conservação de espécies ameaçadas e a realização de projetos de restauração de áreas degradadas – também sofreram retrocesso em razão de mudanças na agenda política ambiental do país nos últimos dois anos, ponderam pesquisadores da área.

“Temo que algumas das conclusões do relatório estejam defasadas porque já não refletem mais a realidade de um dos grandes players nas negociações internacionais sobre biodiversidade que é o Brasil”, diz Carlos Joly, professor do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (IB-Unicamp) e coordenador do Programa BIOTA-FAPESP.

O Brasil desempenhou, por muito tempo, um papel de destaque na CDB, propondo soluções inovadoras, como o Protocolo de Nagoya sobre acesso a recursos genéticos e repartição justa e equitativa dos benefícios derivados de sua utilização. A atuação do país na promoção da agenda ambiental global, porém, mudou radicalmente nos últimos dois anos, ele sublinha.

“Ninguém esperava uma mudança tão radical na posição do Brasil, inclusive nas negociações internacionais preparatórias para a COP-15 [15ª reunião da Conferência das Partes da CBD, prevista para acontecer em 2021 em Kunming, na China]”, diz Joly.

“O Brasil teve uma posição isolada nessas duas reuniões preparatórias, sem alinhamento com os outros países da América Latina e do Caribe ou com os megadiversos em biodiversidade”, diz Joly.

Nova estratégia global

Na COP-15 da CBD será discutida uma nova estratégia global mais ambiciosa para reverter as taxas de perda de biodiversidade no planeta, com duração de 30 anos, em vez de dez, como é usual nas estratégias elaboradas pela ONU.

“Isso permitirá dar mais tempo para os países implementarem suas metas e objetivos. Há ações que demoram muito tempo para atingir o resultado, como a restauração de ecossistemas e a recuperação de espécies”, diz Dias.

Um dos principais desafios nas negociações será o de equalizar a assimetria entre os países, de modo a atender os interesses das nações em desenvolvimento e megadiversas como o Brasil.

Enquanto os países desenvolvidos, como os europeus, já fizeram grande parte da conversão de seus ecossistemas naturais em terras produtivas, estabilizaram suas taxas de desmatamento e estão aumentando as áreas verdes em razão de esforços de restauração, em países em desenvolvimento, como o Brasil, a população ainda está crescendo e é necessário expandir a área produtiva e a infraestrutura, afirma Dias. Será preciso estabelecer uma estratégia global que possa salvar a biodiversidade e, ao mesmo tempo, não inviabilizar o crescimento econômico sustentável, a melhoria da qualidade de vida e das questões sociais desses países, ele avalia.

“É óbvio que, ao fazer isso, espera-se evitar a conversão de ecossistemas únicos, com espécies endêmicas e ameaçadas, por exemplo, e promover sistemas de compensação adequados”, ressalta o pesquisador. A íntegra do relatório pode ser acessada em www.cbd.int/gbo5.


Este texto foi originalmente publicado por Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original

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