Documento do MME não apresenta ações concretas para combater as mudanças climáticas e desconsidera risco de se investir em fontes fósseis
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O Plano Decenal de Expansão de Energia 2030, cuja consulta pública encerra-se no dia 13 de janeiro, é o principal documento de planejamento do setor energético brasileiro. Elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética a partir de diretrizes definidas pelo Ministério de Minas e Energia, ele incorpora a visão do governo federal para todo o setor energético, tendo o propósito de nortear as políticas públicas e os investimentos públicos e privados em um horizonte de 10 anos.
Por essa razão, é de se esperar que ele indique as mudanças necessárias para diminuir a dependência dos combustíveis fósseis e as emissões de gases de efeito estufa do setor elétrico. Certamente são positivas as análises sobre a energia eólica offshore, que compreende um enorme potencial a ser desbravado, e a inserção de termelétricas inflexíveis na base, que em tese permitiria às hidrelétricas ampliar seu papel de regulação do sistema elétrico, facilitando a disseminação da energia eólica e solar. Também é positivo que o PDE 2030 aponte a relevância de mecanismos importantes, como a precificação do carbono e a adoção de soluções baseadas na natureza, ambos os quais permitem incorporar de maneira mais consistente não apenas a questão climática, mas outros fatores socioambientais na expansão da matriz energética.
Infelizmente, a expansão proposta para a matriz não indica uma evolução estrutural em direção à economia de baixo carbono, em linha com o objetivo do Acordo de Paris de limitar o aquecimento global bem abaixo de 2°C até o fim do século. A leitura do PDE 2030 mostra que as mudanças climáticas são um problema secundário para o governo federal, supostamente longe de nossa realidade imediata. Não há uma discussão sobre a transição energética para fontes renováveis de baixo impacto, notadamente para o segmento de transportes, maior emissor de gases de efeito estufa no setor de energia. A análise das emissões foca na comparação com o proposto na NDC (contribuição nacionalmente determinada) apresentada em 2015, a qual deveria ter sido revisada no ano passado.
O PDE 2030 conclui que a oferta de combustíveis continuará sendo baseada em derivados de petróleo, sem explorar alternativas para migração para combustíveis sustentáveis ou analisar o risco de o país investir centenas de bilhões de reais na exploração do petróleo com a perspectiva de custos crescentes das emissões de carbono. Ademais, não se discutem os riscos econômicos, ambientais e sociais da expansão da exploração de petróleo em novas fronteiras exploratórias: por serem áreas sobre as quais se tem menos conhecimento geológico, experiência operacional e infraestrutura instalada, elas estão mais sujeitas a atrasos, acidentes e não previstos e até mesmo inviabilidade econômica para produção. Isso é especialmente verdade na margem equatorial, para onde a Petrobras prevê investimentos de US$ 1 bilhão. É importante que o PDE 2030 aponte a necessidade da realização das Avaliações Ambientais de Área Sedimentar para todas as bacias além das realizadas para as do Solimões e Sergipe-Alagoas. Esse processo permite identificar potenciais impactos socioambientais de maneira sistêmica, o que evitaria a concessão de áreas problemáticas, investimentos equivocados e processos de licenciamento conflituosos.
Até mesmo o carvão, altamente poluente, caro e de pouca relevância para o Brasil, é considerado como opção para geração de eletricidade. Não faz sentido apostar em modernização de térmicas a carvão se já foi definido o fim de subsídios para a fonte via Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) em 2027. É uma questão de tempo para que os atuais investidores migrem desse setor, – possivelmente antes até do que se espera. Mais producente seria se o PDE 2030 propusesse políticas para descomissionamento delas, facilitando a migração da cadeia carbonífera – trabalhadores e empresas – para outras atividades.
Por outro lado, alternativas inovadoras, como a inserção do hidrogênio verde como combustível ou a utilização da macaúba para a produção de biocombustíveis são deixados de lado. É necessário propor melhoramentos ao RenovaBio, aumentando sua abrangência e escopo, e avaliar em que medida o Brasil pode se beneficiar das sinergias que os biocombustíveis, os veículos elétricos e o hidrogênio podem oferecer.
A retomada econômica e o combate à crise climática são prioritários para o desenvolvimento do país. É preciso que o setor energético, tão intrinsicamente ligado a essas questões, também as trate como prioridades.
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