Eventos adversos dos medicamentos, como intoxicações e uso abusivo, são problemas preocupantes no Brasil
Eventos, reações e efeitos adversos dos medicamentos podem parecer a mesma coisa, mas, na verdade, são conceitos diferentes utilizados principalmente na farmacovigilância, um conjunto de procedimentos relacionados à detecção, avaliação, compreensão e prevenção de reações adversas a medicamentos ou outros problemas com fármacos. Quando há suspeita de eventos adversos, é preciso notificar a empresa farmacêutica ou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
O que são os medicamentos?
Os medicamentos são produtos farmacêuticos tecnicamente obtidos ou elaborados, com finalidade profilática, curativa, paliativa ou para fins de diagnóstico segundo a definição da Anvisa. São diferentes de remédios pois são elaborados em laboratório e possuem toda uma regulação para serem comercializados e podem ser obtidos nos seguintes tipos: de referência, similar ou genérico.
Qual a diferença entre fármaco e droga?
Apesar de também usados como sinônimos, os fármacos são considerados medicamentos, enquanto a droga, na maioria das vezes, é vista como um tipo de substância que afeta negativamente o organismo.
O que são eventos adversos relacionados a medicamentos?
Efeitos adversos se referem a um resultado negativo ou prejudicial que parece estar associado ao tratamento – isso inclui a ausência de efeitos.
Já os eventos adversos a medicamentos (EAM) se referem a qualquer ocorrência negativa prejudicial que ocorre durante ou após o tratamento, podendo estar associada ou não a um medicamento.
O conceito de eventos adversos é amplo e abarca diversas situações:
- Suspeita de reações adversas a medicamentos;
- Eventos adversos por desvios da qualidade de medicamentos;
- Eventos adversos decorrentes do uso não aprovado de medicamentos;
- Interações medicamentosas;
- Inefetividade terapêutica, total ou parcial;
- Intoxicações relacionadas a medicamentos;
- Uso abusivo de medicamentos;
- Erros de medicação, potenciais e reais.
Quais os efeitos adversos de medicamentos? Como são classificadas as reações adversas aos medicamentos?
Reações adversas a medicamentos
As reações adversas a medicamentos (RAM) são tipos de efeitos adversos. Toda reação adversa é um evento adverso, mas nem todo evento adverso é uma reação adversa.
De acordo com o glossário de termos de farmacovigilância, reação adversa a medicamentos (RAM) é um efeito prejudicial suspeito de ser causado por um medicamento.
Esse problema tem consequências diversas. Estudos norte-americanos mostraram que as reações adversas graves estão entre as dez principais causas de morte nos Estados Unidos. Além disso, elas são responsáveis por uma elevada carga financeira dos sistemas de saúde.
Eventos adversos por desvios da qualidade de medicamentos
Os efeitos adversos dos medicamentos podem ser causados pela qualidade do remédio. Em algum momento, a eficácia pode não ser a mesma ou pode haver alguma alteração na fórmula. É preciso investigar e, ao passar por algum efeito adverso, comunicar à Anvisa.
A Anvisa valoriza fortemente a avaliação de medicamentos a partir de três pontos: segurança, eficácia e qualidade do produto. Por isso, é realizado o monitoramento de medicamentos para coletar informações e entender seus eventos adversos. No Portal da Anvisa, é possível acessar o Notivisa e relatar informações de alguma situação de efeitos dos medicamentos.
Eventos adversos decorrentes do uso não aprovado de medicamentos (off-label)
Quando o medicamento é utilizado em situações diferentes das que ele é indicado e que constam na bula, trata-se de um uso não aprovado do medicamento, também chamado de uso off-label. Isso traz riscos de ocorrência de efeitos adversos, bem como inefetividade.
Interações medicamentosas
Interação medicamentosa é um evento que pode ocorrer entre um medicamento e outro, entre medicamentos e alimentos ou medicamentos e drogas (como álcool e cigarro).
Algumas substâncias, como os antiácidos, podem interagir com outros medicamentos e alterar as taxas de dissolução e absorção. Por isso, ao receber uma nova receita, é fundamental informar ao profissional se já estiver utilizando outro medicamento.
Inefetividade terapêutica, total ou parcial
A inefetividade terapêutica acontece quando os medicamentos não exercem os efeitos esperados. Isso pode acontecer por problemas com a síntese do fármaco ou mesmo pela administração do medicamento ao paciente. Como ela está relacionada à ausência ou diminuição de efeito, é considerada um efeito adverso.
Um dos motivos comuns da inefetividade terapêutica dos medicamentos é o prazo de validade. Medicamentos fora de validade podem apresentar possíveis alterações na composição química resultantes do armazenamento da embalagem de remédio. De acordo com a agência estadunidense Food and Drug Administration (FDA), tomar remédio vencido, como antibióticos, pode prejudicar o tratamento de infecções, levando a doenças mais graves e resistência ao medicamento.
Intoxicações relacionadas a medicamentos
A intoxicação por medicamentos é um grande problema no Brasil. Segundo uma pesquisa, entre os anos 2010 e 2017, foram notificados 565.271 casos de intoxicação, sendo que 298.976 – o equivalente a 52,8% – tiveram o medicamento como agente tóxico.
A intoxicação pode levar a diarreia, vômitos, tontura, mudança de comportamento e também pode ser letal. Dentre suas principais causas está a automedicação, um costume presente entre os brasileiros que consiste em tomar remédios sem as orientações de um profissional especializado para isso.
Uma pesquisa, realizada pelo Conselho Federal de Farmácia (CFF), constatou que a automedicação é um hábito comum a 77% dos brasileiros. Quase metade (47%) se automedica pelo menos uma vez por mês.
Outra pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação (ICTQ), em 2018, mostra que 68% das recomendações de medicação são de familiares, 41% de amigos, 27% de vizinhos e 48% de balconistas de farmácia.
Uso abusivo de medicamentos
O uso abusivo de medicamentos pode ter diversos efeitos negativos à saúde. No relatório anual de 2013, a Junta Internacional de Fiscalização a Entorpecentes (JIFE) divulgou um alerta sobre o uso de drogas, ressaltando que o abuso de medicamentos é uma grande ameaça à saúde pública.
Em 2019, o relatório incentivou os governos a colaborarem com as autoridades de saúde pública, farmacêuticos, médicos, fabricantes, distribuidores e associação de proteção ao consumidor a fim de conscientizar o público sobre os riscos associados aos medicamentos prescritos e adotar as medidas adequadas para reduzir seu uso indevido.
Uma classe de fármacos que merece atenção em relação ao uso abusivo são os antibióticos. Quando os antibióticos são usados inadequadamente, eles se tornam menos eficazes contra determinados tipos de bactérias, que acabam melhorando suas defesas, resultando em superbactérias. Esses organismos resistentes são uma preocupação de diversos especialistas e organizações, pois traz o risco de uma crise de resistência a medicamentos.
Erros de medicação, potenciais e reais
Erros de medicação, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), são responsáveis por pelo menos uma morte por dia em todo o mundo. Eles estão relacionados à prática profissional e também a problemas com informação e comunicação, tais como:
- Falta de informações detalhadas sobre o paciente;
- Falta de informação atualizada sobre o medicamento;
- Falhas de comunicação entre profissionais de saúde;
- Instruções de uso do medicamento passadas ao paciente de forma inadequada ou pouco clara;
- Problemas nos rótulos e embalagens de medicamentos.
Os erros podem estar relacionados, ainda, a fatores ambientais, como baixa luminosidade.
Diante disso, organizações e profissionais têm se esforçado para adotar procedimentos e minimizar esses erros. O National Coordinating Council for Medications Error Reporting and Prevention (NCCMERP) elaborou um instrumento que tem servido de base para estudar as causas dos erros de medicação em alguns países. É uma espécie de taxonomia de erros que permite que as unidades de saúde saibam avaliar, classificar e corrigir as falhas.
Junto às unidades de saúde, organizações e especialistas, os consumidores também precisam se empenhar. Cuidar da saúde é um passo importante, pois previne a necessidade do uso de medicamentos. Quando necessário, o uso deve ser feito sem exageros e automedicação, para evitar intoxicações e outros eventos adversos.
Além disso, em qualquer suspeita de eventos adversos, é preciso notificar a empresa farmacêutica ou a Anvisa. Existe uma equipe de farmacovigilância que cuida especificamente desse assunto em cada indústria farmacêutica. Confira o vídeo abaixo sobre a importância da farmacovigilância.
O que são efeitos colaterais relacionados a medicamentos?
Os efeitos colaterais dos medicamentos são não intencionais, mas previsíveis ao uso dos fármacos. Eles podem acontecer diante do consumo de doses normais e recomendadas e não estão relacionados à finalidade do medicamento.
Diferentemente dos efeitos adversos, os efeitos colaterais podem ser prejudiciais, benéficos ou neutros. No tratamento da diabetes, por exemplo, um efeito colateral do medicamento pode levar à perda de peso. Entretanto, eles variam de acordo com o propósito e a composição do fármaco e são, na maioria das vezes, listados na bula. Lembre-se de utilizar medicamentos apenas por recomendação médica.
Qual a diferença de efeitos colaterais e reações adversas?
As reações adversas, embora similares aos efeitos colaterais no sentido de não serem intencionais, são negativos e prejudiciais à saúde. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, as reações adversas são uma resposta prejudicial e não intencional a um medicamento.
Quais os cuidados da enfermagem na administração de medicamento?
Existem algumas práticas de cuidados com os medicamentos que podem evitar o aparecimento de alguns efeitos adversos, além de garantir a segurança, como cuidados extras durante o armazenamento e consumo dos fármacos. Entre eles estão:
- Otimize seu armazenamento deixando sua caixa de remédio (aquela sua farmácia particular) sempre organizada. Mantenha os medicamentos em suas respectivas caixas, em local seco e longe da luz;
- Evite a automedicação;
- Só tome água com o remédio, outros líquidos – mesmo sucos e refrigerantes – podem afetar a eficácia dos compostos e impactar o tratamento;
- Se possível, só reparta comprimido com indicação médica — os medicamentos são desenvolvidos para serem absorvidos pelo melhor local e, aos poucos, o revestimento de cada comprimido irá resistir ou não ao suco gástrico do estômago para chegar ao intestino, onde é melhor absorvido, e liberar o princípio ativo lentamente;
- Não consuma fármacos falsificados e vencidos — mesmo medicamentos vencidos há 2 meses podem afetar negativamente a saúde;
Como descartar remédios?
E como descartar remédios? O processo de descarte de medicamentos é importante para evitar tanto seu consumo indevido, que pode resultar em efeitos adversos, tanto para reduzir os impactos ambientais derivados do seu desuso incorreto. Ele é feito a partir de uma separação das embalagens primárias e secundárias. Confira seu passo a passo:
- Separe as caixas de medicamentos (as caixinhas de papel que acompanham blisters, fracos e vidros), em conjunto com as bulas e, após inutilizá-las para evitar sua reutilização por pessoas má intencionadas, encaminhe-as para a reciclagem — essas são as embalagens secundárias e não apresentam riscos para a saúde e o meio ambiente;
- As embalagens primárias (blisters, frascos e vidros, como os recipientes de xarope) deverão ser deixadas em pontos de descarte de medicamentos, que podem ser encontrados em farmácias e drogarias populares, hospitais e Unidades Básicas de Saúde (UBSs).
Resíduos perfurocortantes
Alguns pontos de coleta de remédio não aceitam produtos como perfurocortantes, que são resíduos do Grupo E. De acordo com o artigo 86, da resolução 222/2018 da Anvisa, “os materiais perfurocortantes devem ser descartados em recipientes identificados, rígidos, providos com tampa, resistentes à punctura, ruptura e vazamento“. Esses recipientes, que podem ser feitos de garrafa PET, devem ser encaminhados a Unidades de Saúde e jamais descartados no lixo doméstico ou nos resíduos recicláveis comuns.
Pessoas com diabetes, por exemplo, que fazem uso da insulinoterapia em casa, devem armazenar as agulhas conforme o artigo citado anteriormente e descartar os recipientes em uma Unidade de Saúde. O mesmo se aplica para outras terapias que fazem uso de materiais perfurocortantes.
Após o descarte correto de medicamentos, o consumidor não exerce mais nenhum papel nesse processo. A partir de sua chegada nesses pontos, fabricantes e distribuidores são responsáveis pela coleta de medicamentos vencidos e em desuso, como previsto pelo decreto federal n.º 10.388 da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS).
Entenda mais sobre o processo de regulamentação em:
Possíveis dúvidas
Você pode sanar suas dúvidas sobre esse processo lendo:
Todo processo de descarte é o mesmo! Ambos medicamentos vencidos e dentro do prazo podem ser encaminhados para os pontos de descarte de medicamentos em farmácias, drogarias e algumas unidades de saúde.
Entretanto, em vez de descartar os resíduos, você também pode pesquisar onde doar remédios sem jogá-los fora. A doação de medicamentos é incentivada pelo Projeto de Lei 4091 de 2019, que propõe que sejam instituídas diretrizes para programas, projetos e ações, sob responsabilidade do poder público, que envolvam a doação de medicamentos à população.
Onde encontrar pontos de descarte?
Para verificar a disponibilidade do serviço dos pontos de descarte e as unidades mais próximas à você, confira a ferramenta de busca do eCycle.
Impactos socioambientais do descarte incorreto de medicamentos
Mas para que descartar os remédios do jeito correto? E o que acontece no descarte de medicamentos e seus impactos ambientais? Os efeitos dos medicamentos não são limitados apenas aos seres humanos. O descarte incorreto de medicamentos, por exemplo, pode impactar o meio ambiente.
Embora exista uma regulamentação de descarte de medicamentos vencidos e em desuso criada pela Anvisa dentro da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), a falta de divulgação do projeto dificulta a sua eficácia. Além de contribuir para a contaminação do solo por medicamentos, o descarte ineficaz também pode afetar ambientes aquáticos.
Isso acontece quando descartamos medicamentos no lixo ou pelo vaso sanitário. O ato de descarte de remédios no meio ambiente direta ou indiretamente, pode levar a alterações do sistema endócrino e na fisiologia de espécies, como a feminização de peixes decorrente da exposição a hormônios encontrados em anticoncepcionais. Ainda mais preocupante é o desenvolvimento de superbactérias como efeito do descarte incorreto de antibióticos. Além disso, os agentes mutagênicos presentes nos antineoplásicos e imunossupressores, que são utilizados em tratamentos quimioterápicos, podem afetar diversos organismos se descartados no meio ambiente.
Para evitar o impacto ambiental de medicamentos, é necessário criar um hábito do descarte consciente de medicamentos, que é fiscalizado pelo Ministério da Saúde e é, essencialmente, um processo simples e fácil, mas que depende do consumidor.