Após três anos de negociações, os indígenas ainda lutam pela realocação a novas terras enquanto esperam uma resolução da Vale
- Por Sarah Brown | Traduzido por Carol De Marchi e André Cherri em Mongabay – Uma comunidade de indígenas Pataxó e Pataxó Hãhãhães ficou desabrigada pela segunda vez em três anos depois que o Rio Paraopeba inundou suas casas.
- Em 2019, a mesma aldeia tornou-se inabitável quando o colapso da barragem de rejeitos de mineração da Vale, em Brumadinho, poluiu o rio, causando problemas de saúde à comunidade e impedindo seu acesso a água limpa.
- O Ministério Público Federal diz que a comunidade não pode retornar à vila Naô Xohã, pois suas casas e terras estão contaminadas por metais pesados presentes na lama tóxica que atingiu o rio Paraopeba. Moradores foram abrigados em escolas locais e dependem de doações para sobreviver.
- Após três anos de negociações, os indígenas ainda lutam pela realocação a novas terras enquanto esperam uma resolução da Vale.
Três anos após o acidente que obrigou moradores a abandonarem suas casas em Minas Gerais, uma pequena comunidade de indígenas Pataxó e Pataxó Hãhãhãe enfrenta mais um deslocamento provocado por um desastre no Rio Paraopeba.
Em janeiro de 2019, a barragem de rejeitos de mineração em Brumadinho, pertencente à mineradora Vale, colapsou e jogou metais pesados e outros resíduos de mineração no rio do qual os moradores da vila Naô Xohã dependem para seu sustento, tornando o local inabitável.
Localizada às margens do Rio Paraopeba, no município de São Joaquim de Bicas, a vila Naô Xohã – que significa “espírito guerreiro” em língua indígena – abriga cerca de 20 famílias das etnias Pataxó e Pataxó Hãhãhãe. Desde outubro do ano passado, o estado de Minas Gerais tem sido atingido por fortes chuvas, que se intensificaram nas primeiras semanas de 2022, fazendo com que o rio transbordasse e inundasse a vila.
“É um momento muito triste para nós”, disse o chefe Arakuã Pataxó à Mongabay. “Fomos forçados a deixar nosso território novamente por causa da contaminação das minas, que agora está dentro de nossas casas e em nossa terra”, referindo-se à lama tóxica trazida pelo rompimento da barragem, considerado um dos maiores desastres de mineração do mundo.
“A água destruiu tudo”, disse Haroldo Heleno, coordenador regional do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), organização afiliada à Igreja Católica, em entrevista por telefone. “A lama e a água varreram quase toda a parte baixa da aldeia. As condições são completamente inadequadas para se viver.”
O Ministério Público Federal confirmou que as enchentes afetaram as casas das comunidades indígenas, além de centros de saúde e banheiros comunitários, deixando a área inadequada para viver devido ao risco de contaminação pelas águas do rio. Após serem resgatadas em barcos pelo Corpo de Bombeiros local e pela Defesa Civil, as famílias indígenas – 27 adultos e 18 crianças, de acordo com o MPF – foram alojadas em escolas municipais, onde atualmente permanecem mantidas por doações.
Em declaração à Mongabay, os povos Pataxó e Pataxó Hãhãhãe dizem que sua remoção da aldeia os privou de seus direitos de “organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, como previsto no artigo 231 da Constituição Federal”.
Logo após as enchentes, o Ministério Público Federal e a Defensoria Pública Federal publicaram uma carta oficial solicitando à Vale a realizar uma reunião com a comunidade indígena “para tratar das medidas de emergência a serem adotadas em favor dos povos [Pataxó e Pataxó Hãhãhãe], especialmente no que diz respeito à realocação de famílias”. Na mesma declaração, as autoridades federais disseram que “a presença de metais pesados e outros poluentes nas águas que chegaram à aldeia Naô Xohã impossibilita o retorno da comunidade indígena às suas casas”.
Em uma declaração, a Vale confirmou ter recebido a carta, mas disse que “é importante observar que os rejeitos de minério de ferro são compostos principalmente de minerais ferrosos e quartzo, e são classificados como não perigosos e, portanto, não tóxicos, de acordo com a norma NBR 10.004 da Associação Brasileira de Normas Técnicas”.
A mineradora disse que atualmente está avaliando o impacto das enchentes e dando apoio às comunidades que vivem às margens do Rio Paraopeba, com as quais alegam que “mantêm um diálogo aberto”. A Vale acrescentou que qualquer dano causado pelas inundações ligadas ao colapso da barragem de 2019 “será devidamente tratado conforme necessário”, cumprindo um acordo assinado com o Ministério Público Federal que visa assegurar direitos a indígenas atingidos na tragédia.
De acordo com Arakuã Pataxó, no entanto, a empresa ainda não forneceu uma solução concreta para os danos infligidos à comunidade indígena desde o início das negociações em 2019. A Vale disse que a avaliação ainda está em andamento e que o plano de reparação será fornecido assim que a análise for concluída.
Déjà vu de uma tragédia
O colapso da barragem de rejeitos em Brumadinho, em 2019, derramou 12 milhões de metros cúbicos de resíduos de mineração, causando uma onda de lama tóxica de dez metros de altura que percorreu dez quilômetros até o Rio Paraopeba, matando um total de 270 pessoas. Na época, estudos indicaram que o rio foi contaminado com metais pesados – como manganês, ferro, chumbo, cobalto e mercúrio – em níveis muito superiores aos limites permitidos. O desastre forçou a maioria dos Pataxó e Pataxó Hãhãhãe a sair de suas casas próximas ao rio e se estabelecerem em uma nova vila, Katurãma, no mesmo município. No entanto, aproximadamente 20 famílias permaneceram em Naô Xohã desde 2019, de acordo com Heleno, do Cimi.
Katurãma, localizada na chamada Mata do Japonês, em uma área doada ao povo indígena pela Associação Mineira de Cultura Nipo-Brasileira (AMCNB), também foi afetada pelas recentes chuvas. Antonio Hoyama, diretor administrativo da AMCNB, disse à Mongabay em uma mensagem telefônica que, embora Katurãma esteja em uma área mais alta e, portanto, não corre o risco de ser inundada pelo rio, “o problema é que suas casas são feitas de lona plástica, que não suportam as fortes chuvas e o vento”. Hoyama acrescentou que eles receberam apoio do Ministério Público Federal, bem como novas lonas plásticas para reconstruir suas casas.
Naô Xohã continua sendo o mais afetado dos dois povoados Pataxó e Pataxó Hãhãhãe, disse Heleno. Ele acrescenta que sua organização está solicitando ao Ministério Público Federal e à Vale a realocação da comunidade para novas terras, já que eles não podem mais viver em Naô Xohã devido à contaminação do rio. Eles haviam construído poços após o desastre de 2019 para obter água doce, mas agora “tudo, incluindo os poços, foi contaminado pelas recentes enchentes”.
“Eles estão procurando uma nova área onde possam produzir alimentos e sobreviver”, acrescentou. “Não é só da terra que eles precisam. Estas famílias também precisam dos recursos para reconstruir suas casas e suas hortas.”
Água e peixes contaminados
Dois estudos de 2020 e 2021 citados na recente carta do Ministério Público Federal à Vale indicam que o nível de metais pesados ainda é maior do que o permitido pela regulamentação brasileira. O estudo de 2021, publicado pelo Instituto Mineiro de Gestão da Água (Igam), recomendava a não utilização da água do rio.
Elias Teramoto, geólogo da Universidade Estadual Paulista (Unesp), afirma que uma das maiores preocupações é o risco da comunidade consumir metais encontrados no rio, não tanto pela ingestão da água em si, mas através dos peixes contaminados. “A transferência de metais da lama contaminada para a água acontece em pequenas quantidades”, diz ele. No entanto, “organismos aquáticos ingerem as partículas finas de metal. Quando as pessoas consomem peixes contaminados – e os peixes do Rio Paraopeba são parte da dieta local -, há o risco do metal se acumular no corpo e as pessoas se contaminarem”.
O problema persiste há vários anos. Um estudo realizado em 2016, por exemplo, encontrou níveis de metais pesados acima dos recomendados para o consumo humano em peixes que vivem nas águas do rio.
As concentrações de metais pesados no Rio Paraopeba variam com as estações do ano e são especialmente acentuadas com chuvas fortes. “Na estação seca, há uma menor concentração de metais na água”, disse Teramoto. “À medida que o fluxo do rio aumenta, na estação chuvosa, ele carrega mais sedimentos e mais partículas.”
Desde o desastre de Brumadinho, a Vale vem sofrendo pressões das autoridades locais e federais, de organizações que defendem os direitos indígenas e das próprias comunidades indígenas para proporcionar um novo lar para os povos Pataxó e Pataxó Hãhãhãe. No entanto, as conversas com a mineradora têm sido lentas. “É muita conversa, mas pouca ação”, disse Heleno.
Em sua declaração, a comunidade indígena aponta que está negociando com a Vale há três anos, sem uma resolução. “Todo o processo de negociação, que visa reparar os danos que a comunidade indígena sofreu, tem sido extremamente doloroso e cansativo para nosso povo.”
Por enquanto, moradores permanecem abrigados nas escolas locais até que a Vale conclua o processo de reparação e a comunidade consiga novas terras para reconstruir sua vila. “Estamos aguardando as decisões da justiça e da Vale”, disse Arakuã Pataxó, o chefe da comunidade. “Não sabemos mais o que fazer”.
Imagem do banner: Angohó Ha-ha-hãe, liderança da aldeia Naô Xohã, junto ao Rio Paraopeba, em MG. Foto: Luiz Guilherme Fernandes/Mongabay.
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Este texto foi originalmente publicado por Mongabay de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original.