Com uma abordagem sistêmica, que tem como pilares proteção ambiental, inclusão social e desenvolvimento econômico, texto propõe ações concretas para a região que podem ser adotadas já no início dos mandatos do Executivo federal e estadual e Congresso Nacional
Por Página 22 | A iniciativa Uma Concertação pela Amazônia lançou hoje [26] o documento 100 primeiros dias de governo: propostas para uma agenda integrada das Amazônias. Com uma abordagem sistêmica, que tem como pilares proteção ambiental, inclusão social e desenvolvimento econômico, o documento propõe ações concretas que podem ser adotadas já no início dos mandatos do Executivo federal e estadual e Congresso Nacional.
A agenda parte da premissa de que ações de comando e controle para o combate ao desmatamento — como fiscalização, segurança pública e medidas para o cumprimento da lei — são imprescindíveis, mas não suficientes. Esse combate só será efetivo e duradouro se houver também a busca de uma economia mais eficiente na conciliação da conservação com a produção e capaz de abarcar as demandas sociais de uma região em que vivem quase 30 milhões de pessoas.
Concebido de forma colaborativa, com 12 rodadas temáticas e 130 pessoas envolvidas, o documento inova ao apresentar propostas no formato de atos normativos, como decretos e medidas provisórias. O objetivo é que a redação com respaldo jurídico possa facilitar a implementação das ações. Para chegar ao resultado final, a iniciativa fez reuniões semanais com uma consultoria jurídica para mapear normas e projetos de lei de interesse e definir quais propostas precisavam ser instrumentalizadas e aprofundadas.
Além de ações de curto prazo — que incluem tanto normas infralegais (decretos, resoluções etc.) quanto a priorização de proposições normativas que exigirão debate mais amplo na pauta do Legislativo —, o texto propõe também diretrizes para médio e longo prazos. “Em função da sua importância para a estabilidade climática global e conservação da biodiversidade, a Amazônia é um convite para o Brasil fundar um novo modelo de desenvolvimento para o Brasil, baseado no capital natural e na justiça social”, diz Renata Piazzon, diretora do Instituto Arapyaú e secretária executiva da Concertação.
Para tanto, será necessário um compromisso de lideranças políticas com esse novo modelo. “Precisamos de políticos mais preparados, mais próximos dessa agenda e capazes de dialogar com o restante do mundo sobre ela. Nosso esforço é tratar a sustentabilidade para além de um viés apenas ambiental e mostrar que a Amazônia tem um papel central na equação climática global e na nova geopolítica ambiental”, afirma Mônica Sodré, diretora-executiva da Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (Raps), organização apartidária e relevante parceira da Concertação pela Amazônia.
Criada em 2020, a Concertação nasceu como um espaço democrático de debate para que diversas iniciativas que atuam em prol da região pudessem se encontrar, dialogar e ampliar o impacto de suas ações. Apartidária e plural, a rede reúne mais de 500 lideranças dos setores público e privado, academia e sociedade civil que se juntaram para buscar propostas e projetos para a floresta e as pessoas que vivem na região.
Para que essa agenda integrada construída pela Concertação seja possível, é imprescindível que as soluções venham de uma articulação entre diferentes setores e múltiplos atores — além da atuação do Estado, por meio das políticas públicas, na definição dos direitos de propriedade e no combate ao crime.
A implementação das ações requer ainda inovações do ponto de vista institucional, que permitam uma maior coordenação interministerial e articulação federativa, e um empenho global para mobilização de recursos. “O esforço de eliminação do abismo que separa o Brasil da Amazônia na agenda social vai demandar diplomacia para atração de investimentos para a Amazônia, conectada à agenda internacional de clima e biodiversidade”, afirma Roberto S. Waack, presidente do conselho do Instituto Arapyaú e cofundador da iniciativa Uma Concertação pela Amazônia.
Propostas
Depois de levantar mais de 80 propostas, a rede priorizou 14 nas áreas de Cidades, Economia, Educação, Segurança alimentar, Saúde, Infraestrutura, Mudanças climáticas e combate ao desmatamento, Ordenamento Territorial e Regularização Fundiária, Mineração, Segurança Pública e Ciência, Tecnologia e Inovação.
O nível de esforço para adoção, o potencial de sucesso e a facilidade de formulação jurídica e de comunicação foram alguns dos critérios adotados para a priorização das propostas.
Entre os destaques está uma minuta de decreto para a criação do Grupo de Trabalho voltado para a Saúde na Amazônia Legal (GTSAm). O objetivo principal é avaliar e propor medidas que atendam às especificidades e aos modos de vida dos povos e comunidades amazônicas. A ideia é de um “SUS adaptado”, preparado para enfrentar os desafios de acesso e logística em áreas remotas, com proposição, no curto prazo, de políticas públicas de acesso à telessaúde e à telemedicina; atração e retenção de profissionais da saúde; e uso compartilhado de bens, serviços, infraestrutura e equipamentos públicos entre municípios e estados.
Outra proposta sugere ao Conselho Gestor do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) a aplicação dos recursos prioritariamente em projetos que atendam populações indígenas, quilombolas e ribeirinhas, e pequenos produtores rurais da Amazônia Legal. Seriam priorizadas iniciativas de educação que contemplem a conectividade em escolas públicas e de saúde, com o objetivo de promover a telessaúde e a telemedicina na região. O desafio da conectividade não se resume ao acesso, mas inclui uso, qualidade, oferta, disponibilidade de equipamentos e letramento digital. Na região Norte, o problema é ainda mais agudo que no restante do país: somente 51% das escolas possuem acesso à internet; durante a pandemia, apenas 31% das escolas rurais adotaram alguma medida para o ensino remoto (dados do estudo TIC Educação 2020 – Edição Covid-19).
Na área econômica, a proposta é restabeler a política de transferência de renda e de apoio à conservação ambiental, conhecida como Programa Bolsa Verde (PBV). Seriam beneficiadas famílias em situação de extrema pobreza residentes em áreas florestais da Amazônia Legal. Dados da PNAD Contínua do IBGE (2021) apontam que o percentual de pessoas abaixo da linha da pobreza na Amazônia Legal chegou a 45%, 18 pontos acima do restante do país. A retomada do programa representaria um passo importante na oferta de alternativas às atividades ilícitas, responsáveis pela degradação ambiental.
Em segurança pública, a sugestão é a da criação de um programa tático operacional no âmbito do Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável da Amazônia Legal. O programa é concebido como passo inicial para entrelaçar as políticas públicas de segurança, resgatar a noção de território e utilizá-la para redesenhar a governança, pensando de forma interfederativa e intrapoderes. A visão consorciada é a chave para combater de forma articulada a criminalidade na região. A Amazônia é hoje uma das regiões mais violentas do Brasil. Em 2019, entre os 10 municípios mais violentos do país, quatro pertenciam à região. Diversas modalidades cruzadas de crimes têm gerado aumento significativo da violência na região. Tráfico de animais, lavagem de dinheiro, posse ilegal de armas e munição, com acesso a armas mais poderosas, desmatamento, garimpo e extração de madeiras ilegais estão entre os delitos mais frequentes na Amazônia.
Em governança, está a proposta de criação de uma Secretaria de Estado de Emergência Climática diretamente vinculada à Presidência da República. O posicionamento deste órgão é estratégico do ponto de vista da coordenação interministerial e intergovernamental, seja para assessoramento na formulação de políticas públicas de enfrentamento e adaptação às emergências climáticas, seja para condução das negociações nacionais e internacionais relacionadas ao assunto. A emergência climática tornou-se um desafio global, e não se restringe à esfera ambiental. A Amazônia requer do Brasil um papel central nesta questão. E o atual ritmo de destruição do bioma impõe urgência na adoção de políticas públicas e de arranjos institucionais que permitam o reposicionamento do país como ator-chave no debate global sobre sustentabilidade.
As 14 propostas estão disponíveis no documento, em fichas explicativas, com contexto e objetivos. Acompanhe o evento de lançamento aqui.
Este texto foi originalmente publicado pela Página 22 de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.