No extremo sul da capital paulista, a Ilha do Bororé é cercada por represa e área de proteção ambiental; líderes locais promovem ações de preservação com apoio da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP
Por Valentina Moreira | A menos de duas horas do centro da cidade de São Paulo, há um lugar onde o relógio da maior metrópole da América Latina desacelera. Na Ilha do Bororé, bairro do extremo sul da capital paulistana pertencente ao Grajaú, o almoço é temperado com as ervas colhidas do quintal, o transporte é feito de bicicleta ou balsa e o dia só acaba depois de uma tarde de pesca.
Separada do restante da cidade pela represa Billings e por uma extensa área de proteção ambiental, a ilha – que, na verdade, é uma península – tem sido protegida do avanço urbano e conserva um estilo de vida semelhante aos ambientes rurais. Mas a paisagem não é a única particularidade da região.
Os adolescentes do Bororé aprendem desde cedo a reconhecer a importância da história e da cultura do bairro. Descrita por Jorge Bassani, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, como um espaço em que os moradores têm uma relação especial com o território, a ilha abriga atividades pioneiras em urbanismo e educação ambiental. Os projetos são uma parceria entre a FAU, a Escola Estadual Adrião Bernardes e a Casa Ecoativa, coletivo de cultura criado por lideranças da região.
Desde 2016, o Grupo de Mapografias Urbanas (GeMap) da FAU fomenta projetos na Ilha do Bororé. O grupo participou da elaboração do Bororé ao Mundo, um memorial com a história da comunidade do Bororé construído pelos jovens do bairro a partir de relatos dos moradores. A ideia do memorial partiu de José Carlos Caldas, professor da Escola Estadual Adrião Bernardes, e teve seu nome escolhido pelos alunos da escola.
Atualmente, o GeMap está construindo o Núcleo de Arte e Educação Ambiental do Bororé (Naeb), projeto orientado para a educação ambiental feito por uma equipe de arquitetos e geógrafos da USP. A formação desenvolvida pelo Naeb consiste em atividades que discutem sobre os cuidados com a terra, a paisagem e o patrimônio material por meio da arte.
Extensão ou comunicação?
Ações voltadas para a educação cultural são tradição na Ilha do Bororé antes mesmo da parceria com a FAU. José Carlos conta que o movimento começou quando alguns moradores construíram a Casa Ecoativa na década de 1990. O coletivo, que foi feito com o propósito de fortalecer a produção artística dentro do bairro, consolidou-se como espaço para parcerias com outras entidades, sendo um dos principais responsáveis pela formação dos jovens da região.
A experiência na Ilha do Bororé é também uma oportunidade de aprendizagem para os pesquisadores da FAU. Desde o primeiro contato da Universidade com os alunos da escola estadual do bairro, Bassani explica que as oficinas têm ensinado sobre a relação com o território em uma perspectiva diferente do que é ensinado nos livros sobre urbanismo. Por isso, ele defende o projeto como um meio de formação para os alunos da graduação e pós-graduação da USP.
No dia das gravações, a oficina do Naeb estava sendo ministrada por dois estudantes da graduação em Arquitetura – Ester Marília Cunha da Cruz e Lucas Servulo de Lima, e uma estudante da pós graduação – Heloisa Bento Ribeiro. Ester é moradora de um outro bairro da periferia na Zona Norte de São Paulo e conta que a experiência no Bororé é um incentivo para promover ações culturais na região onde cresceu.
Para Lucas, participar das atividades tem ensinado sobre aspectos que vão além do conhecimento tradicional sobre território: “Eu vejo como meus colegas ministram as oficinas, conversam com os alunos, os pontos que cada um percebe de importância dentro dessas atividades, coisas que podem parecer banais mas acabam sendo muito importantes, que a gente usa mais para a frente e aprende a prestar atenção. Vendo de fora, acho muito importante ver a USP chegando a tantos lugares, mas mais que isso, acho que a nossa discussão é muito interessante porque não buscamos só entender aquelas pessoas, mas tentamos produzir com elas um conhecimento, um material de valorização do território.”
Nesse contexto, Bassani entende que projetos como o da Ilha do Bororé têm se tornado possíveis em razão da maior diversidade dos alunos que ingressam na USP. Para ele, esses estudantes têm contribuído para um movimento de maior sensibilidade da Universidade em relação à realidade periférica. Movimento que rompe com o paradigma que o conhecimento acadêmico seria superior e, por isso, deveria ser imposto sobre populações de menor prestígio social.
“Cada vez mais temos recebido estudantes da graduação da Geografia e da Arquitetura superengajados nesse tipo de trabalho na periferia. Não só porque eles se sentem bem levando conhecimento, ou aquilo que supõem que seja conhecimento. Eles se sentem bem porque eles conhecem essa realidade e aprendem muita coisa estando lá”, pontua.
Saiba mais sobre o projeto Bororé ao Mundo: https://bororeaomundo.wixsite.com/memorial
Saiba mais sobre o GeMap: https://gemapfau.wixsite.com/fauusp
Este texto foi originalmente publicado pelo Jornal da USP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.