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Estudo mostrou também que a conjugação das duas lavouras é uma poderosa estratégia de sobrevivência em tempo de mudança climática, além de aumentar a renda do produtor

Imagem: Marcos José Perdoná

Com uma produção estimada em 49,7 milhões de sacas de 60 quilos em 2016 , o Brasil lidera de longe o ranking dos maiores produtores mundiais de café. Os valores consolidados de 2015 permitem a comparação numérica: Brasil, 43,2 milhões de sacas; Vietnã, 27,5 milhões de sacas; Colômbia, 13,5 milhões de sacas; Indonésia, 11 milhões de sacas; Etiópia, 6,4 milhões de sacas. Os cafezais instalados no país se estendem por aproximadamente 2,26 milhões de hectares, e o setor mobiliza 290 mil proprietários e mais de 8 milhões de empregados.

Esse vasto segmento agroindustrial possui, no entanto, seu calcanhar de aquiles: a monocultura, praticada em mais de 90% dos estabelecimentos dedicados à produção cafeeira. Os efeitos negativos da monocultura tornaram-se bastante conhecidos pelos especialistas nas últimas décadas: erosão do solo, perda de biodiversidade e alto custo de produção, associados ao uso intensivo de fertilizantes e pesticidas.

O consórcio de lavouras é uma estratégia poderosa para a superação de tais efeitos. E um projeto de pesquisa apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) contemplou especificamente o plantio consorciado de café e macadâmia: “Cultivo consorciado de cafeeiro arábica (Coffea arabica L.) e cultivares de nogueira macadâmia (Macadamia integrifólia Maiden & Betche).

Os pesquisadores envolvidos no projeto, Rogério Peres Soratto, da Faculdade de Ciência Agronômicas da Universidade Estadual Paulista (UNESP) de Botucatu e seu ex-orientando, Marcos José Perdoná, da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA), publicaram no Agronomy Journal, da American Society of Agronomy, o artigo Arabica coffee–macadamia intercropping: a suitablemacadamia cultivar to allow mechanization practices and maximize profitability.

A publicação, também apoiada pela Fapesp, repercutiu na mídia eletrônica especializada dos Estados Unidos, como se pode verificar nos sites da Soil Science Society of America, da Crop Science Society of America e da American Society of Agronomy, entre outros.

“Sob o aspecto ambiental, o consórcio contribui para a preservação e a fertilidade do solo, a promoção da biodiversidade e a defesa das lavouras contra algumas espécies de ervas daninhas. Sob o aspecto econômico, otimiza o uso da terra e da força de trabalho ao longo do ano, aumentando a renda do produtor e protegendo-o de conjunturas adversas decorrentes de fatores climáticos ou de flutuações do mercado. Em resumo, torna o sistema muito mais sustentável. Além disso, gera um ganho de produtividade nas duas culturas e favorece a mecanização da colheita do café”, disse Soratto à Agência Fapesp.

Outro benefício importantíssimo proporcionado pelo consórcio, que já havia sido enfatizado pelos pesquisadores em artigo anterior, é a diminuição da vulnerabilidade da cultura cafeeira no contexto das mudanças climáticas globais. O aumento da temperatura média tende a fazer com que algumas regiões produtoras se tornem impróprias para a lavoura, forçando reconfigurações geográficas com sérios impactos econômicos e sociais.

“A planta do café arábica é um arbusto perene que originalmente se desenvolveu à sombra de árvores maiores. A alta temperatura e o déficit de água causam-lhe grandes danos e reduzem sua performance reprodutiva”, informou Soratto. “O consórcio com a árvore de macadâmia mitiga esses efeitos, além de proteger os cafezais contra outros riscos climáticos, como o ressecamento das plantas pela exposição ao sol, às geadas e às ventanias”, prosseguiu.

O experimento, conduzido por ele e Perdoná na região de Dois Córregos, no Estado de São Paulo, mostrou que o consórcio elevou em 10% a produção do arábica sem irrigação, ou seja, somente com a água disponibilizada pelas chuvas. A irrigação por gotejamento promoveu crescimento bem maior nos cultivos consorciados e aumentou os rendimentos de café e macadâmia em 60% e 133%, respectivamente.

Além disso, o consórcio proporciona ao produtor duas colheitas diferentes em vez de uma única – o que, como já foi apontado, melhora significativamente sua performance comercial e o ajuda a atravessar as conjunturas desfavoráveis causadas pelas quedas nos preços. A macadâmia é uma nogueira lenhosa originária da Austrália, cujos frutos, in natura ou descascados, alcançam alto valor no mercado e possuem um potencial econômico ainda pouco explorado no Brasil.

No experimento, as duas culturas foram plantadas ao mesmo tempo: os cafeeiros em fileiras espaçadas por 3,5 metros, e com as plantas da mesma fileira separadas umas das outras por 70 centímetros; e as árvores de macadâmia em fileiras espaçadas por 10,5 metros, e com as plantas da mesma fileira separadas umas das outras por 4,9 metros, entremeadas por cafeeiros. Então, cada fileira de macadâmia com café ficou separada da outra por duas fileiras de café [veja foto].

“Avaliamos a evolução das duas culturas até o oitavo ano após o plantio. Normalmente, a vida útil da lavoura de café é estimada entre 15 e 20 anos. Mas esse limite é determinado muito mais pelo manejo do que por um eventual envelhecimento da planta. Existem lavouras, bem manejadas, que continuam produtivas por muito mais tempo”, afirmou o pesquisador.

Consumidores exigentes

Embora o café brasileiro tenha sido considerado inferior ao de países como a Colômbia, por exemplo, já existem hoje no Brasil marcas, produzidas em pequena escala, que nada ficam a dever às melhores do exterior. Formou-se também, nos anos recentes, um segmento, ainda minoritário, mas crescente, de consumidores mais exigentes. Características como corpo, aroma, acidez, doçura, amargor e finalização passaram a ser conhecidas e valorizadas por esses apreciadores.

O consórcio com a macadâmia poderá, eventualmente, contribuir para essa melhoria do produto, acrescentando ao aroma e ao sabor do café notas específicas decorrentes da proximidade com as nogueiras. Mas esse aspecto não foi contemplado pela pesquisa em pauta, que se concentrou nos tópicos sustentabilidade e produtividade.

“Não avaliamos a qualidade da bebida porque isso demandaria outro tipo de estudo, extremamente minucioso. É sabido que cafezeiros sombreados por plantas arbóreas produzem um grão de melhor qualidade, pelo fato de o fruto poder atingir estágio de maturação mais adequado. Porém qualquer descuido na colheita, na secagem ou na torra podem prejudicar essa qualidade. Um excelente grão pode ser comprometido pela colheita fora de hora ou pelo manejo inadequado na pós-colheita”, ponderou Soratto.

Em novo projeto apoiado pela Fapesp, os pesquisadores estão estudando agora como inserir macadâmia em lavouras de café já instaladas e a viabilidade da colheita totalmente mecanizada do café nesses sistemas.

Em outro ensaio estudam manejos de poda das nogueiras, porque há um momento em que os cafeeiros ficam sombreados demais, devido ao crescimento das árvores de macadâmia. Enquanto a planta de café dificilmente ultrapassa os 4 metros, a macadâmia chega a alcançar 25 metros de altura. E a manutenção das duas culturas em conjunto requer alguns procedimentos específicos depois de vários anos de consórcio.



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