Cachalote encontrada morta na costa do Havaí com estômago repleto de redes de pesca feitas de plástico revela um lado sombrio do consumo de peixes que ninguém quer ver
Uma baleia cachalote encontrada morta na costa do Havaí na última sexta-feira (4), com o estômago repleto de redes de pesca feitas de plástico, revela um lado obscuro do consumo de animais marinhos que ninguém está preparado para ver. O mamífero, medindo 17 metros de comprimento e pesando 54 toneladas, continha em seu estômago seis armadilhas para peixes, sete tipos de rede de pesca, dois tipos de sacolas plásticas, um protetor solar, linhas de pesca e uma boia pesqueira.
O episódio chama atenção para os impactos do consumo de animais marinhos, que carrega consigo um fenômeno pouco conhecido chamado pesca fantasma.
A pesca fantasma, denominada ghost fishing em inglês, é o que acontece quando os equipamentos desenvolvidos para capturar animais marinhos, como redes de pesca, linhas, anzóis, arrasto, potes, covos e outras armadilhas, são descartados no mar após sua utilização.
Kristi West, diretora do Laboratório de Saúde e Encalhamento da Universidade do Havaí, disse em um comunicado à imprensa do Departamento de Terras e Recursos Naturais do Havaí que foram esses tipos de objetos que bloquearam a abertura do trato intestinal da baleia encontrada morta. “A presença de peixes e lulas não digeridos fornece mais evidências de um bloqueio”, disse ela.
De acordo com artigo publicado no jornal Independent, o estômago da baleia era tão grande que a equipe de West não conseguiu examiná-lo completamente, o que levanta suspeitas de que havia ainda mais plásticos no organismo do animal.
Como as cachalotes viajam por milhares de quilômetros no oceano, não é possível saber de onde veio todo o lixo plástico, podendo este ter sido ingerido em qualquer outro lugar do oceano. Mas o episódio serve como um alerta a respeito dos impactos ambientais do consumo de peixes em geral.
Isso porque, por ano, são largadas nos oceanos cerca de 640 mil toneladas de armadilhas para animais marinhos. Como já revelado em um dos artigos do Portal eCycle sobre a pesca fantasma, essa prática não movimenta a economia, afeta os estoques pesqueiros muitas vezes já esgotados e ainda permanece como uma isca viva – ela atrai para a armadilha peixes e outros animais de maior porte, que chegam em busca das presas menores que ficaram enroscadas no emaranhado de fios.
Em outras palavras, isso significa que restos de peixes que ficam presos nas redes de pesca descartadas no mar atraem animais maiores como golfinhos, tartarugas e focas que, por sua vez, também ficam presos e atraem outros maiores ainda, como a baleia cachalote, em risco de extinção.
Estima-se que, somente no Brasil, a pesca fantasma afeta cerca de 69 mil animais marinhos por dia, que costumam ser baleias, tartarugas-marinhas, toninhas (espécie de golfinhos mais ameaçada do Atlântico Sul), tubarões, raias, garoupas, pinguins, caranguejos, lagostas e aves costeiras.
O cenário é catastrófico. Segundo o relatório da World Animal Protection, a pesca fantasma já afetou 45% dos mamíferos marinhos presentes na Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas. Recifes de corais superficiais, que são ecossistemas já em perigo, também sofrem degradação devido à pesca fantasma. De acordo com a organização, 10% do plástico presente no mar é oriundo da pesca fantasma.
Em 2019, a ONG Proteção Animal Mundial lançou a segunda edição do relatório Fantasma sob as Ondas. O estudo mostrou que a cada ano 800 mil toneladas de equipamentos ou fragmentos de equipamentos de pesca são descartados nos oceanos de todo o planeta.
O estudo também avalia a atuação das grandes empresas de pescado (inclusive marcas bem conhecidas que vendem sardinha e atum enlatado no Brasil) e as providências que tomam – ou não – para evitar a morte desnecessária de animais marinhos.
A versão internacional do relatório elencou 25 empresas de pescado em cinco níveis, onde o nível 1 representou a aplicação das melhores práticas e o nível 5 falta de engajamento com soluções. O resultado mostrou que nenhuma das 25 empresas atingiu o nível 1. Os resultados mostraram que elas não prevêem soluções para o problema em sua agenda de negócios e, quando prevêem, não as implementam.
De acordo com o gerente da Proteção Animal Mundial, é necessário que os governos percebam cada vez mais a pesca fantasma como um problema relevante e que demanda políticas públicas eficientes.