A contaminação por chumbo pode ocorrer naturalmente ou pela má gestão de resíduos, causando problemas ambientais e de saúde pública
O chumbo é um metal pesado pertencente ao grupo 14 da tabela periódica. Este é um material conhecido desde a Pré-História, sendo a peça mais antiga feita de chumbo datada de 3.800 anos a.C., exposta no Museu Britânico [1].
A importância do chumbo na história é inegável, e sua utilização foi adotada por grandes civilizações como os Fenícios e o Império Romano. Ele era usado para confecção de objetos, produtos de beleza e até para corrigir a acidez do vinho. Entretanto, é sabido atualmente que esse metal é um elemento tóxico e prejudicial à saúde.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 1 milhão de pessoas morrem anualmente de intoxicação pelo metal, e os efeitos neurológicos e comportamentais para quem sobrevive à intoxicação por chumbo podem ser irreversíveis [2].
A contaminação por chumbo é, portanto, um problema de saúde pública de grande relevância, e entender como ela ocorre é essencial para tomar as medidas necessárias à mitigação de seus efeitos negativos.
Quais são as principais fontes de contaminação por chumbo?
Indústria
As atividades de mineração e fundição de chumbo primário (do minério) e secundário (recuperação de sucatas ou baterias) constituem importantes fontes emissoras. Durante esses processos, o chumbo pode ser liberado no ar, na água e no solo [3].
Resíduos
O chumbo é frequentemente encontrado em resíduos eletrônicos, e sua disposição inadequada pode liberar o metal no meio ambiente, o contaminando. Estes resíduos são conhecidos como lixo eletrônico, e devem ser descartados em locais especializados em seu processamento, reciclagem e disposição final.
Além disso, outros produtos, como cosméticos, brinquedos e alguns materiais plásticos podem conter chumbo e liberar o metal no meio ambiente caso não sejam gerenciados no final de seu ciclo de vida [4].
Atividades naturais
O chumbo também pode ser liberado no meio ambiente por meio de atividades naturais, como a erosão de solos e rochas que contêm o metal. Além disso, as erupções vulcânicas podem liberar o chumbo contido no magma na atmosfera.
Quais são as principais fontes de intoxicação por chumbo?
Ambientes industriais
A exposição ambiental e ocupacional ao chumbo aumentou consideravelmente após os processos de industrialização e o aumento da mineração. Os trabalhadores dessas indústrias podem ser intoxicados pelo chumbo através da inalação ou ingestão do metal.
Produtos domésticos com chumbo
O chumbo pode ser encontrado em diversos produtos de uso doméstico, como cosméticos, solda, tintas à base de chumbo, acabamentos de madeira e acessórios de latão, pavios de velas, cerâmica, alimentos e especiarias, brinquedos e jóias, chumbo como estabilizador de vinil e polivinil, plásticos e fiação à base de cloreto [4]. A exposição a esses produtos pode levar à intoxicação por chumbo.
Uso de chumbo em combustíveis
Após o advento do automobilismo, no início do século XX, aumentou-se muito a exposição ao chumbo devido ao seu uso em combustíveis. O chumbo tetraetila era adicionado à gasolina para melhorar o desempenho do motor, mas isso resultou em grande exposição humana ao metal [5]. Atualmente, grande parte dos países não produzem mais gasolina à base de chumbo, mas ainda é possível detectar partículas do metal na atmosfera.
Quais são as vias de exposição ao chumbo?
Ingestão
A ingestão é uma das principais vias de exposição ao chumbo. Isso pode ocorrer por meio do consumo de água e alimentos contaminados [6]. Além disso, a ingestão de poeira contendo chumbo, especialmente em áreas urbanas ou industrializadas, também é uma fonte significativa de exposição. Em particular, crianças pequenas são mais propensas a ingerir poeira ou solo contaminado com chumbo durante as atividades normais de brincar, sobretudo ao levar as mãos contaminadas para a boca [7].
Inalação
A inalação de partículas de chumbo presentes no ar é outra via importante de exposição. Tal situação pode acontecer em ambientes industriais, onde o chumbo é usado ou produzido, ou em áreas urbanas, onde ele pode ser liberado no ar a partir de fontes como gasolina e tintas com chumbo. As partículas de chumbo são inaladas como material particulado e vão se depositando nos pulmões e ossos.
Estudos também apontam a presença de chumbo no tabaco e na fumaça liberada pela queima de cigarro. Sendo assim, tanto fumantes ativos quanto passivos estão expostos ao metal e podem sofrer os impactos da intoxicação por chumbo [8].
Absorção cutânea
Embora a absorção cutânea de chumbo seja geralmente baixa, ela pode ocorrer quando a pele entra em contato direto com produtos que contêm o metal. Por exemplo, alguns cosméticos, como sombra para olhos ou loção corporal, podem conter chumbo [9].
É importante notar que a exposição ao chumbo pode ocorrer por mais de uma via ao mesmo tempo, e os efeitos disso podem ser cumulativos.
Quais são os impactos ambientais da contaminação por chumbo?
A contaminação por chumbo gera impactos negativos no meio ambiente. Quando materiais contendo o metal, como baterias, são descartados de maneira inadequada, este elemento pode se infiltrar no solo e na água, causando danos à fauna e à flora locais.
Segundo estudos, a intoxicação por chumbo em aves silvestres pode causar alterações fisiológicas e comportamentais, como anemia, incoordenação, convulsões e paralisia, além de redução da diversidade de espécies e da contaminação da cadeia alimentar. Este último impacto faz com que o metal se espalhe para outros organismos e ambientes, causando ainda mais efeitos negativos.
Outra pesquisa revela que o chumbo afeta o sistema nervoso, o sangue, os rins e outros processos vitais de animais intoxicados. Além disso, algumas plantas absorvem o chumbo, mas essa capacidade pode ser aproveitada como um processo de biorremediação, pelo qual o metal é removido do solo e gerenciado de forma sustentável.
Quais são os efeitos da intoxicação por chumbo?
A exposição a meios contaminados por compostos de chumbo pode infectar humanos e gerar efeitos agudos ou crônicos, sendo particularmente prejudicial para crianças e mulheres em idade fértil [7, 10].
Efeitos agudos
Níveis elevados de chumbo no sangue podem resultar em uma série de sintomas e condições de saúde adversas. Os sintomas da intoxicação por chumbo são relativamente proporcionais às concentrações do metal, mas não existem níveis seguros. Os efeitos agudos da intoxicação podem incluir:
- Alterações na produção da hemoglobina e desenvolvimento de anemia;
- Desregulação hormonal;
- Fadiga, dor muscular e nas articulações;
- Perturbações gastrointestinais (náuseas, vômitos e cólicas abdominais);
- Abortos espontâneos.
Efeitos crônicos
A exposição crônica ao chumbo, ou seja, a longo prazo e contínua, pode levar a efeitos de saúde mais graves e duradouros. Estes podem incluir:
- Danos irreparáveis ao cérebro;
- Hipertensão, doença cardíaca isquêmica e AVC;
- Danos aos rins;
- Problemas de memória e concentração;
- Redução da fertilidade masculina;
- Câncer.
Grupos de risco
Crianças
As crianças são particularmente vulneráveis aos efeitos neurotóxicos do chumbo. Mesmo a exposição a baixas concentrações pode resultar em danos neurológicos irreversíveis [11]. O Escritório de Pesquisa do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef- Innocenti) publicou um relatório em 2022 indicando que mais de 20 milhões de crianças em 39 países estavam com níveis elevados de chumbo no sangue [12].
Esse é um número preocupante, uma vez que o chumbo é uma neurotoxina poderosa que pode causar danos irreparáveis ao cérebro das crianças, especialmente as menores de cinco anos. Isso porque o metal danifica seus cérebros antes que tenham a oportunidade de se desenvolver plenamente, causando problemas neurológicos, cognitivos e físicos para toda a vida.
Gestantes
Durante a gravidez, o chumbo passa da mãe para o bebê por meio do cordão umbilical. O chumbo é prejudicial ao desenvolvimento do cérebro e pode causar problemas permanentes, como diminuição da função cerebral, renal e do sistema nervoso central, redução da capacidade de atenção e coordenação, dificuldades de leitura/aprendizagem e QI mais baixo, aumento do comportamento antissocial e agressivo, diminuição do crescimento muscular e ósseo, nascimento prematuro ou perda do feto em níveis extremamente altos [13].
Trabalhadores de indústrias relacionadas ao chumbo
Trabalhadores envolvidos em diversas atividades envolvendo chumbo estão em risco de exposição ao metal. Dentre estas atividades estão a extração, concentração e refino de minérios contendo chumbo; fundição de chumbo; produção, reforma e reciclagem de acumuladores elétricos; fabricação e têmpera de aço de chumbo; fundição de latão e bronze; reparo de radiadores de carro; manuseio de sucatas de chumbo, dentre outras.
Como evitar a contaminação por chumbo?
A contaminação por chumbo pode ocorrer quando o metal é liberado no meio ambiente ou utilizado na confecção de produtos que possam gerar exposição humana. Para evitá-la, é necessário um esforço conjunto entre poder público, indivíduos e indústrias.
Mecanismos legais que regulam a contaminação por chumbo
A Resolução Conama 357, do Conselho Nacional do Meio Ambiente, é uma norma que estabelece padrões de qualidade para corpos d’água no Brasil, regulando parâmetros como pH, oxigênio dissolvido e poluentes. Segundo ela, o limite estabelecido de chumbo em águas doces destinadas ao consumo humano é de 0,01 a 0,21 mg/L (miligramas por litro), dependendo do tipo de tratamento pelo qual essa água irá ser submetida. Para águas salinas ou salobras, esse limite vai de 0,01 a 0,5 mg/L.
Outra norma é a Resolução Conama 420, que regula o gerenciamento de áreas contaminadas por substâncias químicas oriundas de atividades antrópicas. Quando se trata de detectar chumbo em áreas agrícolas, residenciais e industriais, é necessário investigar se as concentrações atingem 180, 300 e 900 miligramas (mg) de chumbo por quilograma (kg) de solo seco, respectivamente. Para águas subterrâneas, a concentração máxima é de 10 mg/kg.
Adicionalmente, a Resolução Conama 401 determina os limites de chumbo, e outros elementos químicos, na confecção de pilhas e baterias. Este não deve ultrapassar 0,1% do peso do produto, sendo o fabricante passível de recolhimento de todos os lotes em desacordo caso haja o descumprimento da norma.
Outro mecanismo legal é a Lei Nº 11.762 de 2008, que proíbe a fabricação, comercialização, distribuição e importação de tintas imobiliárias e de uso infantil e escolar, vernizes e materiais similares de revestimento de superfícies que contenham concentração igual ou superior a 0,06% de chumbo metálico, em peso.
No entanto, apesar da existência de legislação, ela ainda é considerada insuficiente, permitindo que o setor produtivo atue dentro dos “limites”, aumentando os teores de chumbo no solo e água, contaminando o meio ambiente e agravando o potencial de contaminação.
Como os consumidores podem reduzir a exposição ao chumbo?
- Conscientização: Entender os riscos associados à exposição ao chumbo e como ele pode entrar no corpo humano é o primeiro passo.
- Produtos de consumo: Verifique se os produtos comprados, especialmente aqueles destinados a crianças, como brinquedos e materiais escolares, estão livres de chumbo. Procure selos de certificação de segurança.
- Casa segura: Se você mora em uma casa antiga, pode haver riscos de exposição ao chumbo na pintura ou no solo. Considere fazer um teste de chumbo e, se necessário, contratar profissionais para remover o metal com segurança.
- Dieta saudável e Sol: O chumbo pode se instalar tanto nos ossos quanto permanecer ativo na corrente sanguínea, atravessando as membranas celulares e causando efeitos tóxicos. Entretanto, estudos sugerem que os níveis de chumbo no sangue podem ser reduzidos ao adotar uma dieta rica em cálcio, ferro e vitamina C. Além disso, a falta de vitamina D está associada à acumulação de chumbo nos ossos. Portanto, a exposição ao Sol, com moderação e proteção solar na pele, contribui para evitar a contaminação por chumbo [14].
- Descarte correto: A Resolução Conama 401 afirma que não é permitido o descarte de pilhas e baterias em aterros sanitários ou diretamente no meio ambiente, como em corpos d’água, terrenos abandonados ou no esgoto, uma vez que o chumbo e outros metais pesados podem contaminar recursos naturais. Neste sentido, é essencial a destinação adequada a locais especializados no tratamento destes materiais.
Para saber onde descartar resíduos perigosos, como pilhas e baterias contendo chumbo, ou de outros tipos, consulte o buscador gratuito do Portal eCycle.
Como as indústrias podem contribuir para a redução da contaminação por chumbo?
Proteção do trabalhador
As indústrias devem implementar medidas rigorosas de segurança para proteger os trabalhadores da exposição ocupacional ao chumbo. Isso pode incluir o uso de equipamentos de proteção individual (EPI), como máscaras, luvas e aventais resistentes a substâncias químicas. Além disso, é crucial a realização de exames médicos regulares para monitorar qualquer possível intoxicação por chumbo.
As indústrias também devem garantir que os trabalhadores não levem chumbo para casa em suas roupas ou corpos, fornecendo instalações adequadas para a troca e lavagem de roupas de trabalho.
Gestão de resíduos
A gestão adequada dos resíduos de chumbo é fundamental para evitar a contaminação do solo e da água. A adoção de práticas de descarte responsável é papel fundamental das indústrias, que podem incluir a reciclagem de resíduos contendo o metal, a utilização de aterros sanitários seguros e a contratação de empresas especializadas em gestão de resíduos perigosos.
Além disso, as indústrias podem investir em tecnologias de tratamento de resíduos para reduzir a quantidade de chumbo nos resíduos antes do descarte.
Transparência
A comunicação aberta sobre as práticas de gestão de chumbo contribui para a construção da confiança com os reguladores e a comunidade. As indústrias devem divulgar regularmente informações sobre suas medidas de segurança do trabalhador, práticas de gestão de resíduos perigosos, como o chumbo, e quaisquer incidentes de contaminação.
Além disso, as indústrias devem estar dispostas a cooperar com o poder público e a comunidade para melhorar continuamente a segurança e a sustentabilidade. Isso pode incluir a participação em auditorias ambientais, a implementação de recomendações de melhoria e a participação em iniciativas comunitárias.