COP27, financiamento e cidades brasileiras: o que falta para partir dos compromissos à ação?

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Por Henrique Evers, Priscilla Negreiros, Bruna Araújo, Magdala Satt Arioli e Lara Horn, para a WRI Brasil | A COP27 mal havia terminado no Egito e, no Brasil, voltávamos a testemunhar a força do clima. Chuvas extremas atingiram várias regiões do país, com consequências graves em cidades e rodovias.

Esta é uma realidade comum a muitos outros países em desenvolvimento, e segundo o IPCC, tem se tornado mais frequente. À medida que a mudança climática intensifica seus impactos sobre os centros urbanos, a combinação de degradação ambiental, ocupação irregular de encostas e habitações precárias potencializa os danos. No mundo todo, 70% das cidades já experimentam os impactos da mudança climática em suas populações e infraestruturas. Também é de 70% a contribuição das cidades para as emissões de carbono. É preciso transformar as cidades em ambientes mais resilientes, adaptados e de baixo carbono – e garantir as condições para que essa mudança ocorra.

Por isso, esperava-se que a COP27 avançasse discussões importantes sobre um dos principais gargalos para essa transição urbana: o financiamento para a ação climática nas cidades. O quanto se avançou, de fato? De que modo as discussões contribuem para destravar o fluxo do financiamento climático urbano em países em desenvolvimento como o Brasil?

Com base em discussões durante recente encontro da Rede de Financiamento para Infraestrutura Sustentável em Cidades (Rede FISC), elencamos a seguir cinco desdobramentos da COP27 para o financiamento climático em cidades brasileiras.

Foco na (lacuna de financiamento para) adaptação

A adaptação foi uma das principais agendas na COP27. Novas promessas, totalizando mais de US$ 230 milhões, foram feitas ao Fundo de Adaptação. O valor é baixo – estima-se que sejam necessárias mil vezes isso todos os anos até 2030. Além disso, o texto final da COP27 não dá garantias de que o financiamento aumentará no ritmo necessário.

Globalmente, embora o fluxo de financiamento climático venha crescendo, ainda está aquém do necessário para manter o aumento da temperatura em até 1,5º C. Nas cidades, somente 9% desses recursos vão para adaptação – ou seja, é necessário aumento substancial em todas as frentes.

Devido ao aumento de intensidade de eventos climáticos extremos, há expectativa de que temas como adaptação e justiça climática se fortaleçam nas próximas COPs – e de que isso se reflita em garantias sólidas de que o financiamento aumentará na mesma proporção.

Incertezas sobre apoio de países desenvolvidos

O financiamento oferecido por países desenvolvidos ainda está muito aquém do prometido e do necessário. O texto final da COP27 considera preocupante o não atingimento da meta de 2009 de movimentar US$ 100 bilhões por ano para financiar a ação climática em nações em desenvolvimento. As deliberações sobre a definição de uma nova meta para o financiamento climático em 2024 não tiveram avanço concreto.

Um avanço foi bastante celebrado: a criação do fundo de perdas e danos, que deve beneficiar cidades, já que elas sofrerão boa parte desses impactos. Contudo, a grande questão em torno dessas promessas financeiras por países desenvolvidos é como fazer esses recursos chegarem aos municípios, e transformar esses compromissos bilionários em ações concretas. A capacidade dos governos subnacionais em captar e executar esses recursos é um gargalo importante, especialmente em países como o Brasil.

Destravando o acesso aos recursos à luz da COP27

Muitos prefeitos relataram na COP27 que não está claro como a transição climática deve ser financiada – e como cidades podem acessar recursos.

Via de regra, cidades não dispõem de liquidez para financiar infraestrutura urbana e precisam buscar recursos fora. Um estudo da Coalition for Urban Transitions com apoio do WRI Brasil mostrou que mais de metade do potencial de redução das emissões urbanas no Brasil está nas cidades com menos de 1 milhão de habitantes atualmente – justamente aquelas com maior dificuldade em acessar recursos de fontes globais. Os processos das instituições financeiras de desenvolvimento (IFDs) costumam ser longos, com custos de transação elevados e garantias difíceis de fornecer. Este é um tema recorrente na Rede FISC, e foi abordado em estudo do Felicity com o WRI Brasil, com recomendações para destravar o financiamento climático em cidades brasileiras.

O texto final da COP27 ecoa essas recomendações ao clamar por uma reforma das práticas e prioridades dos bancos multilaterais de desenvolvimento e outras IFDs para escalar o financiamento, mobilizar fontes diversas e simplificar o acesso. Visando o aumento substancial do financiamento climático, o documento encoraja a definição de um novo modelo operacional, com subsídios, garantias e instrumentos de não endividamento.

Do lado das cidades, estratégias que podem facilitar o acesso aos recursos incluem a formação de consórcios de municípios, que aumentam o volume da transação e abrem mais possibilidades de viabilizar recursos. É o caso de Monterrey, no México, que criou um esquema de colaboração com cidades da região metropolitana para garantir recursos e apoio do governo nacional para os projetos de infraestrutura verde. No Brasil, os exemplos são poucos – embora a ideia seja recorrente, encontra-se pouca viabilidade, seja por motivos políticos, barreiras legais ou outros entraves.

Instrumentos de financiamento inovadores

Outra solicitação do texto final da COP27 aos bancos multilaterais de desenvolvimento é de que usem os instrumentos já disponíveis para contribuir para o aumento da ambição climática e a mobilização de capital privado. E que maximizem a eficiência financeira, o uso de financiamento com condições favoráveis e de instrumentos de capital de risco existentes para impulsionar a inovação e acelerar o impacto.

Uma estratégia bastante comentada em Sharm el-Sheikh, e que poderia alavancar maior contribuição do setor privado, é o blended finance (“financiamento misto”). Trata-se da combinação de recursos de fontes diversas (públicos, privados, de bancos multilaterais de desenvolvimento e/ou de filantropia), geralmente disponibilizados como capital concessional (com condições favoráveis ou a fundo perdido), a fim de reduzir riscos e atrair o capital remunerado tradicional.

No Brasil, um exemplo recente de blended finance foi a  liberação de R$ 90 milhões pelo BNDES para projetos de bioeconomia florestal, desenvolvimento urbano e economia circularPara cada R$ 1 recebido do banco na forma de capital não reembolsável, os proponentes de projeto se comprometem a levantar mais R$ 3 junto a investidores.

Capacitação e apoio local para projetos bancáveis

Uma das principais barreiras para o acesso de governos locais a financiamento, bastante comentada na COP27, é a capacidade de desenvolver projetos bancáveis. A capacitação é um fator-chave para que cidades entendam os benefícios dos projetos climáticos e consigam estruturar projetos bancáveis.

O WRI Brasil tem atuado para capacitar cidades a estruturarem projetos urbanos bancáveis por meio do Acelerador de Soluções Baseadas na Natureza em Cidades. Além de ampliar as possibilidades de implementação de 10 projetos urbanos de soluções baseadas na natureza, o Acelerador poderá contribuir para a multiplicação de casos de sucesso e, consequentemente, para ampliar o entendimento dos riscos e dos benefícios dessas soluções em contextos brasileiros.

IFDs e outras organizações ligadas ao financiamento climático podem ser facilitadoras desse processo. Hoje há várias iniciativas que apoiam a preparação de projetos (no inglês, project preparation facilities, ou PPFs), como o City Climate Finance Gap Fund, do Banco Mundial e do Banco Europeu de Investimento (EIB), em parceria com a GIZ. Para potencializar o resultado desse tipo de apoio e ajudar a escalar o pipeline de projetos bancáveis, é importante que as PPFs atuem de forma integrada, compartilhando informações entre si e com as instituições financeiras que podem financiar esses projetos. O Cities Climate Finance Leadership Alliance (CCFLA) criou um diretório para ajudar cidades a identificarem potenciais PPFs parceiras – um apoio importante, pois permite às cidades encontrar e acessar iniciativas que atuem na sua região.

Além de melhorar a estruturação dos projetos, é preciso aperfeiçoar os mecanismos de monitoramento de projetos climáticos, como métricas e dados. Por exemplo, apoiando e engajando iniciativas que tentam medir os riscos climáticos em instituições financeiras e governos locais e subnacionais. O Brasil tem avançado nesse tema com a exigência do Banco Central de que as instituições financeiras incorporem os riscos climáticos em suas atividades de financiamento. Será preciso capacitar as cidades para que façam o mesmo.

É preciso mais espaço para as cidades

No Encontro Ministerial, foi lançada a iniciativa SURGe, que busca fortalecer a agenda de cidades resilientes e estimular ações para superar barreiras de governança multinível, financiamento, capacidade local, acesso a tecnologia e inovação, e equidade. Liderada pela presidência da COP27 e pela ONU-Habitat com facilitação do ICLEI, a SURGe conta com mais de 70 organizações, incluindo o WRI.

Considerando a importância das cidades para a agenda climática, o espaço para temas urbanos em fóruns climáticos e financeiros ainda é pequeno. A COP27 representou um avanço ao reunir 40 delegações nacionais e 50 prefeitos de todo o mundo, além de redes de cidades e outras organizações, no primeiro Encontro Ministerial sobre Urbanização e Mudança Climática na história das Conferências do Clima da ONU. A expectativa é que o Fórum Ministerial seja um espaço permanente nas próximas conferências.

Porém, ainda é preciso ampliar o espaço para a agenda urbana e para governos e outros atores subnacionais no debate climático. Cidades brasileiras têm elaborado planos e políticas climáticas e encontrado formas de implementar soluções concretas de adaptação e resiliência. Mas só avançarão no ritmo necessário se dispuserem de apoio, produtos financeiros acessíveis, interlocução e articulação nos fóruns climáticos e o devido reconhecimento.

Bruna Araújo é gerente de Sustentabilidade e Economia na Associação Brasileira de Desenvolvimento (ABDE)

Priscilla Negreiros é gerente do Cities Climate Finance Leadership Alliance (CCFLA) no Climate Policy Initiative (CPI)

Este texto foi originalmente publicado por WRI Brasil de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.

Thaís Niero

Bióloga marinha formada pela Unesp e graduanda de gestão ambiental. Tentando consumir menos e melhor e agir para alcançar as mudanças que desejo ver na sociedade.

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