Corrupção e gênero: uma agenda urgente para as mulheres brasileiras

Compartilhar
Se preferir, vá direto ao ponto Esconder

Por Gabriella da Costa em Transparência Internacional | Todos os anos uma mesma imagem se repete no período de matrículas e no início das aulas. Ligamos a televisão e ouvimos o seguinte relato: “Não posso trabalhar, pois não tem vaga em creche para deixar meus filhos”. Pare por um minuto e busque construir na sua mente a figura de quem vocaliza essa frase. Com toda a certeza é uma mulher, e chances grandes de que seja negra e periférica. Os dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) corroboram que 73% das pessoas pobres no Brasil são negras. Na extrema pobreza o percentual de pessoas negras sobe para 77%, dos quais 40% são mulheres negras.

Ilustração: @bebocafemais 

Dados oficiais mostram, também, que atualmente há 9,6 mil projetos de escolas parados ou cancelados no Brasil. O total investido que não foi transformado em escolas supera R$ 1,2 bilhões. Na grande maioria dos casos, os recursos foram repassados, mas as obras nem sequer começaram. Pessoas responsáveis por gerir e repassar esse dinheiro estão entre os que foram pegos em esquemas recentes de corrupção no Ministério da Educação. Durante a gestão do ministro Milton Ribeiro, no governo Bolsonaro, cidades de pastores evangélicos eram privilegiadas no repasse de recursos e foram descobertos indícios de tráfico de influência, lavagem de dinheiro, favorecimento ilícito, improbidade administrativa, corrupção passiva e ativa.  

Cabe a nós ao menos questionar: O impacto da corrupção no Brasil tem gênero? 

As pesquisas e os dados sobre o assunto ainda são incipientes e não trazem conclusões claras sobre o impacto da corrupção no contexto feminino. Em nível global, está se construindo uma agenda em torno da temática e que discute o impacto da corrupção para as mulheres, a corrupção sexual e a importância da formação das mulheres na temática anticorrupção.  

No relato sobre a creche que trazemos no início do texto, está evidenciado um dos pontos principais dessa discussão: na sociedade patriarcal, o ato de cuidar da saúde, da educação, do lazer e da habitação, em todos os seus aspectos, desde a moradia até a manutenção do lar, recai sobre as mulheres. No relatório “Economia do Cuidado”, a Think Olga -organização que atua com inovação social para sensibilizar sobre questões de gênero- apresenta a realidade do impacto do cuidado na vida das mulheres. De acordo com dados do IBGE, apresentados no estudo, se fossemos estimar o valor financeiro do trabalho do cuidado, ele representaria 11% do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro, valor maior do que qualquer outra indústria produz.  

Devido ao seu papel de cuidado, as mulheres acabam sendo mais impactadas e mais expostas à corrupção.  O Barômetro da América Latina aponta que por usarem mais os serviços de saúde e educação, elas também estão mais sujeitas à suborno e extorsão na busca de seus direitos. Muitas vezes, essa extorsão se dá para além do suborno financeiro: as mulheres também sofrem exploração do corpo, sexualmente ou não.  

A corrupção sexual é, justamente, outro ponto sensível da discussão. O Barômetro da América Latina aponta que, nos países analisados, uma em cada cinco pessoas sofreu ou conhece alguém que sofreu corrupção sexual ao tentar acessar um serviço governamental como assistência médica ou educação. No Brasil, estima-se que 20% das brasileiras e dos brasileiros já sofreram corrupção sexual. A questão da corrupção sexual evidencia a necessidade de construção de ferramentas que possibilitem canais e tratamento de denúncias sensíveis ao gênero que levem em consideração o cenário de extorsão sexual e o incentivo às mulheres a denunciarem casos de corrupção no geral, pois os dados do Barômetro o apontam que as mulheres são menos propensas a denunciar e a maioria das pessoas pensam que as queixas feitas por homens têm mais probabilidade de resultar em ação do que as feitas por mulheres. 

Para minimizar esses efeitos, é preciso construir ferramentas que possibilitem uma maior inserção das mulheres na temática anticorrupção em nível global, nacional e local. Nesse sentido, em 2018, a Cúpula das Américas firmou compromisso de promover a equidade e igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres como um objetivo transversal de políticas anticorrupção.  O Programa das Nações Unidas também desenvolveu um estudo sobre as Perspectivas das Mulheres de Base sobre Corrupção e Anticorrupção. 

A Transparência Internacional também tem atuado sobre o assunto.  Na Guatemala, o programa Ação Cidadã treina líderes mulheres para agir contra a corrupção, realizar auditorias sociais e promover a participação cidadã. Já no Peru, o Proética, realiza pesquisas sobre gênero e corrupção. No México e na Argentina, também são realizados estudos para avaliar como as mulheres estão contribuindo para os esforços anticorrupção.  

Essas iniciativas podem servir de inspiração para construção da agenda sobre gênero e corrupção no Brasil. Abaixo listamos cinco caminhos que podemos percorrer juntas: 

  1. Construir uma rede transetorial entre governo, sociedade civil, imprensa, academia e empresas para discussões sobre gênero e corrupção com o objetivo de coletar dados, informações e formular políticas públicas; 
  2. Incentivar o aumento da presença feminina em espaços institucionalizados de compliance, integridade, auditoria e controle no setor privado, público, Judiciário e em sistemas de controle; 
  3. Capacitar meninas e mulheres no controle social, no combate à corrupção e na promoção da cidadania, com recorte para as realidades raciais, étnicas, locais, sociais e econômicas;  
  4. Incentivar a criação de canais de denúncias sensíveis às questões de gênero nos serviços públicos;  
  5. Aumentar a presença das mulheres no mercado de trabalho e em espaços de poder e decisão, como a política. 

Precisamos imediatamente analisar o impacto direto da corrupção nas desigualdades no Brasil, que são mais cruéis com as mulheres e, principalmente, as mulheres negras. Para alcançarmos um Brasil do futuro, com integridade, transparência e pluralidade, precisamos combater os desvios de recursos públicos e garantir escolas. Para que as mulheres possam trabalhar e para que as crianças tenham garantido seu direito de acesso à educação. 

Para saber mais sobre o assunto:  

Leia o ensaio “Qual a relação entre desigualdade de gênero e corrupção” 

Conheça o repositório de gênero da Aliança pela Integridade 

Escute “O que é economia do cuidado?” no Spotify 


Este texto foi originalmente publicado pela Transparência Internacional – Brasil de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.

Carolina Hisatomi

Graduanda em Gestão Ambiental pela Universidade de São Paulo e protetora de abelhas nas horas vagas.

Utilizamos cookies para oferecer uma melhor experiência de navegação. Ao navegar pelo site você concorda com o uso dos mesmos.

Saiba mais