Por Jornal da USP | Já se sabe que o uso de azeite de oliva extravirgem no preparo de alimentos, dentro de uma dieta balanceada, traz benefícios à saúde. O seu consumo, comum em países mediterrâneos como a Espanha, a Grécia e a Turquia, tem um papel importante na prevenção de doenças cardiovasculares. No entanto, o que poucos sabem é que, além de ser rico em gorduras monoinsaturadas, compostos bioativos, vitaminas, entre outros, o azeite extravirgem é capaz de diminuir a perda de nutrientes dos alimentos durante o cozimento. É isso o que mostra uma revisão de mais de 90 trabalhos científicos feita pelo pesquisador José Fernando Rinaldi de Alvarenga, pós-doutorando do Centro de Pesquisas em Alimentos (Food Research Center – FoRC) da USP, em parceria com colegas da Universidade de Barcelona, na Espanha.
Publicado na revista Trends in Food Science & Technology, o estudo mostra em detalhes como isso ocorre. “Antes de qualquer explicação é importante rechaçar de vez que cozinhar com esse óleo não é saudável”, afirma Alvarenga. Antigamente, segundo ele, acreditava-se que no azeite extravirgem os ácidos graxosoxidariam em temperaturas mais altas. “Imaginava-se isso por causa do ponto de fumaça do azeite, que é quando os óleos começam a queimar [soltar fumaça] e a oxidar. Embora seu ponto de fumaça ocorra em temperaturas mais baixas do que os demais óleos, hoje sabemos que a fumaça não é proveniente desses ácidos graxos, mas sim de componentes minoritários do azeite. Ou seja, ele ‘suporta’ temperaturas mais elevadas assim como outros óleos.”
E a questão da preservação dos nutrientes? No azeite extravirgem, há o predomínio de gorduras monoinsaturadas que, entre outros benefícios, têm potencial antioxidante. “Por causa dessa ação, a degradação do azeite é mais lenta em comparação com os demais óleos. E isso protege tanto os nutrientes do próprio azeite como os dos alimentos”, explica Alvarenga.
Um exemplo são os compostos bioativosdos alimentos, que têm várias propriedades benéficas à saúde. “O azeite extravirgem ajuda a evitar que os fitoquímicos sejam oxidados. Isso deixa os alimentos cozidos mais saudáveis, uma vez que preserva componentes importantes, que poderiam desaparecer”. “Quando comparamos um refogado de tomate com e sem azeite, por exemplo, a quantidade de licopeno pode ser reduzida sem a presença de azeite no processo de cocção. Entretanto, ao usar o azeite extravirgem, conseguimos preservar esse composto que está associado à prevenção do câncer de próstata.”
O estudo mostra, no entanto, que a degradação dos compostos bioativos varia de acordo com o método de cocção utilizado. Foram analisadas diversas pesquisas sobre a perda de nutrientes com alimentos preparados no forno, na frigideira de forma salteada, frito ou refogado (utilizando uma técnica espanhola chamada de guisado, que se assemelha ao preparo de uma moqueca ou carne de panela). “Vimos que a técnica que promove a maior degradação é a de preparo em forno, por envolver temperaturas muito altas e um tempo de cocção muito longo. Já o salteado é a técnica em que se cozinha rapidamente os alimentos em fogo alto, com pouca gordura e em movimentos constantes, criando uma casquinha por fora e mantendo a maciez por dentro.”
Os níveis de degradação também variam conforme o composto bioativo. No caso de compostos apolares (insolúveis em água), como carotenoides e vitaminas lipossolúveis, ferver e cozinhar a vapor são as técnicas que melhor preservam esses compostos. Por outro lado, há uma perda considerável deles quando preparados no micro-ondas e fritos. “Técnicas que utilizam o óleo para cozinhar, como o refogado e molhos, são ainda mais interessantes porque extraem melhor os carotenoides dos alimentos e aumentam sua biodisponibilidade. Já para compostos polares (solúveis em água), como os fenólicos, a cocção a vapor parece ser a mais indicada, uma vez que assar, ferver e preparar no micro-ondas diminuem sua presença nos alimentos. No cozimento, poderia haver uma perda, ainda que pequena, desses compostos, que se oxidam e são perdidos na água com a fervura”, explica.
Segundo ele, é importante destacar que não há um método contraindicado. “Mas, de maneira geral, se o intuito é aproveitar ao máximo os nutrientes dos alimentos vegetais e do azeite, é preferível utilizar técnicas com menor tempo de cocção e temperaturas mais amenas.”
O estudo também mostra como o azeite e os alimentos tornam-se mais saudáveis após interagirem. Porque, com o cozimento, parte dos compostos é transferida entre eles. “Observamos que, a depender da técnica de cozimento utilizada, o azeite consegue penetrar no alimento e extrair compostos para si. E por estar no azeite, nosso corpo consegue absorver de uma forma mais fácil, por conta de suas características físico-químicas. Assim como os compostos fenólicos presentes no azeite, por exemplo, podem migrar para o alimento, evitando que esses compostos sejam desperdiçados no cozimento. Tudo isso é muito relevante já que apenas uma pequena parte dos compostos fenólicos que estão presentes nos alimentos é absorvida no corpo após a cocção e a digestão.”
A transferência de compostos ajuda também a aumentar o potencial antioxidante do azeite. “Com a troca, o azeite ganha compostos antioxidantes como carotenoides e fenólicos de vegetais, por exemplo, e isso evita que esses compostos bioativos sejam degradados se permanecessem no alimento.” Assim como a interação pode conferir novos atributos, ainda não detalhados na ciência. “Em estudos anteriores vimos, inclusive, que é possível que novos compostos sejam formados durante o cozimento, como o 3,4-di-hidroxifenilglicona, que aumenta com o aquecimento do azeite, e tem efeito anti-inflamatório.”
As características antioxidantes também são o motivo pelo qual cozinhar com azeite extravirgem impede mudanças sensoriais drásticas nos alimentos, aponta o pesquisador. “Nos óleos convencionais, podem surgir sabores desagradáveis, como um gosto de óleo conhecido na gastronomia por ranço.”
Para Alvarenga, o azeite de oliva, em sua forma extravirgem, traz benefícios porque não passa pelos mesmos processos de industrialização que os óleos mais populares no Brasil, como os óleos de girassol, soja e milho. “A dieta mediterrânea é considerada uma das mais saudáveis do mundo, muito por conta do azeite de oliva. Uma das razões por trás disso é que a maioria dos azeites é retirada diretamente das olivas. Ou seja, eles não passam por um processo de refinação”, explica. “O processamento do azeite extravirgem não envolve aquecimento, somente processos físicos, como prensagem a frio, centrifugação e filtração, que preservam esses compostos.”
Existem azeites produzidos à base de diversas olivas, sendo a arbequina, a picual e a hojiblanca algumas das mais comuns. No entanto, o estudo observou que isso tem pouco impacto após a cocção, assim como na quantidade de compostos bioativos do produto final. “O que deve ser levado em conta não é o tipo de oliva, mas suas condições de cultivo. Ou seja, clima, temperatura e quantidade de chuvas. Além das condições de extração, processamento e armazenamento.”
Da assessoria de comunicação do Food Research Center – FoRC
Este texto foi originalmente publicado pelo Jornal da USP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.
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