A primeira avaliação global do Estado de Direito Ambiental, divulgada nessa quinta-feira (24) pela ONU Meio Ambiente, mostra que embora o número de leis e agências ambientais tenha aumentado de forma exponencial em todo o mundo nas últimas quatro décadas, a fraca aplicação das leis é uma tendência que está agravando os problemas ambientais.
O novo relatório da ONU Meio Ambiente aponta que apesar de um aumento de 38 vezes da legislação ambiental em vigor desde 1972, a incapacidade de implementar e de fazer cumprir essas leis é um dos maiores desafios para mitigar a mudança do clima, reduzir a poluição e evitar a perda generalizada de espécies e habitats, revelou o relatório da ONU Meio Ambiente.
O relatório está sendo publicado em um momento crucial, quando especialistas em clima e lideranças políticas e econômicas buscam enfrentar as devastadoras conclusões publicadas em outubro de 2018 pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, órgão das Nações Unidas, que instou ações urgentes para transformar a economia global a uma velocidade e escala “sem precedentes históricos”.
Para o relator especial da ONU sobre Direitos Humanos e Meio Ambiente, David Boyd, este novo e convincente relatório soluciona o mistério de entender por que problemas como a poluição, diminuição da biodiversidade e mudança do clima persistem apesar da proliferação de leis ambientais nas últimas décadas. “A menos que o Estado de Direito Ambiental seja fortalecido, leis aparentemente rigorosas estão fadadas a falhar e o direito humano fundamental a um meio ambiente saudável não será usufruído.”
Embora a ajuda internacional tenha, de fato, auxiliado dezenas de países a assinar mais de 1,1 mil acordos ambientais desde 1972 e a elaborar muitos dispositivos legais na área ambiental, nem a ajuda nem os orçamentos nacionais levaram ao estabelecimento de agências e órgãos ambientais capazes de aplicar as leis e regulamentos de forma eficaz. Os autores identificam múltiplos fatores para a baixa implementação do Estado de Direito Ambiental, tais como a falta de coordenação entre as agências governamentais, a fraca capacidade institucional, a falta de acesso à informação, a corrupção e o sufocamento do engajamento civil.
“Temos um conjunto de leis, regulamentos e agências para governar nosso meio ambiente de forma sustentável”, declarou Joyce Msuya, diretora-executiva interina da ONU Meio Ambiente. “Agora é essencial que haja vontade política para assegurar que nossas leis trabalhem pelo planeta. Essa primeira avaliação global sobre o Estado de Direito Ambiental ressalta o trabalho daqueles que ficaram do lado certo da história — e de quantas nações se tornaram mais fortalecidas e seguras”, complementou.
O relatório apresenta várias conquistas do direito ambiental desde 1972, inclusive a adoção do direito constitucional a um meio ambiente saudável por 88 países, sendo que outras 65 nações incorporaram a proteção ambiental em suas constituições. Além disso, mais de 350 cortes ambientais foram criadas em mais de 50 países e mais de 60 países contam com dispositivos legais sobre o direito dos cidadãos à informação ambiental.
De acordo com Carl Bruch, diretor de Programas Internacionais do Instituto de Direito Ambiental (Environmental Law Institute), “a comunidade internacional pode fazer mais. Com frequência, o apoio de doadores se concentra em áreas específicas, o que resulta em programas sólidos em algumas áreas ambientais e outras com nenhum financiamento ou atenção. Essa abordagem fragmentada pode minar o Estado de Direito Ambiental ao não fornecer consistência na implementação e aplicação das leis e ao enviar mensagens conflitantes à comunidade regulamentada e ao público. Muitas dessas leis ainda têm que se enraizar na sociedade e, na maioria dos casos, a cultura de conformidade ambiental é fraca ou inexistente.”
O relatório dedica atenção especial a uma tendência particularmente preocupante: a crescente resistência às leis ambientais, que tem sido mais evidenciada nos casos de assédio, ameaças, prisões arbitrárias e assassinatos de defensores ambientais. Entre 2002 e 2013, 908 pessoas — incluindo agentes florestais, inspetores governamentais e ativistas locais — foram mortos em 35 países e, só em 2017, 197 defensores ambientais foram assassinados.
“A criminalização e os crescentes ataques aos defensores ambientais constituem claras violações ao Estado de Direito Ambiental e uma afronta aos direitos, papéis e contribuições dos povos indígenas e da sociedade civil na proteção do meio ambiente. Esse relatório capta a falta de responsabilização, de uma governança ambiental forte e do respeito aos direitos humanos para a sustentabilidade do nosso meio ambiente”,
afirmou Joan Carling, ativista de direitos indígenas e defensora ambiental das Filipinas.
O engajamento de uma sociedade civil informada leva à melhor tomada de decisões pelo governo, a ações ambientais mais responsáveis por parte das empresas e a um direito ambiental mais eficaz. A produção periódica de relatórios sobre a qualidade ambiental dos países, inclusive sobre a qualidade do ar e da água, também pode ajudar a atingir essas metas. Infelizmente, de acordo com o Índice de Democracia Ambiental, apenas 20 dos 70 países avaliados, ou seja, 28%, são classificados como sendo “bom” ou “muito bom” na produção de relatórios periódicos, abrangentes e atuais do “Estado do Meio Ambiente”. Na Índia, Tailândia e Uganda, por exemplo, os dados sobre a poluição gerada por instalações industriais só podem ser obtidos por meio de contatos pessoais.
O relatório ainda oferece diversos exemplos de boas práticas, inclusive inovações aplicadas em países em desenvolvimento que muitas vezes enfrentam os mesmos desafios dos países desenvolvidos, mas com menos recursos. A diversidade geográfica desses esforços e inovações reforça dois pontos-chave desse relatório: O desenvolvimento e a promoção do Estado de Direito Ambiental é um desafio para todos os países; é também uma prioridade crescente. Para que as metas de centenas de leis, regulamentos e políticas nacionais que regem o meio ambiente em todo o mundo sejam alcançadas — inclusive a saúde e o bem-estar públicos, economias sólidas e sociedades pacíficas —, é preciso atribuir prioridade máxima ao fortalecimento do Estado de Direito Ambiental.
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