Criação de porcos provoca a maior pegada ambiental

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Por Marcos Pivetta, da Pesquisa Fapesp | A criação de porcos, seguida de perto pela pecuária bovina, é a atividade destinada à produção de alimento que mais impacta os recursos naturais no mundo. A seguir, com grandes pegadas ambientais, aparecem o cultivo de arroz e o de trigo, duas plantas que formam a base da dieta em muitos países. Embora forneça apenas 1,1% da comida consumida globalmente, a exploração dos recursos aquáticos, com destaque negativo para a pesca do camarão e de peixes de profundidade, é responsável por quase 10% dos impactos no meio ambiente decorrentes da produção de alimentos.

Quase metade da pegada ambiental é deixada pela atuação de seis países, em ordem decrescente de importância: Índia, China, Estados Unidos, Brasil, Paquistão e Indonésia. Grosso modo, a população desse sexteto de nações equivale a 45% dos 8 bilhões de habitantes do planeta.

Essas conclusões fazem parte de um estudo publicado em outubro na revista científica Nature Sustainability, que analisou dados globais da produção de alimentos em 2017. Segundo os autores do trabalho, as informações brutas usadas para calcular o impacto nos recursos naturais de cada tipo de comida representam 99% da produção terrestre e aquática de alimentos reportada naquele ano por 172 países. Para cada ponto do globo definido como uma área de 36 quilômetros quadrados (km2) foi calculado o peso da pressão sobre o ambiente. “Muitos estudos apontam a pecuária bovina como a atividade de produção de comida que mais pressiona o meio ambiente. Nosso trabalho também vai nessa direção”, comenta, em entrevista a Pesquisa FAPESP, o ecólogo marinho norte-americano Benjamin Halpern, da Universidade da Califórnia em Santa Bárbara, nos Estados Unidos, autor principal do artigo. “O nível de impacto muito elevado da criação de porcos e do cultivo de arroz e trigo foi inesperado. Mas ele apareceu porque olhamos o efeito conjunto de múltiplas formas de pressão ambiental decorrentes do volume total de alimentos produzidos.”

A maioria dos estudos costuma focar nas emissões de dióxido de carbono (CO2), o principal gás de efeito estufa, ocasionadas pelas atividades agropecuárias e pela pesca para calcular a chamada pegada de carbono. Alguns também levam em conta a liberação de metano (CH4), o segundo composto que mais impulsiona o aumento do aquecimento global. A inclusão desse outro gás é muito importante na análise do impacto das emissões de carbono associadas à pecuária de corte e de leite. Ruminantes, os bois liberam grandes quantidades de metano em razão da fermentação entérica em seu processo digestivo.

Mas, quando são analisados outros três tipos de impactos ambientais na produção de alimentos (uso de água doce, perturbações que reduzem a biodiversidade de espécies e poluição gerada por insumos agrícolas), além da tradicional pegada de carbono, as pressões decorrentes da suinocultura ultrapassam ligeiramente as da bovinocultura no âmbito global, de acordo com o artigo. O rebanho de porcos, da ordem de 800 milhões de animais, é menor do que o de bois, por volta de 1 bilhão de cabeças. “O peso de cada forma de pressão na pegada ambiental varia em razão do tipo de alimento obtido e do país em que a produção ocorre”, diz Halpern.

Exploração de recursos aquáticos gera 1,1% da comida, mas quase 10% da pegada ambiental global. Imagem de Johannes Eisele / AFP via Getty Images

Na pecuária bovina, as emissões de gases de efeito estufa respondem por 60% da pressão ambiental dessa atividade. Na suinocultura, esse peso é cerca de quatro vezes menor. Segundo o estudo, a maior parte do impacto na natureza da criação de porcos deriva da poluição associada ao emprego de nutrientes dados aos animais. Nos casos do trigo e do arroz, o que faz a diferença é o uso intensivo de água e as perturbações na biodiversidade local.

A pegada ambiental gerada pela produção de alimentos de cada país é mais ou menos proporcional ao tamanho de sua população em relação à do mundo. No caso de algumas nações com grandes rebanhos e produção agrícola, como Estados Unidos e Brasil, as pressões sobre os recursos naturais são maiores do que a sua densidade populacional. A situação é inversa na China e na Índia, os dois países mais populosos, cada um com 17% dos habitantes do globo. A pegada ambiental da produção de comida em cada uma dessas duas nações asiáticas representa menos de 15% do total.

De acordo com o artigo, as atividades destinadas a gerar comida para a humanidade utilizam metade das áreas habitáveis e 70% da água doce do planeta. Elas geram entre um quarto e um terço dos gases de efeito estufa produzidos pelo homem, além de poluir com nutrientes as bacias hidrográficas e áreas costeiras. “Além das emissões de gases de efeito estufa, a questão do uso da água na agricultura é um tema muito importante atualmente”, comenta o agrônomo Jean Ometto, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), um dos coordenadores do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG), que não participou do estudo. “No Brasil, o uso de irrigação ainda ocorre em uma pequena parte da área dedicada à agropecuária. Mas em algumas regiões há um importante aumento da área irrigada.”

O agrônomo Carlos Eduardo Pellegrino Cerri, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), ressalta a importância das pesquisas sobre a pegada ambiental da produção de alimentos. “É uma questão muito importante e atual”, diz Cerri. Ele, no entanto, defende a ideia de que os autores desses trabalhos passem a usar o conceito de balanço do carbono (que contabiliza tanto as liberações como as absorções de gases de efeito estufa) para calcular a pegada de carbono das culturas agrícolas, em vez de apenas levar em conta as emissões. “Usar o balanço de carbono seria mais correto, visto que uma cultura bem manejada pode até fixar mais carbono do que emite.”

Em um experimento de campo feito em três fazendas de soja de Mato Grosso do Sul durante a safra 2020/2021, Cerri concluiu que os produtores poderiam controlar, por meio de práticas corretivas e do emprego adequado de fertilizantes, até 77% das emissões de carbono decorrentes do cultivo de grãos. Se isso fosse feito, a sojicultura passaria a captar mais carbono, sobretudo no solo, do que a emitir, segundo o pesquisador da Esalq.


Este texto foi originalmente publicado pela Pesquisa Fapesp de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.

Carolina Hisatomi

Graduanda em Gestão Ambiental pela Universidade de São Paulo e protetora de abelhas nas horas vagas.

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