Crimes ambientais: por que o ser humano destrói a natureza?

Os crimes ambientais podem ser definidos como atos ilícitos, que causam danos ao meio ambiente, seus biomas, ecossistemas e todos os seres que os compõem.  

No Brasil, esses crimes estão previstos na lei nº 9605, sancionada no dia 12 de fevereiro de 1998. Desde então, os crimes ambientais podem ser classificados em:

  • Crimes contra a fauna
  • Crimes contra a flora
  • Poluição e outros crimes ambientais
  • Crimes contra o Ordenamento Urbano e o Patrimônio Cultural
  • Crimes contra a Administração Ambiental

Por outro lado, apesar da existência de penalidades definidas para quem comete crimes contra a natureza, como prisão e multas, o poder público sofre com entraves na hora de se fazer cumprir a lei, passando a terrível sensação de impunidade.

A Amazônia, dona de uma biodiversidade que é importante para todo o planeta, é um dos principais alvos de grupos de criminosos ambientais, como mostra o relatório Territórios e caminhos do crime ambiental na Amazônia brasileira, publicado pelo Instituto Igarapé.

Crimes ambientais na Amazônia brasileira

A publicação analisou a ocorrência dos crimes ambientais na região da bacia amazônica. De acordo com o Instituto, o desmatamento e a degradação da Amazônia podem ser atribuídos, principalmente, à rede de crimes ambientais.

Extração ilegal de madeira, em Rondônia, 2019 / Foto de Fernando Augusto em Ibamagov, sob CC BY-SA 2.0 DEED no Flickr

O estudo teve como base 302 operações da Polícia Federal (PF), que ocorreram entre 2016 e 2021, na região da Amazônia Legal. A PF, nesse período, localizou crimes ambientais em 846 territórios relacionados ao ecossistema amazônico, em 262 municípios diferentes.

A Amazônia Legal é um recorte geográfico, formado na década de 1950, pelos estados do Acre, Rondônia, Amazonas, Pará, Tocantins, Roraima, Amapá, Mato Grosso e parte do Maranhão. Ao todo, são 772 municípios brasileiros. Dada sua importância, o objetivo era desenvolver, de forma sustentável, a região. Esse recorte engloba toda a Amazônia presente em território nacional, representando uma área de pouco mais de 5 milhões de quilômetros quadrados. Isso corresponde a quase 59% de todo o País.

Das 262 cidades mapeadas pela PF, cerca de 75% fazem parte da Amazônia Legal, 22% estão em outras regiões do Brasil e 3% nos países vizinhos. Todos os crimes ambientais estão relacionados com a floresta Amazônica, por meio de atividades ilícitas como o desmatamento, a extração de madeira, a grilagem de terras, a apropriação agropecuária e a mineração (garimpo).

Ramificações dos crimes ambientais da Amazônia

A publicação também mostra as chamadas ramificações dos crimes ambientais. Essas ramificações são as conexões e rotas que os recursos e produtos, retirados de forma ilegal da Amazônia, percorrem, dentro e fora desse território. Cerca de 19% das operações se desdobraram para 24 estados brasileiros. 

Em relação à extração de madeira, 87% da atividade ocorre dentro da Amazônia Legal. No entanto, 23 estados brasileiros, somando 166 cidades, estão ligados aos ganhos dessa atividade ilícita. No caso da mineração/garimpo, mais de 350 territórios foram identificados. O trajeto e o destino final dos minérios, retirados ilegalmente dessas terras, engloba 20 estados, além de países vizinhos.

Além disso, 22% dos territórios atingidos por crimes ambientais, relacionados à extração de madeira e ao garimpo de ouro, são áreas protegidas. Em sua maioria, são Terras Indígenas (TI), Unidades de Conservação (UC) e Áreas de Preservação Permanente (APP).  

Nesse período de cinco anos, 37 territórios indígenas foram atingidos por atividades criminosas. Os territórios mais prejudicados, de acordo com o Instituto Igarapé, foram as TIs Yanomami (Roraima), Munduruku (Pará) e 7 de Setembro (Rondônia). Além disso, em 19 TIs a investigação da PF abrangia, inclusive, crimes de violência contra os povos indígenas.

Entre UC e APP, 21 áreas foram atingidas por crimes ambientais.

Garimpo ilegal na TI Muduruku, 2018 / Foto de Vinícius Mendonça em Ibamagov, sob CC BY-SA 2.0 DEED no Flickr

Corrupção e violência ligadas aos crimes ambientais

De acordo com o Instituto Igarapé, uma rede tão ampla, relacionada aos crimes ambientais que ocorrem na Amazônia, demonstram que conexões fraudulentas, corrupção e lavagem de dinheiro, além dos casos de violência, estão inseridas profundamente, de forma sistemática, nas relações sociopolíticas do Brasil.

Segundo o Instituto, principalmente em casos como o garimpo ilegal em TIs, a grilagem de terras e o desmatamento ilegal, as relações com o crime organizado são visíveis. 

Não bastassem as consequências locais e regionais dos crimes ambientais cometidos na Amazônia, as mudanças climáticas e o aquecimento global são fatores diretamente relacionados à exploração da floresta

A publicação destaca também o que chama de “crescente retórica anti-ambiental” e de “miopia política”, por parte de importantes nichos políticos e econômicos do País. A visão de “prosperidade” dessa classe envolve a destruição do meio ambiente, como forma de exploração dos recursos naturais e coloca em risco os povos tradicionais, que vivem nessas áreas. Vale lembrar que esses políticos formam uma parcela relevante, com poder de decisão nas leis do Brasil.

Crime ambiental que acontece há décadas em terras Yanomami

Na década 1970, o governo militar brasileiro descobriu minérios na Amazônia e, com a propaganda governamental, garimpeiros passaram a invadir terras indígenas, em busca de ouro.

Além de causar degradação ambiental, o garimpo ilegal gera violência e afeta a saúde e a integridade das comunidades indígenas locais. 

Em 1987, a atividade criminosa atingiu o seu ápice. Em três anos, de 30 a 40 mil garimpeiros invadiram a TI Yanomami. Enquanto isso, os indígenas, vivendo de forma insalubre, viram sua população diminuir em 15%, vítimas da malária trazida pelos garimpeiros. Casos extremos de desnutrição, violência e exploração sexual e aliciamento de menores são parte da realidade trazida pelo garimpo em terras indígenas há décadas.

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O garimpo ilegal na Amazônia

Pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) afirmam que, além das graves consequências ambientais, o garimpo ilegal representa violação de direitos humanos e territoriais. Sob a óptica dos crimes ambientais, são encontradas variantes do genocídio indígena e do ecocídio.

A demanda pelo ouro no mercado mundial, em conjunto com a redução ou inexistência de fiscalização, são fatores que também garantem essa prática criminosa. Mas o crime não acaba aí.

“Esquentamento” do ouro

Um estudo, realizado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) junto ao Ministério Público Federal (MPF), denunciou o processo de “esquentamento” do ouro, uma espécie de “lavagem de dinheiro”. O esquentamento insere no mercado o ouro extraído em garimpos ilegais. Esse ouro chega às instituições financeiras, joalherias e até a outros países, como se fosse resultado de uma atividade lícita.

Entre 2019 e 2020 foram detectados cerca de 21 mil hectares de áreas nativas desmatadas na Amazônia, para a atividade de mineração. Dessa área, 96% era composta por garimpos ilegais. 

Segundo o MapBiomas, há uma concentração maior de garimpos em áreas protegidas. Só em 2022, uma área 103 mil hectares foi invadida e degradada pelo garimpo ilegal. Essa área é composta exclusivamente por TIs e UCs. No caso da TI Yanomami, a exploração tem crescido exponencialmente desde 2012.

Os impactos causados por esse tipo de crime ambiental na Amazônia são graves. As escavações e sucções, parte do processo de garimpagem, alteram a estrutura dos rios, além de prejudicar a vida aquática. Quando a exploração esgota todos os recursos, os locais são abandonados, com a natureza totalmente destruída. 

Além disso, a poluição causada pela utilização do mercúrio é extremamente perigosa. Um estudo, realizado pelo Instituto Federal da Bahia (IFBA), mostrou que para cada 450 gramas de ouro extraídos do subsolo amazônico, quase 1 kg de mercúrio é despejado na água dos rios e no solo.

O que dificulta a fiscalização contra crimes ambientais na Amazônia?

A Controladoria Geral da União (CGU) divulgou, em 2023, o Relatório de avaliação do processo de gestão dos alertas de desmatamento na Amazônia. O relatório identificou deficiências de estratégia e falhas na atuação do Ibama na repressão de crimes ambientais, após passarem por uma auditoria.

A quantidade de alertas de desmatamento, recebidos ao longo do ano, a alta taxa de desmatamento e o baixo índice de resposta a esses alertas demonstraram falhas de governança do Ibama, como mostra o documento. 

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Falhas operacionais

O relatório também apontou falhas na coordenação geral das operações de fiscalização. De acordo com a CGU, há uma ausência de análise contínua, por parte do Ibama, para determinar as estratégias de suas fiscalizações. Por outro lado, o órgão ambiental tem, à sua disposição, informações e provas confiáveis que poderiam servir de base para suas ações.

Queimada na Amazônia, 2020 / Foto de Bruno Kelly em Amazônia Real, sob CC BY-NC-SA 2.0 DEED, no Flickr

Foi verificado também que o Ibama não dispunha da organização dos dados, de forma sistematizada, e de metodologias para avaliar as operações. A CGU concluiu o relatório, afirmando a necessidade de se priorizar os alertas de desmatamento, o que deve acontecer a partir da institucionalização das metodologias, garantindo um conjunto de normas a serem seguidas e também orientações sobre as atividades. 

Isso pode garantir que as ações do Ibama existam, tenham continuidade e possam, de fato, colaborar para o controle e diminuição do desmatamento e da degradação ambiental na Amazônia.

Um ano após a divulgação do relatório da CGU, o Imazon publicou dados do Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD), sobre a Amazônia. 

Os dados mostraram que nos dois primeiros meses de 2024, a Amazônia apresentou o menor índice de desmatamento dos últimos seis anos. Por outro lado, apesar de ter diminuído, ainda houve uma área de 196 km² de florestas derrubadas. Com exceção de 2015, os índices de 2008 até 2017 foram menores do que os do primeiro bimestre de 2024.

Apesar do desmatamento na Amazônia ser uma triste constante, outros crimes ambientais, como o tráfico de animais silvestres, também são corriqueiros. 

O tráfico ilegal e o comércio de animais silvestres

Criar animais silvestres, em ambientes domésticos, mesmo quando esses animais são adquiridos de maneira lícita, é uma prática que financia diretamente o tráfico ilegal de animais. Comprar e criar animais silvestres tira desses seres o direito de viverem livres, em seus habitats naturais e os estabelece como bens de consumo. Dados da Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas) mostram que 38 milhões de animais silvestres são retirados da natureza todos os anos. Além disso, nove de cada dez animais, vítimas do tráfico, morrem devido às péssimas condições de armazenamento e transporte.

Mico-leão-dourado resgatado em Pernambuco, 2023 / Foto de Agência Brasília, sob CC BY 2.0 DEED no Flickr

Os maus tratos que esses seres sofrem na captura e no transporte, geralmente precário, também entram para a lista de crimes ambientais contra a fauna.

O tráfico de animais é a terceira maior atividade ilegal do planeta, perdendo apenas para o tráfico de armas e de drogas, de acordo com a Renctas. Só no Brasil, essa atividade cruel movimenta cerca de 2 bilhões de dólares por ano.

Tráfico de animais: o que é e como denunciar

Animais como bens de consumo ou matéria-prima

Uma pesquisa, liderada pelo Leibniz Institute for the Analysis of Biodiversity Change, na Alemanha, reforça que o comércio ilegal de vida selvagem está entre as indústrias ilegais mais lucrativas do mundo. Esse comércio, caracterizado como crime ambiental, é um dos principais responsáveis pela perda de biodiversidade no planeta.

De acordo com o estudo, cinco setores se aproveitam e lucram, com o comércio de animais (ilegal ou lícito). O nicho de animais de estimação é um deles, em que os compradores se intitulam como “amantes dos animais”, “entusiastas” e “colecionadores”. 

Entretanto, além de financiarem práticas ilegais, essas pessoas contribuem para o sofrimento animal e a perda de biodiversidade. Mesmo uma compra realizada legalmente pode ter passado por um processo de “lavagem”, que ocorre quando animais silvestres são capturados e entram em sistemas legalizados de reprodução em cativeiro. 

A indústria da moda é outro setor que lucra com a exploração animal. Com a produção de peças de vestuário, grandes fabricantes desse nicho figuram entre os principais consumidores desse comércio atroz, utilizando partes de animais em suas composições.

O uso de animais silvestres para procedimentos da medicina tradicional, ou para o setor de comida selvagem, inclui essas atividades como propulsoras do tráfico de animais. Cerca de 53% das espécies de répteis usadas em procedimentos da medicina tradicional, mundo afora, estão ameaçadas de extinção. Além disso, são procedimentos sem comprovação científica. 

Por outro lado, animais selvagens são servidos com requinte em alguns restaurantes do mundo, incluindo diversas espécies em risco de extinção. 

Chifres e peles de animais são usados como troféus da caça ilegal. Móveis, jóias, talismãs e amuletos são feitos a partir de partes de animais, contribuindo para a continuidade dessa prática ilegal e a diminuição das espécies.

Os impactos do crime ambiental contra a fauna

O tráfico ilegal de animais prejudica o desenvolvimento das espécies e colabora para o declínio dos ecossistemas. A captura, o transporte e o armazenamento de animais levam muitos à morte. 

Explorar os animais leva também a diminuição das espécies e a consequente extinção. A introdução de espécies invasoras também é um problema, pois ameaça espécies nativas da região. 

É unânime, entre os pesquisadores, que os crimes ambientais relacionados à fauna formam um problema global, com atos de crueldade, que geram desequilíbrio e põem em risco a saúde, a diversidade e a estabilidade dos ecossistemas.

Bruna Chicano

Cientista ambiental, vegana, mãe da Amora e da Nina. Adora caminhar sem pressa e subir montanhas.

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