Mudança no código florestal e outras flexibilizações ambientais ameaçam meta de redução de emissões
Flexibilizar leis ambientais pode ter um custo muito alto para o Brasil. Essa é a conclusão de um estudo realizado por dez pesquisadores brasileiros que mediu os impactos possíveis do atual cenário de retrocesso ambiental. Na pior hipótese, o custo estimado é de US$ 5 trilhões até 2050. É um quadro em que a governança estaria fragilizada ao extremo, o desmatamento explodiria e o Brasil teria que comprar créditos de carbono no exterior para cumprir sua parte no esforço global de reduzir a emissão de gases estufa.
Publicado na última edição da Revista Nature Climate Change, o trabalho é assinado por seis professores e pesquisadores da Coppe/UFRJ (Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro), três pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e um da Universidade de Brasília (UnB). Eles avaliam os impactos do retrocesso na política ambiental brasileira para o cumprimento das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), assumidas pelo Brasil para atingir o objetivo acordado pela comunidade dos mais de 190 países da ONU em Paris, em 2015, para limitar o aquecimento global.
Entre 2005 e 2012, o Brasil reduziu suas emissões de gases de efeito estufa (GEE) em 54%, sobretudo pela redução do desmatamento em 78%. De acordo com os autores, a aprovação do novo Código Florestal, em 2012, provocou um retrocesso gradual na governança ambiental, agravada a partir de 2016 com a barganha política promovida pela chamada bancada ruralista para a aprovação de projetos de interesse do governo federal.
Em troca de apoio político, o presidente Michel Temer assinou medidas provisórias e decretos que diminuíram as exigências para o licenciamento ambiental, suspendeu a demarcação de terras indígenas, facilitando que grileiros se beneficiem dos recursos de áreas desmatadas ilegalmente. Isso pode comprometer a bem sucedida política de redução das emissões de CO2 pelo controle de desmatamento, promovida na última década.
O artigo “The threat of political bargaining to climate mitigation in Brazil” (A ameaça da barganha política para a mitigação climática no Brasil, em tradução livre) é assinado pelos professores da Coppe/UFRJ Roberto Schaeffer, Alexandre Szklo e André Lucena, os pesquisadores Pedro Rochedo, Alexandre Koberle e Regis Rathmann, também da Coppe/UFRJ; o professor Eduardo Viola, de Ciência Política, da UnB, e pelos professores Britaldo Soares-Filho, Raoni Rajão e a pesquisadora Juliana Leroy Davis, da UFMG.
Brasil: esforços serão necessários para cumprir metas do Acordo de Paris
Usando Modelos de Avaliação Integrada (IAMs na sigla em inglês), desenvolvidos no Brasil, dois deles criados na Coppe (Coffee e Blues) e o outro na UFMG (Otimizagro), os autores traçam cenários para estimar o esforço necessário para cumprir as metas do Acordo de Paris e limitar o aquecimento global em 2ºC e compensar o enfraquecimento da governança ambiental, a qual potencialmente resulta em emissões por mudanças no uso do solo.
Os três modelos são complementares. Com o Coffee (Computable Framework For Energy and the Environment), os pesquisadores traçaram o cenário macro, de emissões globais de CO2, e com o Blues (Brazilian Land Use and Energy Systems model), o modelo de otimização para energia e uso do solo. Ambos foram criados por pesquisadores do Cenergia, laboratório da Coppe coordenado pelos professores Roberto Schaeffer, Alexandre Szklo e André Lucena. A UFMG, por sua vez, conta com o modelo de uso da terra, espacialmente explícito, chamado Otimizagro.
Segundo os autores, a governança ambiental brasileira se divide em três períodos: pré-2005, de governança fraca e altas taxas de desmatamento; 2005 a 2011, período de aprimoramentos na governança e resultados efetivos na redução do desmatamento; e 2012 a 2017, quando a governança foi gradualmente erodida pela anistia concedida ao desmatamento ilegal, no bojo da revisão do novo Código Florestal.
Autores definem cenários de governança: fraco, intermediário e forte
Baseando-se neste histórico, os autores definiram três cenários de governança ambiental: fraco, intermediário e forte. O cenário de governança fraca implicaria o abandono do controle do desmatamento e o incentivo à agropecuária predatória. Neste cenário, todos os ganhos obtidos desde 2005 seriam anulados.
O cenário intermediário implicaria numa contradição: a manutenção das políticas de controle do desmatamento concomitantemente ao apoio às práticas predatórias. Seria a manutenção do cenário atual, cujo ritmo de desmatamento implicaria que a taxa de desmatamento anual alcançaria 15 mil km² no Cerrado e 17 mil km² na Amazônia, até 2030. Isso resultaria na emissão de 16,3 Gt de CO2 para o período 2010-2030. Segundo Pedro Rochedo, as políticas ambientais, embora vigentes, se degradariam por influência política. “Manda-se um sinal para os setores produtivos de que vale a pena desmatar, pois as regras seriam descumpridas sem a fiscalização e punição adequadas. Um incentivo velado ao desmatamento”, explica o pesquisador.
O cenário de forte governança ambiental pressupõe a expansão das políticas de preservação ambiental e apoio político total à agenda ambiental assumida pelo país. Este prognóstico levaria à redução anual do desmatamento no Cerrado e na Amazônia de cerca de 8 mil e 9,5 mil km² respectivamente, para menos de 4 mil km² em cada um dos dois biomas.
O cenário “fraco” acarretaria ao país um impacto financeiro de 5 trilhões de dólares até 2050, comparado ao cenário “forte”. Segundo Rochedo, o cálculo leva em conta o que os pesquisadores chamam de “orçamento de carbono”. Segundo este orçamento, o Brasil teria direito a emitir cerca de 24 Gt de CO2 de 2010 a 2050. “A gente chegou a este custo pelo preço de carbono médio da literatura (atualmente, cada tonelada de CO2 é precificada entre 10 a 20 dólares, e a projeção é que o preço da tonelada chegue a 370 dólares em 2050). Uma espécie de multa ou compra de certificados para compensar o excesso de emissões. Quando se excede esse orçamento de carbono, o país paga para que outra nação faça o que ele não fez. Seja uma troca de certificados ou outro mecanismo. É o mercado de carbono”, explica o pesquisador.
A conclusão dos autores é que as NDC´s assumidas pelo país estão em risco devido à crise política atual, na medida em que o governo desfaz políticas ambientais exitosas levando ao aumento do desmatamento. Paradoxalmente, para lidar com o aumento das emissões de CO2, o Brasil teria que investir pesadamente em tecnologias avançadas, que não estão maduras o suficiente e têm elevado custo de capital. “Em função de uma política do século XIX, o governo obriga setores da economia a usarem tecnologia do século XXI para neutralizar os efeitos da política do baixo clero no Congresso”, critica o professor Roberto Schaeffer.
Segundo Schaeffer, a adoção deste conjunto de tecnologias de vanguarda implicaria em um custo econômico muito elevado, o que tornaria improvável que o país honre os compromissos assumidos para ajudar o mundo a cumprir o Acordo de Paris. “A conclusão do artigo é que reduzir o desmatamento seria, de longe, a opção mais barata para o Brasil alcançar suas metas nacionais e os objetivos de Paris”, esclarece.
Blues, Coffee e Tea: modelos desenvolvidos pela Coppe
O Brasil é o único país em desenvolvimento a ter um modelo de análise integrada global (IAM), o que lhe permite traçar cenários integrados, em escala global, de ações de mitigação no combate ao aquecimento global. Batizado de Computable Framework For Energy and the Environment (sob a espirituosa sigla Coffee), o modelo criado na Coppe traz como diferencial que o papel do país pode ser analisado em um contexto mundial, de acordo com metas estabelecidas para conter o aquecimento do planeta.
O modelo é fruto da tese de doutorado “Desenvolvimento de um modelo energético integrado global para avaliar o papel brasileiro nos cenários de mitigação de mudanças climáticas”, defendida em 2016 pelo então aluno de doutorado do Programa de Planejamento Energético (PPE) da Coppe, o pesquisador Pedro Rochedo, sob a orientação dos professores Alexandre Szklo e Roberto Schaeffer.
A Coppe já contribuía, há mais de uma década com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), por meio de cenários de mitigação de mudanças climáticas elaborados no modelo Message Brasil, um modelo nacional. Trata-se de um dos mais detalhados sistemas de modelagem energética integrada de um país no mundo, feito com base em um modelo pioneiro, denominado Message, originalmente desenvolvido pelo Instituto Internacional de Análise de Sistemas Aplicados (IIASA), na Áustria.
A última versão do Message Brasil é o Blues (Brazil Land Use and Energy Systems Model), modelo utilizado na elaboração dos três cenários incorpora à modelagem de energia a modelagem do uso do solo desenvolvida para o Coffee, tornando a ferramenta ainda mais completa, capaz, por exemplo, de identificar as relações entre o uso do solo e a produção e demanda de biocombustíveis. O “pai” do Blues é o aluno de doutorado Alexandre Koberle.
Além disso, a equipe do Cenergia está trabalhando com o professor Angelo Gurgel, da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), na elaboração de um modelo de equilíbrio econômico global compatível com o modelo Coffee. O nome escolhido explicita, de forma bem humorada, essa correlação: Total Economic Assessment (Tea) Model. “Um mundo de baixo carbono pode levar ao aumento dos preços dos derivados de petróleo. Isso tem impacto no emprego setorial, nos gastos das famílias, no PIB. Há um impacto sistêmico e complexo, que só um modelo econômico pode abordar”, explica Rochedo.
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