Da paixão pelo chocolate aos sabores do mercado

Compartilhar

Por Adriana Vilar de Menezes em Jornal da Unicamp | O engenheiro de alimentos Gabriel Almeida Rodrigues Martins, de 27 anos, transformou a paixão e compulsão pelo chocolate em pesquisa de mestrado ao desenvolver uma fórmula de sucesso para chocolate amargo (concentração de 55%) com cacau nacional, sem açúcar, funcional (com a fibra natural inulina) e enriquecido com pimenta-dedo-de-moça (Capsicum baccatumin natura. O produto, pronto para chegar ao consumidor, teve sua aceitação e compatibilidade com o paladar brasileiro confirmadas por testes sensoriais. O processo, que se diferencia dos demais na equação e nas etapas de inserção de ingredientes, já tem custo viabilizado e preços competitivos.

Desenvolvida na Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp, a pesquisa teve a orientação da professora Helena Maria André Bolini. “Eu via o chocolate como um vilão, porque eu consumia com desejo ao mesmo tempo que sentia culpa. Sabia que ia me fazer mal por causa da gordura e do açúcar, mas não resistia”, lembra Martins, que recebeu um diagnóstico de obesida- de aos 22 anos. 

Dulçor e pungência

A combinação de chocolate com pimenta é milenar, mas a inovação da pesquisa de Martins está em fazer um alimento saudável, sem açúcar e com potencial de ser aceito no mercado. Um dos diferenciais do processo desenvolvido é que a pimenta in natura é adicionada em uma das etapas iniciais da produção do chocolate, junto com o adoçante natural stevia. Há chocolates comerciais que usam aromas de pimenta, no lugar da pimenta in natura; outros introduzem a pimenta após o processo de produção do chocolate.

Para ampliar a pesquisa, Martins variou os níveis de pimenta e as frações do adoçante. “Com essas variações, ainda não estudadas na literatura, avaliamos como a substância de gosto doce [stevia] e a substância de pungência [termo técnico para a picância da pimenta] se comportam nessa matriz chocolate. Conseguimos comprovar a percepção diferenciada do consumidor frente às diversas etapas”, informa ele.

Sem stevia, o chocolate teria características sensoriais diferentes e ficaria mais amargo, destaca Bolini. “Não teria uma aceitação tão grande pelo consumidor.” Segundo a orientadora, a stevia foi muito favorável ao produto. Uma das principais linhas de pesquisa de Bolini é a substituição do açúcar por adoçantes sintéticos ou naturais que não tenham nenhuma caloria. “É importante para os diabéticos e é bom para pessoas que não querem consumir muitas calorias. Além dessa substituição do açúcar, trabalho com o alimento funcional, que traz benefícios para a saúde.”

O Brasil é o quinto país no mundo em incidência de diabetes, com 16,8 milhões de portadores da doença, destaca Bolini. “Precisamos pensar nesse problema de saúde pública”, diz a professora, que lembra, ainda, dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) propostos pela Organização das Nações Unidas (ONU), nos quais incluem-se a saúde e o bem-estar da população. 

A professora Helena Maria André Bolini, orientadora da pesquisa: substituição do açúcar por adoçantes sintéticos ou naturais

Testes sensoriais

Martins cursou Engenharia de Alimentos na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde conheceu a tecnologia de produção do chocolate. Ele ingressou no mestrado em 2019 depois de ter sua proposta de pesquisa aceita pela professora Bolini, que desenvolve estudos com stevia desde 1996, época em que o produto ainda não era popular. Em decorrência da pandemia de covid-19, Martins só conseguiu realizar os testes sensoriais em 2022, ainda sob os protocolos da pandemia, com metade da ocupação das cabines para respeitar a distância entre os avaliadores dentro do laboratório.

Segundo Bolini, não existe nenhum instrumento capaz de substituir a resposta sensorial humana. “Existem línguas e narizes eletrônicos, mas eles não substituem a percepção da pessoa.” A pesquisa confirma a importância dos testes sensoriais tanto na indústria como na academia, acredita Martins. A parceria com o Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital) foi fundamental ao disponibilizar os laboratórios do Centro de Tecnologia de Cereais e Chocolate (Cereal Chocotec), onde Martins contou também com a orientação do pesquisador Valdeci Luca.

O chocolate produzido por Martins utilizou a capsaicina, substância comum a pimentas do gênero Capsicum, que traz benefícios para a saúde por conta da função bioativa. A escolha do chocolate amargo se deu pelo fato de o produto possuir também compostos fenólicos em maior concentração que o chocolate ao leite. “O chocolate amargo tem uma boa aceitação no Brasil. Trabalhei com o de 55%, que permitiu produzir um produto não muito amargo.” Em razão das propriedades benéficas à saúde, recomenda-se o consumo de uma porção de 25g de chocolate por dia.

Percurso completo

De acordo com a orientadora, a dissertação de Martins também se destacou por outros fatores. Ele incluiu em seu trabalho todos os elementos e etapas que fazem parte do processo de produção do chocolate, desde o histórico, plantio e colheita do cacau, no Brasil e no mundo, até o produto final — a embalagem e análise de custos. Martins também pesquisou os hábitos do consumidor brasileiro em relação à leitura de rótulos alimentícios.

As restrições impostas pela situação de pandemia não impediram o pesquisador de realizar estudos sobre as embalagens com 150 pessoas. Ele utilizou um software como ferramenta para a coleta de dados online. Realizou, ainda, a simulação de uma indústria de pequeno porte produtora de chocolate. Fez todas as análises de custos do processo, desde instalações, matéria-prima, embalagem, colaboradores e administrativo. Chegou a fazer as variações de preços para barras com e sem adoçante ou fibra.

NOVA FASE

Cursando o doutorado, Martins pretende avançar nas técnicas que desenvolveu, obtendo resultados que englobam outros ingredientes do produto. “No mestrado, focamos a substituição do açúcar e as variações da stevia e da pimenta. Agora, além da substituição do açúcar, trabalharei com a substituição de outros ingredientes e na variação da concentração do chocolate.”

Em sua nova pesquisa, ele quer utilizar especiarias, que possam reduzir custos e também sejam funcionais, como cúrcuma e noz-moscada. “Minha proposta é trabalhar com fibras nacionais, porque a inulina, que utilizei no mestrado, é importada”, explica o pesquisador. “Desde a infância, eu queria trabalhar com isso. Quando temos um sonho, não existem barreiras que nos façam desistir. Quero desmistificar essa imagem do chocolate como vilão. Quero fazer com que as pessoas comam chocolate sem culpa”, conclui Martins.

Este texto foi originalmente publicado pela Jornal da Unicamp de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.

Equipe eCycle

Você já percebeu que tudo o que você consome deixa um rastro no planeta? Por uma pegada mais leve, conteúdos e soluções em consumo sustentável.

Utilizamos cookies para oferecer uma melhor experiência de navegação. Ao navegar pelo site você concorda com o uso dos mesmos.

Saiba mais