Por Caio César Pereira, do Jornal da USP | Milhares de quilômetros ficam para trás, enquanto à frente se estende a estrada, rumo ao infinito. O transporte com bicicleta, seja qual for a finalidade, vem ganhando cada vez mais adeptos. Segundo dados da Associação Brasileira do Setor de Bicicletas, as vendas de bikes registraram um aumento de mais de 50% em 2020, na comparação com 2019. Estes números se devem à variedade de usos que ela possibilita. Muito mais do que uma alternativa de transporte para o dia a dia ou uma ferramenta para a prática esportiva, a bicicleta vem se transformando também em uma opção para o turismo.
O cicloturismo nada mais é do que um turismo feito sobre duas rodas. Ele tem como objetivo levar o adepto a conhecer um lugar e ter um contato mais próximo com sua cultura por meio da bicicleta. O crescimento desse tipo de viagem se dá, sobretudo, pelas vantagens que apresenta. Além de ser uma atividade física, costuma ser mais econômica e sustentável do que outras formas clássicas de turismo.
Dentre as possibilidades do cicloturismo, uma nova modalidade vem surgindo, unindo lazer e uma nova forma de percepção do espaço ao redor. Trata-se do geocicloturismo, que propõe a atenção ao ambiente geológico do trajeto, e não só aspectos culturais do local.
“É uma forma de você visitar lugares, ter essa atividade do turismo, mas tendo como base componentes da geodiversidade. Então, aspectos abióticos da natureza, tipos de rochas, minerais, fósseis, formas de relevo e aspectos hidrológicos”, explica Gilson Guimarães, geólogo, mestre e doutor em Petrologia pelo Instituto de Geociências (IGc) da USP, e professor associado do Departamento de Geociências da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG).
Rodrigo Guimarães, geólogo graduado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), pesquisador no Laboratório de Pesquisas Hidrogeológicas (LPH), e presidente do Grupo Universitário de Pesquisas Espeleológicas (GUPE), complementa: “Quando a gente coloca o componente “geo” nessa definição, significa que esse roteiro de viagem sobre a bicicleta está valorizando e levando em consideração o patrimônio da geodiversidade. Então, ele vai ter como foco os elementos geológicos, da morfologia do terreno, e elementos que dizem respeito ao patrimônio natural daquela região”.
Para o pesquisador, a bicicleta é o transporte que melhor propicia diferentes níveis de interação com o ambiente, diferente de uma viagem de carro, por exemplo. Além disso, o contato mais íntimo com a natureza e a paisagem ao redor representam um potencial para a pesquisa em geociências.
“Você pode usar bicicleta como meio de locomoção para coleta de informações sobre estrutura geológicas, sobre os tipos de rochas em uma região; você pode fazer um verdadeiro mapeamento geológico utilizando a bicicleta como meio de locomoção”, afirma Rodrigo.
Apesar disso, Gilson pondera: “ Não significa que daqui para frente, a gente vai argumentar que para todas as situações o uso da bicicleta é a melhor solução ou a única solução. A gente pode identificar quais componentes de uma pesquisa se alinham com o potencial que uma ferramenta como a bicicleta tem.”
Na pesquisa acadêmica ou a passeio, o turismo de bike tem o diferencial de ser uma forma de viagem sustentável. Ao substituir o carro pela bicicleta, se diminui a emissão de gases poluentes, como o CO2. E com as questões climáticas e ambientais se tornando cada vez mais urgentes, a tendência é que essa modalidade ganhe mais usuários.
“Outro lado interessante é a questão da velocidade com a qual você interage com um meio pelo qual você está circulando. É completamente diferente! Você está circulando por trechos que muitas vezes vão na casa da centena de quilômetros por dia. E se você faz um roteiro como esse de carro, você pode facilmente levar duas duas horas e pouco. Você vai passar um dia inteiro, o que faz com que você comece a perceber melhor as pessoas que vivem no local, os elementos de flora e fauna”, observa Gilson.
Mas, se engana quem acredita que o geocicloturismo só pode ser feito por geólogos ou por pessoas com formação na área de geociências. Rodrigo lembra que começou suas viagens sobre pedais muito antes de, sequer, entrar para a universidade. “ Eu comecei a fazer, primeiro, cicloturismo, quando eu tinha 15 anos, longe de ter qualquer formação nas geociências. As minhas maiores viagens, na verdade, antecedem a minha formação e eu tive um proveito gigantesco”, lembra.
Para Rodrigo, a formação nas geociências pode funcionar, na verdade, como um catalisador de experiências; como algo que amplifica o potencial de aproveitamento dos roteiros das viagens. “Mas de forma alguma uma pessoa que não é especializada na área vai ser insensível a essas questões. Elas podem não saber explicar tão bem, podem não entender o que gera essas coisas – como um xisto ou um granito. Mas isso não importa tanto assim, na verdade. O que importa é que você está percebendo essas diferenças, mesmo que você não saiba explicá-las”.
“Eu arrisco a dizer que ser um cicloturista é algo que está muito próximo de quase 100% das pessoas. Você não precisa ser um atleta, ter um equipamento de ponta, para que realmente viaje distâncias mais longas com o uso da bicicleta e aprecie aquilo com o que vai se deparar durante o seu período pedalando. Pode ser em um único dia, mas rapidamente a pessoa vai perceber que ela consegue fazer isso por vários dias”, finaliza Gilson.
O Instituto de Geociências da USP convidou Gilson e Rodrigo – que além de geólogos, são pai e filho – para uma palestra on-line. Os dois contam sobre uma expedição de 14 dias que realizaram juntos, percorrendo 1150 km pela Cordilheira dos Andes e o Deserto do Atacama. No vídeo, os dois explicam desde a construção do roteiro, os desafios enfrentados, até as recompensas que uma viagem como essa pode proporcionar.
Este texto foi originalmente publicado pelo Jornal da USP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.
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