Populações da ave pintada-vulturina mantêm sistema de organização complexo e “democrático”
Em estudo recente, uma equipe de cientistas alemães descobriu sinais de uma complexa organização social, baseada em um sistema democrático, entre aves selvagens da espécie pintada-vulturina, que pertence ao mesmo grupo das galinhas d’angola. Conduzido por pesquisadores do Instituto Max Planck de Comportamento Animal e do Centro de Excelência para o Estudo Avançado do Comportamento Coletivo da Universidade de Konstanz, na Alemanha, o estudo foi publicado na Science Advances e revelou que tomadas de decisão democráticas desempenham um papel essencial na redução de poder dos indivíduos dominantes: os machos alfa. Caso haja, por exemplo, monopolização de recursos por parte da ave dominante, a população subordinada passa a tomar a frente das decisões.
No reino animal, a liderança e a dominação frequentemente se confundem. Indivíduos de alto escalão na hierarquia social são assumidos como tomadores de decisão. Por isso, animais dominantes (machos, no caso da espécie pintada-vulturina) podem se beneficiar de sua posição, monopolizando recursos e induzindo conflitos internos no grupo. O estudo demonstra que a tomada de decisão compartilha reduz esses conflitos – e é justamente essa a estratégia das aves pintada-vulturina para evitar os prejuízos causados pelo abuso de poder do macho alfa.
Muitos grupos de animais decidem para onde ir por meio de um processo semelhante à votação, dando poder de decisão a todos os indivíduos igualmente. Em espécies que vivem em grupos estáveis, no entanto, o indivíduo dominante tende a monopolizar recursos, como alimentos e acesso a parceiros. Esse é o caso de alguns primatas e aves, como a pintada-vulturina.
Quando os indivíduos dominantes excluem os subordinados da partilha de alimentos, os subordinados iniciam um movimento coletivo para restaurar o equilíbrio de poder. Diante disso, as posições são trocadas: o alfa abandona a liderança e passa a seguir os comandos estabelecidos pelo grupo. Os resultados do estudo revelam o papel da tomada de decisão compartilhada na manutenção do equilíbrio de influência nas sociedades animais.
Pintadas-vulturinas são grandes pássaros nativos das savanas da África Oriental. Essas aves vivem em sociedades de vários níveis, formando grupos sociais que compreendem de 15 a mais de 60 indivíduos. Dentro desses grupos, há uma hierarquia de dominância clara. Como em lobos e primatas, o dominante, ou alfa, pode competir com outros membros do grupo e excluí-los da alimentação.
O estudo
Com rastreamento de vídeo e GPS de alta resolução em vários grupos de pintada-vulturina, durante vários anos, os cientistas monitoraram o comportamento dos animais e registraram todas as disputas entre os indivíduos para atribuir a cada um deles uma posição na hierarquia de dominação. As observações também permitiram entender quais aves iniciavam movimentos de partida de e para outros locais de alimentação, bem como a ordem dos indivíduos, do primeiro ao último.
Com isso, os cientistas descobriram que as tomadas de decisão nos grupos de pintadas-vulturinas dependiam diretamente das ações do indivíduo dominante. Eles perceberam que, quando os indivíduos dominantes monopolizavam um canteiro de alimentos particularmente rico, expulsando outros membros do grupo, os subordinados excluídos partiam em conjunto para para longe do canteiro, forçando os dominantes a abandonarem seus ricos recursos. Essas descobertas sugerem que a tomada de decisão democrática, em oposição à liderança despótica, evoluiu para que todos os membros do grupo pudessem compartilhar dos recursos que necessitam para sobreviver.
Babuínos também são democráticos
O pesquisador Damien Farine também já trabalhou com babuínos que residem no mesmo habitat de savana que as aves estudadas. Em pesquisas anteriores, ele descobriu que os animais dessa espécie podem “votar com os pés”, movendo-os em sua direção preferida. Todo o grupo segue, então, a decisão da maioria.
Para Farine, o recente estudo sobre as aves sugere que as decisões democráticas sobre os movimentos coletivos são uma peça-chave para a coesão do grupo, apesar das desigualdades no acesso aos recursos. Ao ser capaz de iniciar e fazer o grupo se afastar dos recursos monopolizados, a tomada de decisão democrática permite que os subordinados retomem o controle quando os dominantes abusam do poder que a posição hierárquica lhes garante.
As descobertas destacam como coletivos no reino animal podem reagir à crescente desigualdade entre os indivíduos. Segundo Farine, a tomada de decisão democrática é essencial para manter um equilíbrio de poder em sociedades nas quais o trabalho em grupo é o segredo para a sobrevivência da espécie.