Desigualdade racial é o resultado de uma estrutura de poder que coloca uma etnia ou raça acima das outras de forma hierárquica, sendo uma parte do problema da desigualdade social como um todo. No Brasil, país marcado por quase 400 anos de escravidão e o último do mundo a aboli-la, a desigualdade racial é reflexo do racismo estrutural e traz consequências diversas aos grupos sociais envolvidos.
Para entender a desigualdade racial, é preciso compreender o significado do termo raça, seus usos, bem como as origens e o desenvolvimento do racismo.
O termo “raça” foi utilizado ao longo da história com conotações distintas. Na modernidade, segundo o advogado e filósofo Silvio Almeida, o termo passou a ser usado para se referir a categorias distintas de seres humanos.
Nesse estágio, o filósofo afirma que a raça opera a partir de dois registros básicos que se cruzam. O primeiro é raça como característica biológica (sendo atribuída por algum traço físico, como a cor da pele) e o segundo é raça como característica étnico-cultural, isto é, que se refere à origem, religião, à língua ou outros costumes.
Na história do Brasil e de outras sociedades, pessoas e grupos sociais disseminaram a existência de raças, destacando algumas como biologicamente superiores e outras como inferiores. A partir disso, nasce uma ideia dominante que perdura até os tempos atuais. Parte da população ainda entende o negro como um ser inferior e o indígena como selvagem.
A desigualdade racial é consequência de um processo histórico e político que pode variar de acordo com a sociedade e sua construção. A desigualdade racial no Brasil, por exemplo, está diretamente ligada à colonização e à escravidão.
Chegando ao país, os portugueses consideraram que as terras não tinham “donos” e, por isso, poderiam se apropriar e tirar proveito delas. Os indígenas eram mero empecilho para essa apropriação, mas, por serem considerados uma raça inferior, passaram a ser explorados, sendo utilizados como mão de obra para o trabalho.
Historiadores apontam que os indígenas estavam acostumados a um estilo de vida que dificultava a imposição por parte dos portugueses. Como alternativa, os colonizadores traziam africanos nos porões dos navios negreiros, sob condições tão sub-humanas que alguns morriam antes mesmo de chegar.
Só em 1888 (338 anos depois), a Lei Áurea foi assinada e marcou o fim da escravidão no Brasil. Essa assinatura, no entanto, não significou progresso. A partir daí, os negros escravizados se tornaram livres, mas não eram reconhecidos como cidadãos. Ainda vistos como raça inferior, os negros não tinham para onde ir nem haviam possibilidades ou maneiras de se sustentarem. Muitos se submeteram a trabalhos ainda em condições impiedosas.
Durante o século 19, mesmo com a abolição, imperavam teorias que valorizavam a raça branca. A ciência era utilizada para provar que os negros eram inferiores. Raimundo Nina Rodrigues, por exemplo, um médico brasileiro do final do século, defendeu no livro “As Raças Humanas” que os negros, índios e mestiços deveriam ter tratamento diferenciado, porque, segundo o autor, a constituição mental deles seria diferente.
Teorias do branqueamento racial, em consonância, defendiam que a sociedade só avançaria culturalmente e geneticamente se diminuísse o excesso de negros, misturando as raças. Todo esse processo histórico, político e social fez com que o racismo perdurasse e se estruturasse em diferentes níveis.
Silvio Almeida apresenta três concepções de racismo: individualista, institucional e estrutural. O racismo, segundo a concepção individualista, é visto como uma espécie de patologia ou anormalidade. Essa concepção pode até não admitir a existência do racismo, considerando que exista apenas um preconceito.
A tese do racismo institucional, por sua vez, é a de que a desigualdade racial existente na sociedade não é causada por indivíduos e grupos isoladamente, mas também pelas instituições que são dominadas por determinados grupos (brancos) com certos interesses políticos e econômicos. Essa concepção é um avanço nos estudos das relações raciais por entender que o racismo não está só no âmbito individual, mas ainda não explica todas as questões.
Por fim, há a concepção estrutural que aponta que o racismo é uma consequência da estrutura social, que inclui relações políticas, econômicas, jurídicas e até familiares. Há toda uma estrutura que vai culminar nas desigualdades sociais e raciais.
Em suma, a sociedade racista faz com que as instituições também sejam racistas e isso destina os privilégios e a prosperidade somente uma parcela da população, enquanto os negros e outros grupos permanecem subalternos.
As desigualdades raciais se manifestam na disparidade de oportunidades em relação à educação, cultura, distribuição de renda, entre outros fatores.
Uma sociedade racista faz com que determinados grupos sociais não tenham as mesmas oportunidades de acesso ao ensino. Na história do Brasil, houve verdadeira exclusão que, aos poucos e bem lentamente, com políticas públicas de ações afirmativas, foi mudando.
Nos anos 2000, o percentual de pretos e pardos que concluíram a graduação era de 2,2%. Em 2012, foi instituída a política de cotas, com a Lei n. 12.711 do Governo Federal, que reserva 50% das vagas em instituições de ensino superior aos estudantes de ensino médio em escolas públicas, estudantes oriundos de famílias com renda igual ou inferior a 1,5 salário mínimo e também àqueles autodeclarados pretos, pardos e indígenas.
Em 2017, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), coletados por meio das pesquisas PNAD (pesquisa nacional por amostra de domicílio), mostram que a taxa passou de 2,2% para 9,3%, quadriplicando o ingresso de negros na universidade.
A desigualdade econômica entre raças é grande, começando pela disparidade no mercado de trabalho. Dados do IBGE, de 2018, mostram que 64% dos desempregados são pretos e pardos. Trabalhadores brancos possuem renda 74% superior, em média, em relação a trabalhadores negros e pardos. Essa diferença de renda prevalece mesmo se os indivíduos tiverem o mesmo nível de educação. Os cargos gerenciais são ocupados majoritariamente por brancos (68,6%), enquanto os negros correspondem a 29,9%.
Ainda segundo o IBGE, o diferencial de salário por raça é maior do que por sexo e isso acontece devido à segregação ocupacional, oportunidades educacionais desiguais e remunerações inferiores em ocupações semelhantes. Entre os anos de 2012 e 2018, para cada R$ 1.000 recebidos por homens brancos, foram pagos R$ 758 para mulheres brancas, R$ 561 para homens pretos ou pardos e R$ 444 para mulheres pardas ou negras no mercado de trabalho.
A representatividade diz respeito aos negros ocupando espaços de poder e prestígio social. Segundo Silvio Almeida, essa representatividade colabora para acabar com as narrativas discriminatórias que sempre colocam minorias em locais de subalternidade.
Além disso, negros ocupando posições políticas, por exemplo, permite que hajam reinvindicações importantes para as minorias. O que se observa, no entanto, é uma disparidade nos cargos políticos também. Entre os deputados federais eleitos (dados de 2018), apenas 24,% são pretos ou pardos, enquanto 75,6% são brancos.
Em 2017, a taxa de homicídios foi de 16 entre as pessoas brancas e 43,4 entre as pretas ou pardas a cada 100 mil habitantes. Isso significa que uma pessoa preta ou parda tinha 2,7 vezes mais chances de ser vítima de homicídio intencional.
Em todos os grupos etários, a taxa de homicídios da população negra supera a da população branca. Mas a violência letal dos jovens pretos ou pardos de 15 a 29 anos é gritante: nesse grupo, em 2017, a taxa chegou a 98,5 por 100 mil habitantes, contra 34 entre os jovens brancos.
Além disso, de acordo com Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 405.811 pessoas negras foram mortas em uma década (2009 a 2019). Isso equivale, aproximadamente, ao número de habitantes em Palmas, capital de Tocantins.
Isso impacta a esperança de vida ao nascer e a probabilidade de morte dos negros ao alcançarem determinada idade. A longo prazo, as vítimas de violência estão mais propensas a desenvolverem doenças como depressão, vício em substâncias químicas, problemas de aprendizado, entre outros.
Para as mulheres negras ou pardas, as oportunidades são ainda mais desiguais. Como mencionado, na distribuição de renda, elas são as pessoas que ganham menos. A taxa de concluintes do ensino médio de mulheres negras também é menor (67,6%) comparado às brancas (81,6%). A taxa de homicídios de mulheres jovens negras ou pardas também é maior que a de mulheres brancas, sendo 10,1 contra 5,2 por 100 mil habitantes.
O racismo ambiental é um termo cunhado pelo líder afro-americano de direitos civis Dr. Benjamin Franklin Chavis Jr. que faz referência às formas desiguais pelas quais etnias vulnerabilizadas são expostas às externalidades negativas e a fenômenos ambientais nocivos como consequência de sua exclusão dos lugares de tomada de decisão.
O racismo ambiental está atrelado à injustiça ambiental, sendo um mecanismo pelo qual os menos favorecidos socioeconomicamente são sobrecarregados dos danos ambientais do processo econômico; ao mesmo tempo em que usufruem menos dos produtos do capitalismo ou têm o seu direito ao usufruto dos recursos naturais subtraído.
No Brasil, esses grupos costumam ser populações de baixa renda, mulheres, povos étnicos tradicionais, operários, extrativistas, geraizeiros (populações tradicionais dos cerrados do norte de Minas Gerais), pescadores, pantaneiros, caiçaras, vazanteiros (povos que têm a vida ligada ao rio), ciganos, pomeranos (povo alemão originário da Pomerânia), comunidades de terreiro, faxinais, negros urbanos, ribeirinhos, indígenas e quilombolas.
Todos esses fatores apresentados que estão atrelados à desigualdade racial levam a um processo cumulativo. Mesmo com acesso a oportunidades, grande parte da população negra convive com as consequências da desigualdade que dificultam o progresso na sociedade.
As “causas cumulativas” são abordadas pelo economista Gunnar Myrdal e exemplificadas por Silvio Almeida: “se pessoas negras são discriminadas no acesso à educação, é provável que tenham dificuldade para conseguir um trabalho, além de terem menos contato com informações sobre cuidados com a saúde. Consequentemente, dispondo de menor poder aquisitivo e menos informação sobre cuidados com a saúde, a população negra terá mais dificuldade não apenas para conseguir um trabalho, mas para permanecer nele.”
Para a transformação da sociedade, portanto, é preciso levar em consideração a questão de raça.
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