Em 2016, 7.989 km² de floresta viraram cinza na Amazônia, causando emissão de carbono equivalente a duas vezes à de Portugal; governo reage aumentando transparência de cadastro rural
O desmatamento na Amazônia subiu pelo segundo ano consecutivo em 2016. A taxa de devastação foi de 7.989 quilômetros quadrados (km²), 29% superior à de 2015 – que, por sua vez, já havia sido 24% maior que no ano anterior.
É o maior aumento na velocidade do desmatamento desde 2008, ano em que um pico de devastação fez o governo endurecer a vigilância e cortar crédito de fazendeiros nos municípios mais críticos. É também o maior aumento percentual desde 2001, empatado com 2013. A área perdida equivale a 5,3 vezes a cidade de São Paulo. No acumulado, somente nesta década a Amazônia perdeu o equivalente a meio Panamá.
A estimativa anual do Prodes, o sistema de monitoramento por satélite que calcula a taxa oficial, foi postada no site do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) no fim do dia 29 de novembro. Diferentemente dos anos anteriores, não houve anúncio formal em entrevista coletiva. Pela manhã, o ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho (PV-MA) chegou a anunciar que divulgaria o número, mas recuou na sequência, limitando-se depois a dizer a jornalistas que aguardassem a publicação das informações pelo Inpe.
Série histórica dos dados de desmatamento, com os últimos dois anos de subida
Segundo o Observatório do Clima apurou, o número estava na mesa do ministro Gilberto Kassab (Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações) desde pelo menos a conferência do clima de Marraquexe. Embora o aumento viesse sendo antecipado há meses pelos técnicos do governo, a estimativa final da taxa levantou sobrancelhas em Brasília – as apostas giravam em torno de sete mil km², e o dado final chegou a quase oito mil km².
O Pará respondeu sozinho por quase 40% da área de floresta perdida no bioma Amazônia entre agosto de 2015 e julho de 2016 (o “ano fiscal” do desmatamento é medido nos 12 meses de agosto a julho seguinte): foram 3.015 quilômetros quadrados, ou duas cidades de São Paulo. Mato Grosso ficou em segundo, como de praxe, com 1.508 quilômetros quadrados – uma queda de 6% em relação ao ano anterior. O maior salto na devastação ocorreu no estado do Amazonas: 54% de aumento, deixando o estado em quarto lugar entre os campeões da motosserra em 2016.
O novo pico no corte raso na Amazônia terá implicações diretas sobre as metas brasileiras contra as mudanças climáticas. Segundo Tasso Azevedo, coordenador do Sistema de Estimativa de Emissão de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima (Seeg), o desmatamento deste ano acrescenta 130 milhões de toneladas de gás carbônico equivalente às emissões do Brasil. “É o mesmo que o estado de São Paulo, o mais populoso do país, emitiu em todo o ano de 2015, ou duas vezes a emissão anual de Portugal”, compara Azevedo.
Em 2009, o Brasil lançou o compromisso internacional de reduzir o desmatamento na Amazônia em 80% até 2020. As duas altas consecutivas desviam o país da trajetória. “O número deste ano é duas vezes maior que a meta assumida para 2020, que é de 3.925 quilômetros quadrados”, prossegue o coordenador do Seeg.
“O número é a colheita do que se plantou nas políticas nos últimos anos: anistia a desmatadores no Código Florestal, abandono da criação de áreas protegidas e demarcação de terras indígenas e o passa-vergonha da meta para florestas do Brasil na ONU”, disse Marcio Astrini, coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace. A meta à qual ele se refere é a NDC, de 2015, que prevê eliminar apenas o desmatamento ilegal – e apenas até 2030.
Segundo Sarney Filho, “uma série de elementos” colaborou para a elevação: “Tivemos problemas de gestão, uma transição de governo e a repercussão de três anos de mudança no Código Florestal”, afirmou. É a primeira vez que um ministro reputa ao código, enfraquecido por pressão da bancada ruralista durante o governo Dilma, a elevação na velocidade de destruição da maior floresta tropical do mundo.
Para tentar conter a sangria, o Ministério do Meio Ambiente anunciou nesta terça-feira uma medida que deve aumentar ainda mais a fúria dos ruralistas contra Sarney: a interface pública do Cadastro Ambiental Rural (CAR), instrumento criado justamente pelo Código Florestal para permitir o monitoramento das áreas de vegetação nativa em propriedades particulares (leia mais aqui).
O cadastro é pré-requisito para a anistia de multas para quem desmatou de forma irregular antes de 2008. Também só com ele é possível aderir aos programas de regularização ambiental (PRA), por meio dos quais a multa é convertida em recuperação das áreas devastadas ilegalmente.