A despavimentação pode ser uma aliada na prevenção de inundações e outras consequências da crise climática
Despavimentação, uma tradução livre do inglês “depaving”, é o ato de remover superfícies impermeáveis, como o concreto e o asfalto, em áreas urbanas, e substituí-las por superfícies permeáveis. A prática existe desde pelo menos 2008, quando o grupo Depave, de Portland, nos Estados Unidos, foi fundado.
O objetivo da despavimentação é possibilitar que a água penetre no solo, o que reduz as inundações em épocas de chuvas fortes — promovendo a “esponjosidade” das cidades. Além disso, a prática também promove outros benefícios, adicionando áreas verdes em locais “cinzas”.
Segundo o grupo Depave, o ato também “capacita comunidades desfavorecidas a superar injustiças sociais e ambientais e a adaptar-se às mudanças climáticas através da reflorestação urbana”. (1)
Qual é o problema do asfalto?
Embora áreas asfaltadas sejam necessárias para o trânsito urbano e favoráveis para o deslocamento da população, o asfalto traz diversos impactos ambientais. Ele tem propriedade impermeável à água, potencializando os efeitos negativos de enchentes e outros fenômenos ambientais que prejudicam a população.
Porém, não é só isso. A produção do asfalto também contribui para o seu impacto ambiental. Derivado do petróleo, a sua produção depende de métodos de perfuração, mineração e processamento — que exigem muita energia e são responsáveis por grande parte das emissões de gases do efeito estufa.
E, mesmo depois de aplicado, o asfalto continua gerando impactos. Ele contribui, por exemplo, para a poluição da água — a percolação da água no pavimento acaba contaminando lagos, rios, riachos e oceanos.
Devido a esses e outros problemas, métodos como a despavimentação são comumente promovidos como ajudantes da adaptação climática.
É importante notar, contudo, que o objetivo da despavimentação não é causar a ruralização de grandes cidades e centros urbanos. De fato, o propósito do movimento, segundo o grupo que o idealizou, é minimizar o uso do asfalto e transformar áreas inutilizadas, como estacionamentos, em áreas verdes.
Por que despavimentar?
Com as mudanças climáticas, eventos de chuvas climáticas extremas continuam ameaçando cada vez mais a população de áreas urbanas. E, embora as enchentes sejam uma resposta natural de corpos d’água, ações antrópicas são condicionais para o aumento de suas frequências.
Além da impermeabilização do solo, a degradação da vegetação original, retificação de cursos d’ água e lançamentos de entulhos nas margens e canais de drenagem características de centros urbanos favorecem o acontecimento das enchentes.
Ilhas de calor
Por outro lado, o pavimento também aumenta as temperaturas do verão nas cidades e subúrbios. Este “efeito de ilha de calor” nas zonas urbanas aumenta frequentemente as temperaturas, que ficam mais altas do que nas zonas rurais circundantes.
Isto, por sua vez, aumenta a necessidade de eletricidade para alimentar ventiladores e unidades de ar condicionado. (2)
Já foi comprovado que uma única árvore jovem tem a mesma capacidade de cinco ares-condicionados trabalhando 20 horas por dia. Isso se dá devido à transpiração desses organismos, que faz com que a água que evapora das folhas das plantas possam auxiliar no resfriamento de centros urbanos.
De acordo com o professor de biomecânica da Universidade de Hull, Roland Ennos, as árvores podem ajudar a fornecer resfriamento de duas maneiras: pela transpiração e providenciando sombra. Ennos alega que a maior parte do poder de resfriamento das árvores é um resultado do sombreamento.
O calor é relacionado à quantidade de radiação eletromagnética que o ser humano emite e absorve ao seu redor. As árvores, nesses casos, são capazes de bloquear até 90% da radiação solar, aumentando a quantidade de calor que o ser humano perde para o ambiente ao resfriar o solo. Assim, a sombra das árvores é capaz de reduzir a temperatura ambiente entre sete a 15ºC, dependendo da latitude do local.
Porém, os benefícios da despavimentação não são limitados apenas às árvores. A cobertura vegetal e a implementação do solo natural já oferecem inúmeros benefícios à população.
Benefícios da cobertura vegetal em áreas urbanas e da despavimentação
De acordo com o grupo da Depave, os benefícios da vegetação urbana incluem:
- Resfriamento de residências e escritórios, protegendo a população contra raios solares e ventos fortes.
- Resfriamento ambiental pela evapotranspiração da chuva nas folhas.
- Melhoria estética das áreas e benefícios psicossociais associados à vegetação.
- Melhorar a qualidade do ar removendo partículas poluentes e dióxido de carbono do ar enquanto produz oxigênio.
- Privacidade visual e redução do ruído da rua.
- Restauração do habitat local para pássaros, insetos e outros animais selvagens.
- E se a terra previamente pavimentada for utilizada para agricultura, isso fornece alimentação e nutrição aos residentes locais.
Veja abaixo o vídeo, em inglês, do grupo Depave e como os voluntários da organização conseguiram transformar um estacionamento abandonado em uma área verde comunitária:
Projetos de despavimentação no mundo
O grupo Depave foi responsável pela despavimentação de mais de 33 mil m² de asfalto somente em Portland desde 2008 – uma área equivalente a quase quatro campos e meio de futebol americano. Katherine Rose, diretora de comunicação e engajamento da organização, diz que os esforços de seu grupo significam que aproximadamente 24,5 milhões de galões de água da chuva são desviados da entrada em bueiros a cada ano.
Uma ONG do Canadá, a Green Venture, foi inspirada pelo movimento e instalou campanhas de despavimentação na cidade de Hamilton, onde voluntários começaram a inserir jardins em miniatura repletos de árvores nativas em um distrito.
“Antes, era um lugar por onde você tentava passar rapidamente. Agora há lugares onde você pode parar ou conversar”, disse Giuliana Casimirri, diretora executiva da Green Venture à BBC.
Em Hamilton, as inundações podem fazer com que o esgoto se misture ao escoamento que flui para o Lago Ontário, a fonte de água potável da cidade. Portanto, esses e outros métodos usados para aumentar a permeabilidade da área foram amplamente explorados.
Além disso, em Leuven, Bélgica, só em 2023, líderes do projeto de adaptação climática Life Pact de Leuven, estimam que a remoção de 6.800 m² de revestimento duro permitiu a infiltração de mais de 1,7 milhão de litros de água no solo.
Como implementar esses projetos?
Apesar de existirem voluntários que produzem obras de despavimentação em suas casas ou com autorização do governo em áreas específicas, acredita-se que o movimento possa ser mais eficiente através do impulsionamento de regulamentações oficiais.
“Com as mudanças climáticas, os eventos climáticos extremos de chuva vão aumentar e, portanto, [a despavimentação] não é algo bom de se ter – é uma necessidade”, explica Casimirri, da Green Venture.
“Vamos precisar de uma escala de investimento que tenha muito mais zeros”, diz Thami Croeser, da Universidade RMIT, Centro de Pesquisa Urbana de Melbourne.
“Os esforços comunitários em calçadas e ruas locais com permissão são fantásticos”, acrescenta, “mas é ainda melhor pensar na despavimentação e na ecologização como a introdução de um novo tipo de infra-estrutura em uma cidade.