Alimentos da dieta alcalina proporcionam benefícios reais, mas não está provado se isso tem a ver com pH
A dieta alcalina é baseada na ideia de que substituir alimentos que formam ácidos por alimentos alcalinos pode melhorar a saúde. Tem-se afirmado que manter uma dieta alcalina possibilita a cura de diversas doenças, incluindo doenças ósseas, como a osteoporose, e até mesmo câncer. Não há consenso científico sobre os benefícios de uma dieta alcalina. Por outro lado, alguns estudos sugerem que uma dieta alcalina tem benefícios reais.
Um estudo publicado pela revista PubMed afirma que a dieta alcalina pode trazer uma série de benefícios para a saúde, incluindo:
- O aumento do consumo de frutas e vegetais incluídos em uma dieta alcalina melhoraria a relação potássio/sódio, podendo beneficiar a saúde óssea e reduzir a perda de músculos, bem como mitigar outras doenças crônicas, como hipertensão e derrame;
- Uma dieta alcalina resultaria em um aumento do hormônio do crescimento, o que pode melhorar muitos aspectos da saúde cardiovascular, memória e cognição;
- Um aumento no consumo de alimentos ricos em magnésio (um nutriente alcalinizador), que é necessário para a função de muitos sistemas enzimáticos, é outro benefício da dieta alcalina. O magnésio é necessário para ativar a vitamina D e o aumento da sua concentração, portanto, melhora a concentração de vitamina D;
- A alcalinidade pode resultar em benefício adicional para alguns agentes quimioterapêuticos que requerem um pH maior, ou seja, mais alcalino.
De acordo com o próprio estudo, a partir das afirmações acima seria necessário considerar uma dieta alcalina para reduzir a morbidade e a mortalidade de doenças crônicas.
Segundo o estudo, uma das primeiras considerações em uma dieta alcalina, que inclui mais frutas e vegetais, é saber o tipo de solo em que os alimentos foram cultivados, pois isso pode influenciar significativamente o conteúdo mineral.
Como funciona
O metabolismo pode ser definido, basicamente, como a conversão de alimentos em energia, sendo comparado ao fogo, pois ambos envolvem uma reação química que quebra uma massa sólida. No entanto, as reações químicas do organismo acontecem de maneira lenta e controlada.
Quando as coisas queimam, um resíduo de cinza é deixado para trás. Da mesma forma, os alimentos que você ingere deixam um resíduo de “cinza” conhecido como lixo metabólico. Esses resíduos metabólicos podem ser alcalinos, neutros ou ácidos. Os defensores da dieta alcalina afirmam que os resíduos metabólicos podem afetar diretamente a acidez do organismo. Em outras palavras, se você comer alimentos que deixam cinzas ácidas, isso torna seu sangue mais ácido. Se você comer alimentos que deixam cinzas alcalinas, isso torna seu sangue mais alcalino.
De acordo com a hipótese da cinza ácida, acredita-se que a cinza ácida aumenta a vulnerabilidade a doenças e enfermidades, enquanto a cinza alcalina é considerada protetora. Ao escolher alimentos mais alcalinos, você poderá “alcalinizar” seu corpo e melhorar sua saúde.
Os componentes dos alimentos que deixam uma cinza ácida incluem proteínas, fosfato e enxofre, enquanto os alcalinos incluem cálcio, magnésio e potássio (1, 2). Certos grupos de alimentos são considerados ácidos, alcalinos ou neutros:
- Ácidos: carnes, aves, peixes, laticínios, ovos, grãos, álcool
- Neutro: gorduras naturais, amidos e açúcares
- Alcalino: frutas, nozes, legumes e vegetais
Níveis regulares de pH do corpo
Para entender a dieta alcalina, é importante entender o pH. Simplificando, o pH é uma medida de quão ácido ou alcalino algo é.
O valor de pH varia de 0 a 14, em que:
- Ácido : 0,0-6,9
- Neutro: 7,0
- Alcalino (ou básico): 7,1-14,0
Os defensores da dieta alcalina sugerem que as pessoas monitorem o pH de sua urina para garantir que ela seja alcalina (acima de 7) e não ácida (abaixo de 7). No entanto, é importante notar que o pH varia muito dentro do organismo. Enquanto algumas partes são ácidas, outras são alcalinas – não há um nível definido.
O estômago, por exemplo, está carregado de ácido clorídrico, o que lhe dá um pH de 2 a 3,5, que é altamente ácido. Essa acidez é necessária para decompor os alimentos. Por outro lado, o sangue humano é sempre ligeiramente alcalino, com um pH de 7,36-7,44 (3). Quando o pH do sangue sai da faixa normal, pode ser fatal se não for tratado (4). Mas isso só acontece durante certos estados de doença, como cetoacidose causada por diabetes, fome ou ingestão de álcool (5, 6, 7).
Os alimentos afetam o pH da urina, mas não o sangue
É fundamental para a saúde que o pH do sangue permaneça constante. Se sai da faixa normal, as células param de funcionar e o quadro leva a óbito se não tratado. Por esse motivo, o corpo tem muitas maneiras eficazes de regular o equilíbrio do pH. Isso é conhecido como homeostase ácido-base. É quase impossível para os alimentos alterarem o valor do pH do sangue em pessoas saudáveis, embora pequenas flutuações possam ocorrer dentro da faixa normal.
No entanto, a comida pode alterar o valor do pH da urina – embora o efeito seja algo variável (1, 8). A excreção de ácidos na urina é uma das principais formas de o corpo regular o pH do sangue.
Ao ingerir um pedaço grande de bife, por exemplo, a urina fica mais ácida horas depois, à medida que o corpo remove os resíduos metabólicos do sistema. Portanto, o pH da urina é um indicador pobre do pH geral do corpo e da saúde geral.
Alimentos formadores de ácido e osteoporose
A osteoporose é uma doença óssea progressiva caracterizada por uma diminuição no conteúdo mineral ósseo. É particularmente comum entre mulheres na pós-menopausa e pode aumentar drasticamente o risco de fraturas. Os defensores da dieta alcalina acreditam que para manter um pH sanguíneo constante, o corpo retira minerais alcalinos, como o cálcio dos ossos, para tamponar os ácidos dos alimentos formadores de ácido.
De acordo com essa teoria, as dietas formadoras de ácido, como a dieta ocidental padrão, causam uma perda na densidade mineral óssea. Mas essa teoria ignora a função dos rins, que são fundamentais para remover ácidos e regular o pH do corpo. Os rins produzem íons de bicarbonato que neutralizam os ácidos no sangue, permitindo que o corpo controle de perto o pH do sangue (9).
O sistema respiratório também está envolvido no controle do pH do sangue. Quando os íons de bicarbonato dos rins se ligam aos ácidos no sangue, eles formam dióxido de carbono, que são expelidos na urina.
A hipótese das cinzas-ácidas também ignora um dos principais motores da osteoporose – uma perda de proteína colágeno do osso (10, 11). Ironicamente, essa perda de colágeno está fortemente ligada a baixos níveis de dois ácidos – ácido ortossilícico e ácido ascórbico, ou vitamina C – na dieta (12).
Lembre-se de que as evidências científicas que associam o ácido da dieta à densidade óssea ou ao risco de fratura são controversas. Embora muitos estudos observacionais não tenham encontrado nenhuma associação, outros detectaram uma ligação significativa (13, 14, 15, 16, 17). Os ensaios clínicos, que tendem a ser mais precisos, concluíram que as dietas formadoras de ácido não têm impacto sobre os níveis de cálcio no corpo (9, 18, 19).
No mínimo, essas dietas melhoram a saúde óssea, aumentando a retenção de cálcio e ativando o hormônio IGF-1, que estimula a reparação de músculos e ossos (20, 21). Como tal, uma dieta rica em proteínas e formadora de ácido está provavelmente associada a uma melhor saúde óssea – não pior.
Acidez e câncer
Muitas pessoas argumentam que o câncer só cresce em um ambiente ácido e pode ser tratado ou mesmo curado com uma dieta alcalina. No entanto, análises abrangentes sobre a relação entre acidose induzida por dieta – ou aumento da acidez no sangue causada pela dieta – e câncer concluíram que não há ligação direta (22, 23). Primeiro, a comida não influencia significativamente o pH do sangue (8, 24).
Em segundo lugar, mesmo que você presuma que os alimentos podem alterar drasticamente o valor do pH do sangue ou de outros tecidos, as células cancerosas não estão restritas a ambientes ácidos. Na verdade, o câncer cresce no tecido normal do corpo, que tem um pH ligeiramente alcalino de 7,4. Muitos experimentos desenvolveram células cancerosas com sucesso em um ambiente alcalino (25).
E enquanto os tumores crescem mais rápido em ambientes ácidos, os próprios tumores criam essa acidez. Não é o ambiente ácido que cria as células cancerosas, mas as células cancerosas que criam o ambiente ácido (26).
Dietas ancestrais e acidez
Examinar a teoria da dieta alcalina de uma perspectiva evolucionária e científica revela discrepâncias. Um estudo estimou que 87% dos humanos pré-agrícolas mantinham dietas alcalinas e formaram o argumento central por trás da dieta alcalina moderna (27). Pesquisas mais recentes estimam que metade dos humanos pré-agrícolas ingeriam dietas formadoras de alcalinidade, enquanto a outra metade consumia dietas formadoras de ácido (28).
Lembre-se de que nossos ancestrais remotos viveram em climas muito diferentes, com acesso a diversos alimentos. Na verdade, as dietas formadoras de ácido eram mais comuns à medida que as pessoas se mudavam para o norte do equador, longe dos trópicos (29). Embora cerca de metade dos caçadores-coletores estivessem mantendo uma dieta formadora de áciddo, acredita-se que as doenças modernas tenham sido muito menos comuns (30).
O veredito
A dieta alcalina é bastante saudável, pois incentiva uma alta ingestão de frutas, vegetais e outros alimentos saudáveis, restringindo os alimentos industrializados de baixa qualidade. No entanto, a noção de que a dieta melhora a saúde por causa de seus efeitos alcalinizantes é controversa. Essas afirmações não foram comprovadas por nenhum estudo humano confiável. Alguns estudos sugerem efeitos positivos em um subconjunto muito pequeno da população. Especificamente, uma dieta alcalina de baixa proteína pode beneficiar pessoas com doença renal crônica (31).
Em geral, a dieta alcalina é saudável porque se baseia em alimentos integrais e não processados. Mas nenhuma evidência confiável sugere que tenha algo a ver com os níveis de pH.