Direito ao Conserto: o que é e por que lutar por ele

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Direito ao Conserto” ou “Direito de Consertar” (do original em inglês “Right no Repair”) é um movimento que luta pela implementação de leis que garantam opções de conserto de eletrônicos acessíveis aos consumidores. 

A ideia é evitar o crescente aumento do lixo eletrônico, muitas vezes descartado antes do necessário por conta de estratégias dos fabricantes como a obsolescência programada e o preço alto da reparação.

O que é obsolescência programada?

A obsolescência programada, também chamada de obsolescência planejada, é uma técnica utilizada por fabricantes para forçar a compra de novos produtos, mesmo que os que você já tem estejam em perfeitas condições de funcionamento. 

Ela consiste em produzir itens já estabelecendo o término da vida útil deles. Esse conceito surgiu entre 1929 e 1930, tendo como pano de fundo a Grande Depressão, e visava incentivar um modelo de mercado baseado na produção em série e no consumo, a fim de recuperar a economia dos países naquele período.

O maior problema dessa estratégia é que, além de lesar o consumidor, ela causa um enorme desperdício de recursos naturais e uma geração desnecessária de lixo – um lixo que, em muitos casos, é enviado para os países pobres como produtos de segunda mão. 

Equipamentos eletrônicos contêm materiais contaminantes como o plástico, que demora de 100 a mil anos para se degradar. Além disso, eles possuem outras substâncias altamente poluentes.

Segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), das 2,5 milhões de toneladas de chumbo geradas anualmente em todo o mundo, três quartos desse total vão para a produção de baterias, que são utilizadas em carros, telefones e laptops ou indústrias.

Ainda segundo o Pnuma, o Brasil é o país emergente que mais gera lixo eletrônico por pessoa a cada ano, em virtude da (relativa) estabilidade econômica e da facilidade de obtenção de crédito. Entretanto, não há no país um destino correto para esse tipo de resíduo.

Por que você tem Direito ao Conserto?

Há alguns anos, o que você fazia quando algum eletrônico parava de funcionar era simples: levar para consertar. As empresas fabricantes forneciam manuais e peças para reposição das quebradas. 

No entanto, essa prática tem se tornado cada vez menos comum, e o acesso às assistências técnicas ficou muito mais complicado. Nas autorizadas, os reparos são em geral muito caros e demorados; já as pequenas lojas não têm acesso às peças originais e, muitas vezes, são legalmente proibidas de mexer em determinados aparelhos.

O consumidor, então, se vê diante de um aparelho ainda funcional, com algum pequeno defeito, mas cujo conserto sai quase pelo preço de um novo – ou não é 100% garantido, já que as oficinas de reparo autônomas usam peças alternativas, em geral importadas de países como a China.

Por isso, nos Estados Unidos, tem crescido o movimento pela aprovação de uma lei que garanta o direito de reparar eletrônicos.

O Direito ao Conserto nos EUA

Desde que começou, no começo de 2017, a ideia já conseguiu o apoio de 18 estados norte-americanos, sendo que a Califórnia foi o mais recente a propor um projeto de lei que pode tornar disponíveis diagnósticos, reposição de peças e instruções de reparos para consumidores e vendedores independentes sem que eles tenham de arcar com custos altos de reparos.

Em todo o país, no entanto, os projetos de lei enfrentam grande resistência das empresas de tecnologia, sendo a Apple uma das principais antagonistas do direito de reparar. Os fabricantes afirmam que a lei poderia infringir patentes e estimular a pirataria. Enquanto isso, continuam aplicando a obsolescência programada, por meio de estratégias que impedem que os usuários utilizem seus iPhones mais antigos, por exemplo.

Nossos dispositivos eletrônicos têm um impacto ambiental sério, e uma das melhores maneiras de mitigar o problema é usá-los o máximo possível antes de substituí-los. Mas é difícil saber quanto tempo um novo dispositivo vai durar se você não tiver certeza de que será possível consertá-lo caso seja necessário. 

França é precursora no Direito ao Conserto

Em uma ação exemplar, a Assembleia Nacional Francesa votou, em 2020, a instituição de um índice de classificação de “reparabilidade”, passando a exigir que os fabricantes de certos dispositivos eletrônicos, incluindo smartphones e laptops, avisassem aos consumidores quão reparáveis ​​seus produtos são. 

Os fabricantes que vendem esses dispositivos na França devem dar a seus produtos uma pontuação, ou “classificação de reparabilidade”, com base em uma série de critérios, incluindo a facilidade de desmontagem do produto, preço das peças de reposição, disponibilidade de peças e documentos técnicos. 

Ao fazer isso, o governo francês espera aumentar a taxa de conserto de dispositivos eletrônicos em 60% até 2026. O índice de reparabilidade representa parte do esforço da França para combater a obsolescência planejada, a criação intencional de produtos com uma vida útil finita que precisam ser substituídos com frequência e uma ação da economia circular, em que o desperdício é minimizado.

A iniciativa também tem implicações globais. Os defensores acreditam que o índice servirá como um teste para que outras nações pensem em regulamentações semelhantes, ajudando os consumidores a fazer melhores escolhas e, com sorte, incentivando as empresas a fabricar mais dispositivos reparáveis.

Consumidores e o Direito ao Conserto

Os dispositivos do consumidor pertencem aos consumidores. É do interesse público disponibilizar aos usuários uma maneira de reparar os itens que adquirem e responsabilizar as empresas que não prestam suporte aos clientes. Uma lei protegeria os consumidores da obsolescência planejada.

Quando um telefone é danificado, o usuário deveria ter o direito, como proprietário do aparelho, de tentar consertá-lo. Se você precisa substituir um telefone celular toda vez que ele funcionar de maneira inadequada ou parar de funcionar completamente, será que esse produto realmente pertence a você?

Cliente versus fabricante

O Direito ao Conserto é uma batalha acirrada entre o cliente e o fabricante, mas parece que o consumidor terá mais poder no futuro. Isso significa mais direitos para abrir, puxar, desbloquear e reparar os eletrônicos que compram – e menos monopólio para os fabricantes.

Oficinas de reparos independentes e qualquer consumidor preocupado podem lutar contra as empresas por meio da legislação de Direito de Reparação. Embora as leis propostas e aplicadas variem, o objetivo é acabar com o monopólio dos reparos e tornar as informações sobre os reparos algo que todos possamos usar.

O seu Direito ao Conserto é assegurado pela lei

No Brasil, o Código de Defesa do Consumidor, criado pela Lei 8.078/90, protege a segurança do consumidor. O artigo 32 prevê que “os fabricantes e importadores deverão assegurar a  oferta de componentes e peças de reposição enquanto não cessar a fabricação ou importação do produto”. 

O artigo 13 do Decreto 2.181 de 1997 ainda considera como prática infrativa “deixar de assegurar a oferta de componentes e peças de reposição, enquanto não cessar a fabricação ou importação do produto, e, caso cessadas, de manter a oferta de componentes e peças de reposição por período razoável de tempo, nunca inferior à vida útil do produto ou serviço”.

Se você tem um produto que a empresa fabricante se recusa a reparar por indisponibilidade de peças ou valores abusivos, busque seus direitos. Você tem o direito de consertar um bem que pertence a você. 

Isabela

Redatora e revisora de textos, formada em Letras pela Universidade de São Paulo. Vegetariana, ecochata na medida, pisciana e louca dos signos. Apaixonada por literatura russa, filmes de terror dos anos 80, política & sociedade. Psicanalista em formação. Meu melhor amigo é um cachorro chamado Tico.

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