Duas cidades brasileiras buscam abordagens locais inovadoras para a crise climática

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Por Camila Alberti, Ariadne Samios e Isadora Freire, do WRI Brasil | A mitigação das mudanças climáticas e a adaptação aos riscos gerados por eventos extremos mais frequentes demandam uma transformação rápida e radical das cidades de todo o mundo, uma vez que elas são responsáveis pela maior parte das emissões globais de gases de efeito estufa. Os impactos de um clima em transformação, no entanto, não são compartilhados de modo uniforme por todas as cidades, e quem sente os seus efeitos mais intensos são justamente as populações mais vulnerabilizadas. Para transformações urbanas de baixo carbono inclusivas e adaptadas aos diferentes contextos urbanos, é necessário aproximar a agenda global do clima à escala local – às pessoas que vivem e conhecem os seus territórios.

O projeto Alianças para Transformação Urbana (TUC, na sigla em inglês) busca a mobilização de pessoas e recursos locais para impulsionar a cocriação de soluções inovadoras que acelerem e deem escala a transformações urbanas rumo à sustentabilidade e ao carbono zero. Das cinco cidades latino-americanas escolhidas para a realização do projeto nos próximos anos, duas ficam no Brasil e já estão testando novas formas de inovação social e governança em laboratórios urbanos. A partir dos conhecimentos gerados, Recife e Teresina podem ajudar outras cidades pelo país a estimular o potencial de suas comunidades rumo a um futuro mais sustentável.

Diversidade e participação em busca de ações transformadoras

Os laboratórios urbanos são localidades nas cidades onde novas abordagens, ferramentas e soluções são cocriadas, testadas e executadas. O objetivo é gerar um ambiente de inovação para solucionar problemas antigos olhando para o futuro.

Para promover os laboratórios, foram formadas coalizões, grupos de pessoas que representam diferentes setores da sociedade (governo local, cidadãos, pesquisadores, ONGs, empresas etc.) e que estão interessadas em promover um processo de governança urbana colaborativa para a resolução de problemas locais. O desafio de ter pessoas tão diversas trabalhando juntas no laboratório se torna uma de suas fortalezas, pois enriquece o diálogo e a troca de experiências entre quem talvez não se encontrasse em outro ambiente. Para muitas dessas pessoas, é a primeira oportunidade de diálogo com o poder público.

A partir do conhecimento gerado pelos laboratórios, são formadas pontes entre soluções inovadoras e sustentáveis para os problemas dos territórios e um planejamento de longo prazo, com escalonamento ou replicação dos benefícios gerados. Os laboratórios também permitem novas formas de exercer uma governança urbana inclusiva, diversa e colaborativa, de modo que haja integração entre atores que usualmente não dialogam entre si e participação ativa da sociedade civil em todos os estágios do processo, da concepção à implementação das soluções.

No Brasil, Recife e Teresina começaram a desenvolver laboratórios urbanos em territórios bastante distintos entre si.

Em Teresina, um bairro isolado em busca de acesso a oportunidades

Em Teresina, o laboratório urbano acontece no Residencial Edgar Gayoso, conjunto habitacional construído através do Programa Minha Casa, Minha Vida – Faixa I. O local fica a cerca de 17 km do centro da capital do Piauí, o que obriga os moradores a viajar quase uma hora na única linha de ônibus que atende o residencial para acessar equipamentos e serviços públicos, empregos e oportunidades.

São mais de 450 residências praticamente isoladas, sem espaços públicos verdes e de lazer. A população tem elevada vulnerabilidade socioeconômica, que poderá ser agravada pelas mudanças do clima: Teresina é uma cidade extremamente quente e seca, faz parte do semiárido brasileiro, área em desertificação que está entre as que sofrerão os efeitos mais drásticos no planeta, conforme o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Em várias partes do Semiárido, isso significa verões com temperaturas frequentemente ultrapassando os 40°C.

A partir do diagnóstico da área e da coleta de sonhos e demandas da comunidade, a coalizão e os moradores do Edgar Gayoso cocriaram e planejaram uma primeira melhoria: transformar um trecho da avenida central do residencial que, além de ser uma centralidade e ter valor simbólico, é um dos poucos espaços públicos disponíveis. O projeto da intervenção conta com ampliação do canteiro central para criação de um espaço público com brinquedos, academia ao ar livre, cobertura para espera de ônibus e jardins, dentre outros. A segurança viária é assegurada por medidas de moderação de tráfego, como faixa de travessia elevada. No entorno, o plantio de vegetação e a pintura de murais por artistas locais e crianças trazem cor e alegria ao ambiente.

Essa primeira intervenção está sendo realizada pela coalizão local com apoio da prefeitura municipal, de doadores e de estudantes universitários, além da fundamental e ativa participação dos moradores do residencial. O segundo mutirão para finalização da intervenção ocorrerá em outubro, quando o novo canteiro central será inaugurado.

Em Recife, a integração de uma comunidade para gerar vitalidade na região central

O Bairro do Recife conta com vasto patrimônio histórico e cultural, equipamentos públicos e infraestrutura urbana consolidada ao longo das décadas, além de ser o cenário onde se desenrolam as atividades do parque tecnológico Porto Digital. Com todas essas características, esse local de fundação da cidade se tornou o bairro piloto para a inovação no Recife, onde são testadas e implementadas novas iniciativas.

Atualmente, porém, as transformações não são distribuídas no bairro de forma homogênea, de modo que coexistem na mesma ilha duas realidades: uma na porção centro-sul, onde estão concentrados os investimentos em inovação e reabilitação do patrimônio histórico e dos espaços públicos, e outra na porção norte, onde estão localizadas a recém homologada Zona Especial de Interesse Social (Zeis) do Pilar e as antigas indústrias e galpões que existiam em função da atuação do Porto do Recife.

A partir da compreensão dessas duas realidades do Bairro do Recife, bem como do potencial de inclusão social e neutralização de carbono ali existentes, a coalizão de atores definiu como perímetro do laboratório urbano uma área do bairro que inclui a Comunidade do Pilar e seu entorno. Ali já foram implementados projetos de outras iniciativas, mas nenhuma que gerasse uma transformação de longo prazo – a população da Zeis permanece ilhada em um bairro que recebe muitos investimentos.

Os principais desafios a serem enfrentados no laboratório urbano são de integração espacial, territorial e também socioeconômica, já que a maior parte da população local trabalha no comércio informal e não tem inserção no bairro. Por isso, a coalizão formada por sociedade civil – com destaque para a liderança da comunidade –, terceiro setor, poder público, dentre outros, tem como visão de futuro que o Bairro do Recife seja totalmente integrado em suas dinâmicas socioeconômicas e físico-territoriais, e que a Comunidade do Pilar pulse de forma integrada ao bairro, estimulando visibilidade e protagonismo das pessoas da comunidade.

Ao contrário do que ocorre em Teresina, o centro do Recife e o bairro do laboratório urbano vêm, num movimento recente, sendo foco de outros projetos, iniciativas e políticas. Diante disso, a coalizão decidiu tomar partido desse momento e apoiará alguns projetos alinhados com o laboratório, como hortas urbanas, iniciativas para a ciclomobilidade, cultura, destinação adequada de resíduos e geração de renda. Além disso, está sendo desenvolvida uma proposta de rota para a infância, com urbanização do entorno de uma praça e medidas que potencializem a segurança das crianças.

Colaboração global

O projeto Alianças para Transformação Urbana teve início com a formação das coalizões locais, e seguirá em duas fases para implementação de transformações urbanas e sistematização de aprendizados ao longo dos próximos anos. Atualmente, as coalizões estão elaborando os seus projetos catalisadores, que incluirão diversas iniciativas para iniciar processos que culminem na inclusão social e na mitigação de emissões nos seus territórios.

Além do Brasil, outras cidades pelo mundo também estão fazendo o mesmo. Ao todo, são cinco laboratórios urbanos acontecendo simultaneamente em três países da América Latina: Teresina e Recife, no Brasil; Buenos Aires, na Argentina; e Naucalpan e León, no México.

Em setembro, representantes de toda as coalizões de atores se reunirão pela primeira vez para trocar experiências e aprendizados. No futuro, o conhecimento gerado nos laboratórios poderá servir de inspiração para que outras cidades do Brasil e do mundo também busquem soluções inovadoras para uma transformação profunda e sistêmica que conduza a uma trajetória de desenvolvimento urbano de baixo carbono.

Este texto foi originalmente publicado por WRI Brasil de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.

Thaís Niero

Bióloga marinha formada pela Unesp e graduanda de gestão ambiental. Tentando consumir menos e melhor e agir para alcançar as mudanças que desejo ver na sociedade.

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