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Equações que descrevem os limites desse objeto astrofísico ajudam a prever trecho de estrada no qual a luz de freio do carro à frente se torna invisível para os motoristas

Por Marcos Pivetta em Pesquisa Fapesp | A redução da visibilidade dos motoristas em um comboio de carros envolto por uma forte neblina pode criar uma situação análoga à produzida por um buraco negro astrofísico. As mesmas equações matemáticas empregadas para determinar os limites dessa região densa do Universo da qual nada escapa, nem mesmo a luz, servem para discriminar o trecho mais perigoso de uma estrada em um cenário de muita névoa, no qual é alto o risco de haver acidentes por engavetamento de automóveis. Nessa espécie de buraco negro do tráfego veicular, os condutores não teriam tempo suficiente para reagir ao aviso luminoso proporcionado pelo acendimento da lanterna de freio do carro à sua frente para evitar a colisão.

“Nosso trabalho é uma prova de princípio”, explica o físico teórico George Matsas, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), autor principal de artigo publicado em setembro deste ano no American Journal of Physics em que propõe a existência desse análogo de buraco negro em certos trechos de uma estrada ou rodovia. “Inspirados pela teoria geral da relatividade, mostramos que os diagramas de espaço-tempo usados para seguir a evolução da informação em um buraco negro podem ser úteis para entender a dinâmica do tráfego veicular.” Orientada por Matsas, a mestranda Luanna Karen de Souza também assina o estudo. Se esse tipo de abordagem pode ser efetivamente de alguma valia para evitar acidentes automobilísticos, ainda é uma questão a ser eventualmente estudada em condições reais.

Segundo os pesquisadores, o perigoso trecho enevoado da estrada pode ser considerado um equivalente a um buraco negro formado no Universo porque ambos os fenômenos apresentam uma região delimitada no espaço e no tempo que marca o início de uma zona de não retorno da informação – o chamado horizonte de eventos. Conceito originalmente derivado da relatividade, ele representa a fronteira que separa a região interna da externa do buraco negro. Matéria, energia ou qualquer tipo de informação que cruza os limites do horizonte de eventos é atraído para o interior do buraco negro, uma região relativamente pequena, mas de densidade linear descomunal. Por isso, desde que tenha cruzado o horizonte de eventos, nada escapa do puxão gravitacional do buraco negro. Tudo que ultrapassa essa fronteira fica ali preso, sem nenhuma conexão com o que está fora.

Os cálculos de Matsas e Souza apontaram a existência de um fenômeno similar ao horizonte de eventos em um modelo simplificado que emula o comportamento de um comboio de carros em um trecho de estrada com visibilidade diminuída pela névoa. “A matemática usada no estudo é simples”, comenta o físico da Unesp. A dupla simulou carros se movendo a uma velocidade constante e separados pela mesma distância. O aparecimento de uma forte neblina força o primeiro veículo do comboio a brecar em um ponto da estrada. Ao pisar no freio e acender a luz traseira do automóvel, o motorista avisa o condutor do veículo imediatamente atrás para fazer o mesmo. É o início de uma cadeia de transmissão da informação luminosa que induz os automobilistas dos sucessivos veículos a desacelerar.

Nas simulações matemáticas, sempre que os motoristas pisavam no breque antes de um certo ponto da rodovia, não ocorriam acidentes. Todos os condutores conseguiam perceber o acionamento da luz de freio do carro à frente, desaceleravam e evitavam a colisão. A informação que sinaliza a ação de parar se disseminava sem problemas entre os membros do comboio. Mas, se um carro deixasse para frear depois daquele ponto, os veículos a partir de um certo trecho do comboio não tinham mais condições de brecar a tempo de evitar sucessivas batidas.

Esse ponto da estrada tomado pela névoa a partir do qual a informação luminosa não consegue se propagar para longe é o horizonte de eventos dessa espécie de buraco negro do tráfego veicular. A exemplo da matéria e da energia que perdem qualquer conexão com o mundo exterior ao entrarem dentro de um buraco negro cósmico, a informação luminosa dentro do horizonte de eventos do tráfego veicular não é acessível para quem está fora de sua fronteira. “A quebra dessa corrente de informação faz com que cada motorista freie cada vez mais dentro do horizonte de eventos e provoque acidentes”, comenta Matsas.

Para o físico-matemático Alberto Saa, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que não participou do estudo, a comparação proposta por Matsas no artigo é apropriada. “A analogia entre o que ocorre no horizonte de eventos de um buraco negro gravitacional e no trecho da estrada com névoa faz todo sentido”, diz ele. “A adoção de um modelo simplificado de tráfego veicular não é um problema da abordagem do trabalho. Ela apenas ressalta que, mesmo em um sistema com poucos elementos, surge uma região similar a um horizonte de eventos.”

A ideia de haver outras formas de buraco negro, além dos formados no Cosmo pela deformação gravitacional do tempo-espaço, não é nova. A existência de horizontes de eventos já foi proposta em diversas situações, como em condensados de Bose-Einstein, um agrupamento de átomos ou moléculas que se comportam como uma entidade única quando resfriados a temperaturas extremamente baixas. O análogo de buraco negro no tráfego veicular talvez seja a primeira proposta de uma região com essas características em uma situação da vida cotidiana.

Este texto foi originalmente publicado por Pesquisa Fapesp de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.


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