Imagem: Ramille Soares on Unsplash
Sem minimizar a tragédia da pandemia, a jornalista e editora da Revista Página22, Amália Safatle, listou alguns efeitos positivos que leu, viu e ouviu sobre a “coronacrise” e o confinamento social.
“Este breve inventário, produzido despretensiosamente e por ora sem aprofundamento, contou com diversas contribuições de amigos no Facebook, aos quais agradeço muito. Certamente incompleto, não se encerra aqui, da mesma forma que os efeitos de um evento tão avassalador como este ainda vão reverberar por bastante tempo, em uma dinâmica imprevisível”, comenta.
Confira a seleção da autora:
- Resgate da credibilidade na ciência;
- Resgate da confiança no jornalismo e valorização da verdade factual;
- Maior entendimento de que a globalização é incontestável e definitiva;
- Isolamento político dos líderes populistas e/ou autoritários em todo o mundo, à direita e à esquerda (embora haja controvérsias: alguns estão aproveitando a crise para ampliar os próprios poderes);
- Escancaramento da boçalidade dos apoiadores desses líderes;
- Prova da capacidade de liderança nos cargos executivos, públicos e privados;
- Maior noção do nosso impacto no meio ambiente, ao ver a natureza se recuperando sem a presença humana;
- Mais uma prova viva de que a agressão à natureza, com invasão de hábitats naturais e consumo de animais silvestres, produz eventos de saúde seríssimos, com imensos efeitos na sociedade e na economia;
- Percepção de quão importantes são os trabalhadores para a economia girar;
- Maior percepção sobre as desigualdades e a vulnerabilidade dos mais pobres e dos trabalhadores informais;
- Percepção da importância do Estado nos serviços essenciais, independente de qualquer política econômica liberal ou fiscalista;
- Questionamento sobre qual Estado será necessário no futuro;
- Possível fortalecimento dos sistemas públicos de saúde, ao mesmo tempo em que se mostram as lacunas dos sistemas de saúde privados;
- Percepção de que boa parte do trabalho e das reuniões pode ser resolvida online, reduzindo poluição e deslocamentos desnecessários;
- Simplificação de processos e rituais no trabalho, com o entendimento de que não precisavam de tanta burocracia para funcionarem;
- Uma profusão de iniciativas de colaboração e solidariedade partindo de empresas, organizações da sociedade civil e cidadãos;
- Formação de redes;
- Revisão e aprofundamento das nossas relações pessoais;
- Maior cuidado e atenção aos idosos;
- Mais tempo de convívio com a família, sem delegação de tarefas de cuidados dos filhos para terceiros;
- Crianças e adolescentes de classe média participando das tarefas domésticas;
- Valorização do trabalho doméstico, invisível para muita gente até então;
- Mais tempo de convívio com os animais de estimação;
- Oportunidade de interiorização e reflexão;
- Percepção de que vivíamos em uma correria insana, sem muito sentido;
- Desenvolvimento de novos skills, como plantar, desenhar e cozinhar;
- Mais tempo para se informar, ler, estudar… e se manifestar nas janelas;
- Transformação da educação de crianças e jovens, com possível valorização da Escola e do trabalho docente;
- Aprimoramento de ferramentas digitais para o trabalho e o ensino, especialmente à distância;
- Percepção de que os bens materiais não são tão necessários e que podemos viver bem com muito menos; consumo consciente;
- Maior entendimento do conceito de interdependência e dos valores mais essenciais;
- E a admissão da nossa fragilidade existencial. A humanidade, arrogante, ficou aos pés de um microscópico vírus – uma lição de humildade em pleno Antropoceno. Um exercício para lidar com o próximo e maior desafio: a crise climática.
Fonte: Amália Safatle/Página 22