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Pressão da sociedade intensifica a demanda por negócios cada vez mais sustentáveis. ONGs e empresas acenam com novas possibilidades e encargos para profissionais com formação em engenharia ambiental.

Por Marcos do Amaral Jorge, do Jornal da Unesp | O manejo dos resíduos sólidos nas grandes cidades — e, em especial, os plásticos descartáveis — é um dos grandes desafios para a construção de uma sociedade verdadeiramente sustentável.  A capacidade de propor soluções inovadoras tem levado dois egressos do curso de Engenharia Ambiental do Instituto de Ciência e Tecnologia da Unesp, câmpus de Sorocaba, a se destacarem no mercado de trabalho, tornando-se referência e sendo entrevistados por diversos veículos de mídia.

Se alguns anos atrás a atuação do engenheiro ambiental tinha como foco principal a análise e o diagnóstico ambientais, avaliando os impactos do setor produtivo sobre o meio ambiente, hoje o escopo de atuação se ampliou. Cada vez mais, os engenheiros ambientais têm sido requisitados a apresentar soluções para estes problemas.

Esse é basicamente o papel de André Borges dos Santos como chefe do setor de sustentabilidade do iFood, empresa líder no país no mercado de entregas de comida pela internet. “O que faço o dia todo é resolver problemas”, brinca o ex-aluno do câmpus de Sorocaba. Atualmente a Unesp oferece o curso de Engenharia Ambiental em quatro unidades no estado de São Paulo: São José dos Campos, Rio Claro, Presidente Prudente e Sorocaba.

Entrega virou serviço essencial

Santos relata que a empresa viveu um ponto de virada durante a pandemia de Covid-19 quando a população foi orientada a ficar em casa e os serviços de entrega ganharam um caráter de atividade essencial. “Houve um processo interno de muito amadurecimento. Deixamos de ser adolescentes para entender a responsabilidade que tem um líder de mercado”, explica. Nesse processo, a empresa estruturou seu setor de sustentabilidade e convidou Santos para assumir a chefia.

Para o gestor, a formação que recebeu no câmpus de Sorocaba foi essencial para assumir os novos encargos. Hoje, ele percebe que até mesmo conteúdos que na época da faculdade pareciam distantes do dia a dia do mercado são importantes. “ Achei que nunca mais iria usar o conteúdo das disciplinas de Cálculo depois que saí da faculdade, por exemplo. Hoje percebo o quanto elas me ajudaram a desenvolver o raciocínio lógico e a dividir um processo em etapas para facilitar o seu entendimento”, diz.

Para além dos conteúdos das disciplinas, Santos ressalta como elementos diferenciais durante o período na Unesp de Sorocaba o diálogo próximo entre alunos e professores. Membro do Centro Acadêmico dos estudantes, o ex-aluno colaborou na organização de eventos acadêmicos, como Semana da Engenharia ou a Semana do Meio Ambiente. “Eu aos 19 anos de idade precisava conversar com diretores de empresas para pedir patrocínio para os eventos. De certa forma, isso vai te dando um trato que não é exatamente acadêmico, mas que te ajuda a se virar”, diz.

O câmpus de Sorocaba foi inaugurado em 2003 e, além do curso de Engenharia Ambiental, sedia também o de Engenharia de Controle e Automação. As temáticas refletem o perfil desenvolvimentista da região, com alta presença de indústrias. “Costumo dizer para os alunos que entendo o curso como diferentes linhas que se costuram entre o manejo de recursos naturais, a gestão, incluindo aí os resíduos sólidos, a tecnologia química e as diversas geotecnologias”, diz o docente Alexandre Marco da Silva, atual coordenador do curso de Engenharia Ambiental.

Silva explica que o caminho natural dos alunos de Engenharia Ambiental ainda é a atuação na indústria. Esse setor, inclusive, costuma atrair a maior parte dos estudantes da Unesp que precisam realizar seus estágios obrigatórios. Ainda assim, a partir da conversa com os ex-alunos em eventos, ele tem notado que estes profissionais cada vez mais são requisitados para novas áreas de atuação, especialmente dentro das empresas.

“O que ouvimos de egressos é que os consumidores de hoje têm demandado das empresas cada vez mais uma atuação ambientalmente correta”, diz. “As redes sociais e plataformas como Reclame Aqui colaboram para exercer essa pressão, antes mesmo que surja uma notícia negativa na grande mídia.”

Trabalhar de olho na reputação que a empresa constrói com seus consumidores e tentando afirmar uma imagem positiva na sociedade é parte do que André faz em seu dia a dia. “O trabalho no iFood me possibilitou ver outras formas de atuar na profissão que são mais estratégicas para a empresa. Aqui sou um dos responsáveis por posicionar o iFood como uma marca conhecida por suas ações em sustentabilidade”, diz. Sob sua tutela estão, por exemplo, os compromissos de que a empresa alcançará a neutralidade em emissão de carbono até 2025, e cuidar para que 50% das entregas sob responsabilidade do iFood sejam feitas por modais limpos, como bicicleta ou veículos elétricos.

Mercado de delivery fez consumo de plástico disparar

Em um desses compromissos Santos  acabou encontrando uma colega de curso, Lara Iwanicki. Egressa da turma de 2007, Lara trabalha na Oceana, uma ONG internacional que é referência na preservação e restauração das zonas costeira e marinha, e que tem como como uma de suas estratégias contribuir para a formulação de políticas públicas para estes temas.

Parte da atuação em defesa das costas e dos mares envolve combater a presença de resíduos plásticos que poluem praias e oceanos, e oferecem sérios riscos à vida marinha. Com a explosão do serviço de entregas de comida durante a pandemia, cresceu também o uso das embalagens plásticas, das quais 44% são de uso único, ou seja, são usadas apenas uma vez e em seguida descartadas.

Ocupando a posição de gerente de campanha na ONG, Lara está à frente do movimento #DeLivreDePlástico, em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). A iniciativa pede aos aplicativos de entrega de comida que promovam a redução da quantidade de plástico descartável que enviam aos consumidores. Os compromissos firmados pelo iFood do seu colega André são parte deste esforço.

O assunto foi tema do relatório “O mercado de delivery de refeições e a poluição plástica”, publicado pela ONG em julho deste ano. O levantamento se debruçou sobre diversas bases de dados do Sistema Brasileiro de Estatísticas, organizadas e mantidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e apontou que o consumo de plástico neste setor passou de cerca de 17 mil toneladas em 2019 para 25 mil toneladas em 2021, um salto de 46%. Isso significa que, apenas no ano de 2021, foram consumidas 68 toneladas de plástico descartável por dia, ou 2,8 toneladas por hora.

O relatório também mostra o impacto que a pandemia e a orientação para ficar em casa exerceram sobre o setor de entrega de comida por aplicativo como um todo. Entre 2018 e 2021, houve um crescimento de 86,5% e o faturamento alcançou R$ 25,837 bilhões. “A campanha nasce do nosso entendimento na Oceana de que os aplicativos de comida estavam no centro dessa mudança possível de uma embalagem de plástico para uma opção sustentável. Nosso papel inclui fazer pressão para que as corporações sejam mais sustentáveis”, diz Lara.

Mobilização por nova lei em defesa da economia circular

Em outra frente, a Oceana advoga pela criação de uma lei nacional para a economia circular do plástico que complemente a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), de 2010 que, embora importante, ainda é tímida ao tratar os plásticos descartáveis. “Na visão da Oceana, é preciso diminuir a produção e usar o material que volta para o sistema pela reciclagem. Para isso, olhamos as melhores práticas em legislação internacional para aplicá-la no Brasil. A proibição desses itens é algo comum em mais de 100 países no mundo”, argumenta.

Essa campanha levou Lara ao Senado Federal em junho deste ano, para uma audiência pública cujo objetivo foi subsidiar a construção de um projeto de lei sobre a Economia Circular do Plástico, e tentar reduzir o impacto ambiental desse resíduo no país. Hoje morando em Brasília, Lara recorda que as disciplinas que abordavam em seu conteúdo a gestão dos resíduos sólidos sempre foram as suas prediletas. Atualmente esse assunto é matéria do seu dia a dia de trabalho. Ainda assim, a predileção pelos conteúdos que tratavam da gestão de lixos, plásticos e demais objetos descartados não a impediu de se envolver com outras temáticas. Pelo contrário, ao longo de sua trajetória como aluna de graduação Lara fez questão de se engajar nas mais diferentes atividades extracurriculares.

“Acredito que as disciplinas voltadas para materiais e as de resíduo sólido deram a base técnica que uso até hoje, mas eu sempre me envolvi e me interessei por tudo”, relata a ex-aluna. Entre as atividades de que participou estão a empresa júnior, rede de educação ambiental, elaboração de projeto de coleta seletiva, criação de horta orgânica, iniciação científica, plantio de árvores, participação em comitês de bacia hidrográfica, desafios de inovação, e outros. “Eu super recomendo que o estudante se engaje em atividades extracurriculares. Acho que as aulas são o seu be-a-bá, mas para o mercado de trabalho hoje, o perfil proativo que essas experiências constroem pode ajudar a criar um diferencial”, afirma.

No caso de Lara, ter esse diferencial foi importante. Após ter concluído o curso, ela que sempre teve preferência pela área ambiental estava insatisfeita trabalhando como engenheira na indústria da área de metalúrgica. A oportunidade de mudar de área surgiu quando o programa Ciências sem Fronteiras divulgou um edital para oportunidade de cursar um mestrado completo no exterior. Mesmo sendo uma aluna com boas notas, Lara não tinha muitas expectativas de ser aprovada. “Até aquele momento o que eu tinha na minha carreira era o meu trabalho na indústria e o que eu tinha feito na Unesp. Ainda assim, com esse histórico eu fui aprovada no mestrado em Gestão Ambiental na Universidade de Yale, nos Estados Unidos, uma das melhores do mundo”, lembra. “Entrei não apenas pelo histórico das notas, mas pelo envolvimento nessas atividades extras da universidade.”

Lara lembra que os dois anos e meio que passou nos EUA foram de muito crescimento intelectual e de oportunidades para estabelecer contatos e, novamente, se engajar em atividades paralelas na universidade. “Está no meu DNA”, brinca. Nessas atividades acabou trabalhando pela primeira vez para a Oceana, em um projeto no Alaska que a fez se apaixonar pela conservação marinha, onde atua até hoje. “Olhando para trás, acho que minha trajetória não foi linear, mas eu soube navegar e abraçar as oportunidades. Acredito que, quanto mais proativo se é, mais portas vão se abrir.”

Este texto foi originalmente publicado pelo Jornal da Unesp de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.


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