Entre 2008 e 2015, a desigualdade na distribuição de renda diminuiu na América Latina graças à prioridade que os países deram ao desenvolvimento social. No entanto, o ritmo de declínio desacelerou entre 2012 e 2015, e os níveis atuais seguem muito altos para alcançar o desenvolvimento sustentável. O alerta foi feito em 30 de maio pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal).
A distribuição de renda é somente uma das dimensões da desigualdade na região analisadas no relatório anual “Panorama Social da América Latina 2016”, apresentado em coletiva de imprensa pela secretária-executiva da Cepal, Alicia Bárcena, em Santiago, Chile. O estudo também se aprofunda nas desigualdades no uso do tempo entre homens e mulheres, naquelas associadas à condição étnico-racial e nas que se evidenciam em distintas etapas do ciclo da vida.
“A desigualdade é uma característica histórica e estrutural das sociedades da América Latina e do Caribe, que se manifesta por meio de múltiplos círculos viciosos. Avançar rumo à sua redução significativa é um dos objetivos da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, adotada por todos os países da região em 2015. Esta agenda defende não deixar ninguém para trás”, afirmou Bárcena.
O coeficiente de Gini para os rendimentos pessoais em 2015 mostrou um valor médio de 0,469 para 17 países da América Latina (0 representa ausência de desigualdade e 1 desigualdade máxima), um nível considerado alto. Embora o índice tenha diminuído 1,2% em média anualmente entre 2008 e 2012, o ritmo de declínio caiu para a metade entre 2012 e 2015 (0,6% anual).
Esses avanços foram impulsionados por uma melhora relativa das rendas do trabalho dos setores de menores rendas, graças às políticas ativas como a formalização do emprego e os aumentos reais do salário mínimo ocorridos em vários países, explica a Cepal. Também foi notável o aumento das transferências monetárias para os estratos de menores rendas.
Contudo, por meio de uma análise complementar da distribuição funcional de renda na região, se observa que as melhorias distributivas recentes não estiveram necessariamente associadas a uma distribuição mais equitativa do capital e do trabalho.
Essa edição do Panorama Social também chama a atenção sobre a estrutura da propriedade (de ativos físicos e financeiros) como um fator fundamental para a reprodução da desigualdade na região. Por meio de um estudo de caso, se constata que a distribuição da riqueza é ainda mais desigual que aquela medida somente pelas rendas correntes das pessoas.
Por isso, a Cepal insiste na necessidade de impulsionar uma mudança estrutural progressiva na América Latina e Caribe, que gere empregos de qualidade – com direitos e proteção social -, maiores níveis de produtividade e melhores remunerações do fator trabalho.
O relatório adverte também que as mulheres continuam sobrerrepresentadas nos quintis de menores rendas e que seu tempo total de trabalho (que equivale à soma das horas dedicadas ao trabalho doméstico e de cuidados não remunerado com aquelas dedicadas ao trabalho remunerado) é superior ao dos homens, o que limita sua autonomia econômica.
As mulheres destinam até um terço de seu tempo ao trabalho doméstico e de cuidados não remunerado, enquanto que os homens somente, 10%. Além disso, o valor econômico do trabalho não remunerado que se realiza nos domicílios, e que não se contabiliza no PIB, equivale aproximadamente a um quinto do mesmo, sublinha o organismo regional.
A condição étnico-racial é outro fator de desigualdade estrutural na América Latina, afirma a Cepal. Na região, vivem em torno de 130 milhões de pessoas afrodescendentes (2015), aproximadamente 21% do total da população. Ainda que o Brasil e Cuba concentrem 91% do total regional, a população afrodescendente está presente em todos os países da América Latina. Em 14 deles criaram-se instituições e mecanismos governamentais de combate ao racismo e promoção da igualdade racial, e fortaleceu-se a legislação de proteção de seus direitos.
Esse grupo da população está sobre-representado no estrato socioeconômico de menores rendas e sofre desigualdades profundas em todas as áreas do desenvolvimento social, que se expressam, por exemplo, em maiores taxas de mortalidade infantil e materna, de gravidez na adolescência e de desemprego, e em menores rendas do trabalho (em comparação com os não afrodescendentes), revela o estudo.
No capítulo dedicado ao gasto social observa-se que este alcançou em 2015 seu máximo histórico: 10,5% do PIB para o governo central e 14,5% do PIB para o setor público (como média simples regional). A previdência social (5%), a educação (4,6%) e a saúde (3,4%) seguem sendo as funções de maior importância em relação ao PIB.
Apesar disso, os orçamentos de gasto social de 2016-2017 registram contrações na maioria dos países, enquanto as estimativas do PIB são em geral de crescimento moderado, para o que a Cepal solicita resguardar e precaver o financiamento das políticas sociais para dar sustentabilidade aos avanços alcançados e enfrentar os desafios vigentes.
Para desativar os círculos viciosos da desigualdade, é necessário utilizar um enfoque sistêmico, destaca a Cepal. As políticas públicas devem garantir a titularidade de direitos, deve-se reconhecer e potencializar o trabalho produtivo e de qualidade como a chave da igualdade e como instrumento por excelência na construção do bem-estar, e se deve universalizar a proteção social ao longo do ciclo da vida (a infância e adolescência, a juventude, a fase adulta e a velhice), com um olhar sensível para as diferenças, recomenda a Cepal. Acesse o relatório completo.
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