Professores da USP e especialistas de diversas áreas apresentam temas ambientais e propostas de atividades práticas em livro gratuito para alunos do ensino fundamental e médio
Por Valentina Moreira em Jornal da USP – Quando o assunto é emergência climática, é possível encontrar várias produções acadêmicas e pesquisas que buscam responder como as ações humanas impactam o meio ambiente e como esses efeitos afetam a própria humanidade. Mas nem sempre essas produções se preocupam em comunicar de forma eficiente a população que mais irá sofrer com essas mudanças: os jovens. É isso que o livro Novos Temas em Emergência Climática, disponível gratuitamente no formato de e-book, busca mudar. A obra é organizada pelo Núcleo de Apoio à Pesquisa em Mudanças Climáticas (NapMC/Incline) e pelo Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da USP, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP e do Núcleo de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade São Judas.
A publicação é destinada a educadores e estudantes da educação básica, e conta com a participação de pesquisadores da área de sustentabilidade — entre eles, os professores da USP Marcos Buckeridge, Paulo Artaxo, Pedro Henrique Campello Torres, Pedro Roberto Jacobi e Tércio Ambrizzi. A proposta dos organizadores é reunir diversos temas que circulam as emergências climáticas, traduzindo em uma linguagem simples e acessível aquilo que está sendo discutido no meio acadêmico. E ir além disso, convocando uma mudança na comunicação dentro das salas de aula para a mobilização dos jovens.
Estes não são objetivos simples. No meio do caminho surgem algumas questões: de que maneira a escola pode ajudar a mudar a forma como lidamos com o clima? Qual a melhor forma de conversar com os alunos? Por que a hora de agir é agora e o que a Universidade tem a ver com tudo isso?
Edson Grandisoli, pesquisador do programa Cidades Globais do IEA e um dos organizadores do livro, destaca que, apesar de ser um espaço fundamental para a formação em cidadania, o ensino básico desenvolve as discussões sobre as emergências climáticas de maneira muito restrita. Ele lembra que na Base Nacional Curricular – documento que orienta a educação desde o Ensino Fundamental I até o Médio – o tema “mudanças climáticas” aparece somente três vezes. Mesmo com essas menções, muitas vezes falta preparação adequada aos professores, que precisam fazer a ligação entre os vários ramos do conhecimento.
Além disso, nem sempre a questão climática é relacionada a atividades práticas. Por falta de informação, a escola perde a oportunidade de conectar seus alunos às ações que já existem sobre o assunto. Para Grandisoli, isso tem que mudar. “Os professores precisam tratar disso de forma mais interdisciplinar e trabalhar junto com seus estudantes na criação de mecanismos de enfrentamento, tanto de adaptação quanto de mitigação das emergências climáticas.”
Para auxiliar nessa abordagem, Novos Temas em Emergência Climática fala sobre o assunto a partir de diferentes perspectivas. Entre os autores, há artistas, arquitetos, profissionais da saúde pública e até ativistas, o que oferece transdisciplinaridade ao assunto. “Uma das coisas mais importantes deste trabalho é dizer o seguinte: todas as áreas de conhecimento podem falar de emergência climática”, ressalta Pedro Jacobi, professor do IEE e presidente do Conselho América do Sul do ICLEI — Governos Locais pela Sustentabilidade, que também participou da organização do livro.
Além da multiplicidade de saberes, o livro oferece ao final de cada capítulo sugestões de ação que se relacionam ao que foi escrito. Essas ações estão voltadas para a convocação do protagonismo juvenil, que ganha uma especial importância quando se trata de emergências climáticas.
Desafios e soluções
Jacobi explica que em vinte anos trocamos os termos “Variabilidade” para “Mudança”, e de “Mudança” para “Emergência Climática”. O que significa que as consequências das ações humanas já estão sendo sentidas pelas pessoas.
Em escala global, as enchentes na Alemanha e na China e o desaparecimento de ilhas do Pacífico são consequência da crise hídrica. E o que pode parecer distante, já está presente entre as populações vulneráveis do Brasil. Ele menciona que o fato de quase 35 milhões de brasileiros não terem acesso à água potável e cerca de 100 milhões ainda não fazerem parte de uma rede de saneamento básico também é consequência das emergências climáticas, assim como o alto risco de desmoronamento dos 7,8% dos domicílios do País, que são ocupações irregulares.
O texto do pesquisador Paulo Artaxo no livro destaca como a pandemia da covid-19 levantou mais um alerta sobre a forma como os seres humanos interferem no meio ambiente: “[A pandemia] requer repensar a maneira como projetamos e vivemos nas cidades do mundo; e insiste em que curemos nosso relacionamento com a natureza e uns com os outros”.
E as discussões são cada vez mais próximas das questões sociais, econômicas e políticas, segundo Grandisoli. “É importante que as pessoas entendam que os efeitos e as consequências das emergências climáticas não são absolutamente democráticos. Elas afetam algumas pessoas muito mais do que outras.” Nesse sentido, as soluções propostas em Novos Temas em Emergência Climática reivindicam a ideia de justiça climática, um processo que compensa as mudanças ambientais levando em consideração a forma como cada grupo é atingido. Alguns exemplos são a Liga das Mulheres pelo Oceano e o Laboratório do Itaim Paulista, que une universidades e comunidades na discussão dos problemas relacionados à qualidade de vida nas cidades.
Outro tema abordado no livro é o conceito de ansiedade climática, uma sensação de angústia diante da incerteza de futuro que leva à inércia.
“É muito importante trabalhar a emergência climática procurando fugir do prisma catastrófico. É daí que vem essa eco-ansiedade, essa ansiedade climática. Nós não vamos esconder o que está acontecendo, só que isso precisa ser dito sempre dentro de um discurso que não deprima, mas que gere proatividade”, argumenta Grandisoli.
Nesse sentido, o livro coloca a juventude no centro do processo. Há o cuidado de propor não somente ações tuteladas pelos professores e responsáveis, mas também formas de mobilização independentes, inspiradas na coragem e autonomia de Greta Thunberg, por exemplo. Como Jacobi ressalta, essa é uma preparação necessária para o que está por vir. “Os jovens irão viver uma parte do século que seus pais não viverão e na qual estão colocados enormes desafios em que eles mesmos terão que ser protagonistas.”
Mudar a forma de se fazer ciência
Um ponto fundamental destacado pelos dois organizadores do livro é o da participação da Universidade na dinâmica de educação sobre emergências climáticas. Assim como os jovens e seus professores, a população geral ainda tem uma formação muito restrita sobre o tema ambiental, problema que gera reflexos na comunidade. Entre esses problemas, destacam-se as dificuldades de comunicação entre o desenvolvimento científico e a comunidade. Isso acontece porque o discurso científico, baseado em métricas e métodos, é reproduzido sem a preocupação de ser compreensível para todo mundo.
Sem a compreensão dos processos ambientais, o engajamento pela preservação ganha poucos adeptos. Por isso, Jacobi defende que a prática científica não pode ser isolada da sociedade. “Temos trabalhado com uma visão da ciência pelo caminho habitual, que é a ideia que nós precisamos ampliar a comunidade de pares, dialogar mais, ter mais práticas associadas à aprendizagem social.”
Nessa perspectiva, Novos Temas em Emergência Climática tem o objetivo não só de difundir o que já está sendo feito pelos pesquisadores da área, mas também fazer com que esses projetos consigam crescer e estabelecer uma relação de troca com o público. Por isso, a obra não é só uma ferramenta para o Ensino Básico, mas também um instrumento para toda a sociedade.