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Engenheiro-agrônomo e climatologista mostrou a capacidade da floresta de reciclar e exportar chuva

Por Danilo Albergaria em Pesquisa Fapesp – Personagem inovador e agregador nos estudos sobre hidrologia e climatologia, Enéas Salati teve grande influência na ciência brasileira desde o final da década de 1960. A capacidade de atrair e formar profissionais competentes foi fundamental para a consolidação dessa área de pesquisa no país. O pesquisador, que sofria de mal de Alzheimer, morreu no sábado (5/2) aos 88 anos, em Piracicaba, no interior de São Paulo. Deixa viúva e quatro filhos, além de netos, bisnetos e tataranetos.

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Engenheiro-agrônomo graduado pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), em Piracicaba, Salati foi pesquisador do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena), vinculado à mesma instituição. Lá, em 1968, criou o Laboratório de Espectrometria de Massa para Elementos Leves. Análises de isótopos, como oxigênio-18 e deutério, permitiram traçar a origem de boa parte da precipitação chuvosa da Amazônia.

No final da década de 1970, Salati foi o primeiro a quantificar a reciclagem de precipitação, um mecanismo de retroalimentação da umidade na floresta amazônica: parte das chuvas que alimentam a floresta vem do subsolo da floresta, captada pelas raízes das árvores, e não com a umidade carregada pelos ventos que sopram do oceano Atlântico. O climatologista José Marengo, coordenador de Pesquisa e Desenvolvimento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), explica esse sistema: “Por meio de processos de evaporação e transpiração das plantas, a floresta solta umidade na atmosfera, que acaba por cair em forma de chuva; estudos sugerem que entre 25% e 75% da chuva que cai na floresta é gerada por ela própria”.

Marengo conta que foi inspirado a estudar o clima da Amazônia depois de ler um artigo sobre esse processo de reciclagem publicado em 1979 por Salati e colaboradores. Mais tarde, no começo dos anos 2000, o pesquisador do Cemaden trabalhou com Salati em pesquisas sobre os “rios voadores”, expressão metafórica para o vasto volume de umidade atmosférica que sai da floresta, encontra a cordilheira dos Andes e acaba migrando em direção ao centro-sul do continente sul-americano. “Estudando isótopos como traçadores, uma ideia ao mesmo tempo simples e complexa de Salati, podemos estudar a quantidade de chuva em determinada região que foi originada na Amazônia”, afirma.

Embora ainda existam incertezas sobre a quantidade de umidade que a Amazônia exporta para outras regiões da América do Sul, Reynaldo Victoria, orientado por Salati no mestrado e que também foi professor e pesquisador do Cena-USP, afirma que o método de rastreamento de isótopos proposto por Salati mostra que a umidade amazônica, transportada pelos rios voadores, é importante para a geração de precipitação chuvosa nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil, e até na Argentina.

Victoria avalia que o trabalho do pesquisador foi fundamental para apontar caminhos para uma agropecuária que não exija desmatamento e funcione de forma sustentável em harmonia com a floresta. Conhecer a maneira pela qual a Amazônia influencia o clima em escala continental permite entender como a principal atividade econômica do país pode sofrer com alterações drásticas nos padrões de chuvas, como já indicava pesquisa desenvolvida por Salati na década de 1980. A mudança nesse padrão é uma das prováveis consequências do desmatamento, que explodiu a partir da década de 1970 e cujo ritmo voltou a ser acelerado nos últimos anos.

Um dos mais destacados cientistas brasileiros a estudar as consequências climáticas do desmatamento da Amazônia, o climatologista Carlos Nobre, pesquisador do Instituto de Estados Avançados da USP, esclarece que as pesquisas de Salati mudaram o entendimento da relação entre vegetação e clima. “Ele foi pioneiro em mostrar a floresta como um fator climático importantíssimo para sua própria manutenção. Assim, a Amazônia não é mera resposta ao clima, mas modifica o clima e cria condições próprias para sua permanência”, explica. Mas o desmatamento ameaça essa permanência, alerta Nobre. A participação em projetos de pesquisa de Salati na Amazônia, na década de 1970, inspirou o climatologista a migrar da engenharia eletrônica, em que se graduou, para estudar a relação entre a floresta e o clima.

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O perfil um tanto polimático de Salati é digno de nota em uma era de intensa especialização científica, enquanto a discrição foi uma marca pessoal. Marengo o descreve como um pesquisador que sabia não somente sobre clima da Amazônia, reciclagem de umidade e rios voadores, mas também podia trabalhar com extremos climáticos, potencial de energia eólica e créditos de carbono, com uma visão completa do ambiente. “Era ao mesmo tempo intenso no trabalho e uma pessoa muito tranquila, simples, nada arrogante.”


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