Documento dá pistas valiosas sobre as origens do vírus e sobre o que fazer para evitar futuros surtos
Imagem de Alexandra_Koch em Pixabay
No dia 31 de março, a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou um relatório com os resultados de uma investigação, ainda em curso, sobre as origens da pandemia do novo coronavírus.
Embora as principais conclusões não sejam muito diferentes daquilo que já havia sido relatado à mídia, alguns trechos encontrados ao longo das 300 páginas do relatório fornecem pistas valiosas sobre os primeiros dias da pandemia – pontos que ainda não tinham sido amplamente divulgados.
Em particular, existem novas evidências interessantes sobre a origem do vírus e sua circulação em Wuhan, na China, antes de dezembro de 2019.
O caso Huanan Seafood Market
Quando o COVID-19 estourou pela primeira vez em Wuhan, os cientistas rastrearam um grande número de casos até o Huanan Seafood Market, que vendia frutos do mar e animais congelados e vivos. Especificamente, em dezembro de 2019, os médicos detectaram 174 casos de COVID-19 em Wuhan e rastrearam 51 casos até o mercado. Por isso, a princípio, muitos pesquisadores acreditaram que a pandemia teria se originado ali.
Entretanto, quando o vírus chegou ao mercado em meados de dezembro, casos esporádicos, de origem desconhecida, já haviam surgido em grande parte da cidade, segundo mapas fornecidos pelo relatório.
Na verdade, a maioria dos primeiros casos em dezembro de 2019 não tinha ligação com o mercado. De acordo com o relatório, “a data de início da infecção em pessoas sem histórico de exposição ao mercado de Huanan é anterior àquelas [que] tiveram histórico de exposição ao mercado”.
Curiosamente, cerca de um quarto dos infectados em dezembro de 2019 haviam visitado um dos 27 outros mercados em Wuhan além de Huanan, como concluiu a investigação. Dois dos 174 casos em dezembro de 2019 foram relatados em profissionais de saúde. A partir das evidências, o relatório arremata: “Um surto explosivo começou em Wuhan no início de dezembro de 2019”.
“Transmissão massiva” no mercado de animais
Embora a pandemia COVID-19 não tenha começado no mercado de Huanan, ela teve um grande impulso ali. Um impulso bastante significativo.
No mês passado, a virologista Linfa Wang disse que “havia uma transmissão massiva acontecendo naquele mercado, com certeza”. O relatório da OMS mostra claramente por que Wang, membro da equipe de investigação da OMS, acredita que tal grande surto ocorreu.
Pela descrição da OMS, o mercado, de enorme extensão, parece ser um lugar propício para a rápida disseminação do vírus. “Os becos do mercado são muito estreitos, escuros e mal ventilados”, diz o relatório. E um ralo de “esgoto” aberto “em mau estado” percorria todo o espaço.
Em 31 de janeiro de 2021, a equipe de investigação da OMS visitou o lado oeste do Huanan Seafood Market, onde a maioria dos casos ocorreu durante o surto. Embora as autoridades tivessem fechado o mercado um ano antes – e desinfetado as barracas –, o ar ainda fedia.
“Havia uma mistura de cheiro de animais e desinfecção em algumas áreas do mercado”, afirma o relatório da OMS. “Posteriormente, foi esclarecido pelo gerente em uma reunião subsequente que aquilo era cheiro de carne podre, já que todas as barracas foram fechadas repentinamente sem a retirada de seus produtos”.
Algumas barracas vendiam peixes vivos e anfíbios. Dez lojas vendiam animais selvagens cultivados, incluindo crocodilos, texugos, cervos sika, coelhos, salamandras gigantes, ratos de bambu, cobras e rolas.
Por dia, cerca de 10 mil pessoas se amontoavam nos corredores estreitos do mercado, enquanto açougueiros cortavam carne e abatiam peixes e mamíferos, como relata o relatório. Em dezembro de 2019, havia pelo menos 51 processos vinculados ao mercado. A maioria das pessoas infectadas eram trabalhadores.
Todos os 51 infectados estavam doentes o suficiente para procurar ajuda médica. Dado que a maioria das pessoas doentes com COVID-19 não apresenta sintomas ou apresenta sintomas leves, o número de casos associados ao mercado provavelmente foi muito maior do que 51.
Juntos, os dados sugerem que o vírus se espalhou por uma grande parte da área oeste do mercado em dezembro de 2019, infectando trabalhadores e consumidores. Em outras palavras, o surto em Wuhan foi um evento de “superespalhamento” massivo que enviou um vírus já em circulação para toda a cidade de Wuhan.
Os dados do mercado também apontam para outra conclusão importante do relatório: um animal provavelmente amplificou a propagação do vírus. Segundo o relatório, as barracas que vendiam animais vivos foram as que mais contaminaram humanos com o SARS-CoV-2.
Na página 99 do Apêndice, há um gráfico revelador. Ele mostra um mapa da China com todas as províncias delineadas. Ao redor do mapa, há quadros listando todos os animais selvagens criados em cativeiro em cada província. A lista é longa e diversa.
Em todo o país, as fazendas estão criando de tudo, desde leões africanos, tigres siberianos, girafas e hipopótamos a suricatos, porcos-espinhos, lêmures e macacos. No total, mais de três dezenas de animais selvagens aparecem no mapa.
Pouco depois do início da pandemia em Wuhan, as autoridades chinesas fecharam abruptamente fazendas que criam vida selvagem para se alimentar; essa decisão veio depois de promover essas fazendas por mais de uma década. O governo permitiu que as fazendas que criam animais selvagens para obter peles e remédios permanecessem abertas.
Os animais selvagens são a principal fonte de novas doenças humanas. Vários investigadores da OMS acreditam que essas fazendas podem ser a fonte, ou um elemento amplificador, do SARS-Cov2. Olhar para este mapa faz você se perguntar: a China está se preparando para surtos futuros? O mundo está se preparando?
Fontes: OMS, NPR, Nature e One Green Planet
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