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A polêmica pode mudar o uso do combustível e interferir no futuro automobilístico, segundo especialistas

Um escândalo de grandes proporções que envolve a fabricante automobilística Volkswagen veio à tona. No dia 18 de setembro, o governo dos Estados Unidos acusou a marca de fraudar resultados em testes de poluentes em 500 mil veículos vendidos no país – entre eles, as versões TDI dos carros Golf, Jetta, Beetle e Audi A3, produzidas entre 2009 e 2015, além de Passats feitos entre 2014 e 2015. Após o caso cair no noticiário e especulações começarem, a Volkswagen admitiu, no dia 22 de setembro, que 11 milhões de veículos movidos a diesel, em modelos de várias marcas pertencentes ao grupo, foram adulterados. O caso tem sido mencionado na mídia internacional como Dieselgate, em referência ao caso Watergate, grande escândalo da história política dos Estados Unidos.

A fraude prejudica a imagem da montadora alemã, já que a empresa que se posicionava como ambientalmente consciente, tendo, em carta de julho de 2014 ao Greenpeace, assumido o compromisso de reduzir as emissões de CO2 até 2020. As ações da empresa sofreram queda abrupta e Martin Winterkorn renunciou ao cargo de presidente-executivo da Volkswagen.

Nos EUA, a empresa será obrigada fazer um recall e consertar os veículos gratuitamente. A Volkswagen anunciou que separou 6,5 bilhões de euros (cerca de R$ 29 bilhões) para arcar com multas e consertar os carros. O valor equivale a metade do lucro da montadora previsto para este ano.

Mas o que foi esse escândalo e quais os impactos da fraude para o meio ambiente e nossa saúde?

A fraude consistiu em um mecanismo instalado nos carros equipados com um motor a diesel do tipo EA 189. A Agência Ambiental dos Estados Unidos (EPA) concluiu que o software reconhece quando o veículo está sob inspeção técnica, muda o motor para o modo de economia e injeta produtos químicos para reduzir as emissões de gases tóxicos. Dessa forma, os resultados de vistorias apresentam emissões que se adequariam a normas. Mas, em condições normais de condução, a emissão seria até 40 vezes maior do que a lei dos EUA permite.

A queima do diesel libera diversos gases poluentes na atmosfera, como monóxido de carbono, óxido de nitrogênio, enxofre, entre outros – responsáveis pela morte de milhares de pessoas anualmente. Por esse motivo, os países possuem agentes reguladores para controlar as emissões desses gases. A Volkswagen estava burlando isso ao fazer com que pelo menos 11 milhões de seus carros parecessem menos tóxicos do que realmente são, enganando consumidores e contribuindo ainda mais para o processo de aquecimento global. Grande parte da população mundial se concentra nas grandes cidades, e a empresa permitiu que essas pessoas fossem expostas a um nível ainda maior de resíduos tóxicos e cancerígenos resultantes da queima do diesel (conheça mais sobre eles aqui).

Pesquisadores da Universidade de West Virginia notaram que os níveis de emissões dos veículos da marca com motores a diesel em testes oficiais eram muito maiores do que os de testes de rodagem. Eles descobriram que as emissões de óxidos de nitrogênio (NOx) são de 10 vezes a 40 vezes maiores do que o permitido pela EPA.

Os gases NOx (entenda mais aqui) são uma das principais fontes de poluição urbana e esse é mais um dos motivos que fazem com que o Dieselgate seja motivo de grande preocupação. De acordo com análise divulgada no jornal britânico The Guardian, o impacto dos 11 milhões de veículos adulterados da VW em todo o mundo pode significar a emissão de 237 mil a 948 mil toneladas de gases poluentes por ano. Esses dados são colossais, significam uma emissão superior à da maior estação de energia da Europa, a Drax, que libera 39 mil toneladas de NOx por ano. Em contato com a luz solar, os óxidos e dióxidos de nitrogênio (NO2) reagem formando poluentes secundários perigosos, como o ozônio.

No que diz respeito à emissão de poluentes na atmosfera, o diesel é sete vezes pior do que a gasolina. Ainda, a exposição prolongada ao diesel aumenta os riscos de câncer de pulmão e, possivelmente, de bexiga (saiba mais). Além disso, pode agravar inflamações nos pulmões, desencadear asma e bronquite e aumentar riscos de ataques cardíacos e derrames.

De acordo com a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), 40% da poluição atmosférica por material particulado inalável fino (partículas que conseguem penetrar na parte mais profunda dos pulmões) na capital paulista vêm do processo de queima de diesel. Segundo a ONG Healthy Air, a exposição aos gases tóxicos no Reino Unido causa, em média, 29 mil mortes prematuras por ano. Dá pra imaginar o efeito em nível global?

O escândalo da VW é limitado aos EUA?

Não. A Volkswagen assumiu que a falha atinge outros mercados, mas não especificou os países prejudicados. A marca comunicou que a fraude está em carros que usam o motor EA 189, que é 2.0 litro, mas não descreveu quais são os modelos e marcas afetados.

A lei brasileira não permite veículos leves movidos a diesel, apenas picapes, SUVs, caminhões e ônibus (o que já pode causar um estrago considerável). O único automóvel da Volkswagen com motor a diesel vendido em nosso território é a picape Amarok. Contudo, o escândalo abriu precedente para a investigação de outras marcas e é provável que outras montadoras também possuam fraudes.

Em entrevista ao veículo The Telegraph, o professor de Química Atmosférica da Universidade de Iorque, Alastair Lewis, disse que “praticamente todos os veículos nos últimos anos parecem emitir substancialmente mais NOx no mundo real do que quando testados em laboratórios, independentemente do fabricante”. Completou dizendo que a Volkswagen foi pega em flagrante, mas que provavelmente outras empresas também tenham usado dispositivos para manipular resultados e passar nos testes de emissões.

O escândalo não só atingiu a Volkswagen, como pode atingir toda a indústria automobilística. A EPA e a California Air Resources Board começaram a reunir veículos de outros fabricantes para testar fraudes similares. Além disso, autoridades de outros países, como Alemanha, Itália, França e Coreia do Sul, já anunciaram que farão investigações em seus territórios nos veículos da marca.

E como fica o diesel?

Com o Dieselgate, a indústria de automóvel e seus carros a diesel de suposto “baixo impacto ambiental” devem enfrentar uma rejeição pública que pode ter graves consequências para o combustível.

Nos anos 90, os governos dos países da União Europeia (UE) e a Comissão Europeia estimularam o uso de motores a diesel nos carros com uma taxação inferior deste em comparação à gasolina. No período, a Europa e o Japão tinham em média 10% de automóveis a diesel nas ruas. Desde então, a adesão a veículos a diesel cresceu na União Europeia e atualmente a frota representa 35% do total, de acordo com estudo de 2013, realizado por Michel Cames e Eckard Helmers. Há muitos consumidores que preferem automóveis movidos a diesel justamente pelo fato de o combustível ser opção mais viável economicamente.

No começo de setembro de 2015, um relatório europeu alertou que, quando testados em estradas, nove em cada dez carros novos com motores a diesel quebram limites de poluição da União Europeia. Os veículos chegam a emitir sete vezes mais gases NOx do que o permitido pela legislação, segundo a pesquisa produzida pela Transport & Environment (T&E).

Um artigo de Leonid Bershidsky, colunista da Bloomberg, intitulado “Escândalo da Volks vai acelerar a morte do diesel” aponta que os motores a diesel modernos poderiam manter as emissões abaixo dos níveis permitidos pela Euro 6. Contudo, implementar a tecnologia necessária torna os veículos mais caros, pode afetar seu desempenho e exige a monitoramento constante dos níveis de ureia. A ureia seria utilizada para reduzir o volume de oxidação.

Para o colunista, “só há dois caminhos possíveis: garantir que a performance de emissões dos novos carros a diesel seja irretocável — o que não será fácil de fazer no mundo real — ou mudar a produção para veículos híbridos ou elétricos, como fizeram as companhias japonesas, quando decidiram que o diesel estava fadado a acabar”.

Em uma conferência ambiental em novembro do ano passado, o primeiro-ministro da França, Manuel Valls, assumiu que o uso do diesel é um erro. Muitos fabricantes de automóveis europeus dependem do diesel. Banir o diesel forçaria empresas como a Renault e Peugeot a passarem por uma difícil transição. Dois terços dos veículos que as montadoras vendem na Europa possuem motores movidos pelo combustível. Afastar-se do diesel terá alto custo em termos empresariais. A tendência é que, após a polêmica da Volkswagen, os testes se tornem mais rigorosos. Possivelmente outras empresas sofrerão penalidades por burlar regras de emissões.

Mas tudo isso pode acabar tendo um impacto positivo no futuro do transporte. Atualmente, o país que possui maior frota de veículos híbridos ou elétricos no mundo é o Japão, com 21%, segundo o Conselho Internacional de Transporte Limpo. Noruega, Holanda e a Alemanha tem 12,8%, 11,3% e 1%, respectivamente. Se o diesel for proibido, os europeus tornariam o mercado dos híbridos e elétricos mais competitivo, facilitando seu acesso. E caso tais países tomem essas medidas, haverá uma tendência de deixar o diesel de lado também em outras localidades.

O consumidor deve ficar atento em todas as áreas da indústria ao chamado greenwashing (algo como “lavagem verde”, em português), quando empresas dizem oferecer produtos sustentáveis sem revelar os riscos ambientais que existem por trás. Pesquisar é fundamental, além de pressionar empresas e governos a respeito de produção e legislação cada vez mais adequadas em termos ambientais.


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