Por Timothy J. Killeen | Traduzido por Lisete Correa em Mongabay | As economias das nações são tradicionalmente avaliadas por seu produto interno bruto (PIB), métrica que avalia a produção econômica total de uma nação. O PIB da Pan-Amazônia girava em torno de US$ 270 bilhões em 2017, número modesto em uma economia global avaliada em US$ 80 trilhões no mesmo ano. A título de comparação, isto é aproximadamente igual à renda total da empresa de varejo online que se apropriou do nome da maior floresta tropical do mundo. A contribuição para o PIB nacional das jurisdições localizadas dentro da Pan-Amazônia varia de uma alta de 100% (Guiana e Suriname) a uma baixa de 0,2% (Guiana Francesa). A contribuição das regiões amazônicas ao PIB nacional é pequena, mas significativa no Brasil (8%), Peru (13%) e Equador (10%), menos na Colômbia (2%) e consideravelmente mais na Bolívia (59%), onde três grandes centros urbanos se situam dentro da bacia amazônica.
Há inúmeros problemas com o uso do PIB como métrica analítica; no entanto, é a estatística mais comumente usada para avaliar a economia de uma nação. A primeira prioridade da maioria dos governos é promover o crescimento econômico, e sua motivação é tão simples quanto óbvia: um aumento no PIB reflete o aumento da riqueza, que pode ser usada para reduzir a pobreza; uma diminuição conota uma recessão, em geral, significando aumento da pobreza. Os governos e seus assessores em instituições multilaterais de desenvolvimento utilizam o PIB e suas métricas subjacentes para identificar como as políticas fiscais, tais como impostos, subsídios e investimentos públicos impactam a economia convencional. O PIB é particularmente informativo quando é desagregado em métricas componentes que medem a produção econômica para (sub)setores econômicos e organizado por jurisdição subnacional.
A métrica do PIB tem utilidade limitada ao avaliar a saúde econômica de uma sociedade. Seus detratores apontam cinco grandes limitações, todas elas pertinentes à Amazônia: (1) não fornece informações sobre desigualdade; (2) subestima a contribuição do setor informal; (3) não tenta medir o valor econômico das atividades de subsistência; (4) não faz distinção entre atividades sustentáveis, como a extração de recursos renováveis, e modelos comerciais não sustentáveis, como a exploração de recursos não renováveis; (5) não leva em conta resultados negativos que criam passivos econômicos de longo prazo, como derramamentos de petróleo ou a perda de um serviço ecossistêmico chave. Apesar dessas limitações, ou por serem tão óbvias, uma revisão da economia convencional usando métricas do PIB destaca os desafios e oportunidades enfrentados na busca de uma economia sustentável.
Talvez o número mais revelador nas estatísticas setoriais do PIB seja a minúscula contribuição do setor florestal (< 2%), soma insignificante quando se considera o valor intrínseco dos vastos recursos naturais renováveis da Amazônia. A explicação mais óbvia para esse baixo valor é a incapacidade de atribuir valor às atividades de subsistência. Os povos indígenas e as comunidades tradicionais colhem alimentos e fibras dos ecossistemas naturais; a maioria das famílias florestais cultiva alimentos para seu próprio consumo. Essas atividades têm valor econômico tangível e são fundamentais para a subsistência das famílias da floresta, mas são ignoradas pelas medidas do PIB. Além disso, a maioria das famílias complementa as atividades de subsistência com a extração de madeira, produtos florestais não madeireiros e vida silvestre. Parte dessa produção é capturada pelas estatísticas, particularmente para a comercialização de bens florestais com fortes mercados de exportação, tais como castanha do Brasil e açaí; entretanto, outros produtos valiosos, tais como madeira e peixe, são vendidos a intermediários que operam dentro do setor informal da economia doméstica.
No entanto, se a contribuição real da economia florestal fosse o dobro do valor das estatísticas oficiais, ela ainda ficaria aquém dos setores da economia que impulsionam o desmatamento e outras formas de degradação ambiental. A baixa valorização dos produtos florestais chama a atenção para o desafio de utilizar a economia florestal como uma estratégia alternativa de desenvolvimento para deslocar a agricultura e a pecuária.
A economia informal nas nações latino-americanas representa aproximadamente 30% da atividade econômica total; essa proporção é maior nas comunidades fronteiriças, onde o “dinheiro é rei” e as instituições do Estado são fracas ou ausentes. Isso é ainda mais válido para as áreas de pequenos proprietários onde a agricultura de subsistência é combinada com o cultivo de alimentos comercializados nos mercados domésticos. Aproximadamente dez por cento das terras anteriormente desmatadas no Brasil e na Bolívia foram assentadas por pequenos agricultores; embora sua presença espacial seja limitada, eles constituem cerca de setenta por cento das famílias rurais e são uma importante fonte de alimentos básicos, tais como mandioca, arroz, feijão e uma variedade de frutas tropicais.
No Peru e no Equador, a predominância de pequenos proprietários é muito maior, representando cerca de 98% de todas as propriedades e ocupando mais de noventa por cento das paisagens agrícolas. O modelo de produção seguido pela maioria dos pequenos proprietários na área fronteiriça baseia-se na tecnologia de corte e queima, que é utilizada para estabelecer e manter um sistema de produção florestal em repouso. A maioria dos agricultores investe em sistemas de produção perenes ao longo do tempo, à medida que diversificam suas culturas e plantações, mas expandem o cultivo em detrimento das florestas remanescentes dentro de suas propriedades. O valor total de sua produção não é incorporado ao PIB, o que faz com que as estatísticas oficiais subestimem sua contribuição para a economia regional, assim como as forças econômicas que impulsionam o desmatamento por pequenos proprietários.
Um fator muito mais significativo na subvalorização da agricultura e da produção pecuária é a estrutura metodológica projetada para evitar a dupla contabilidade ao compilar a métrica do PIB. Ao contrário da subavaliação causada pela economia informal, ou pelos agricultores de subsistência, isso não é um bug (falha), mas uma característica da metodologia de contabilidade do PIB. O valor da produção para qualquer setor é medido apenas uma vez e, no caso da agricultura, esses dados são capturados no “farmgate” (portão da fazenda), termo usado para descrever o preço pago ao produtor. Todas as transações seguintes “agregam valor” à mercadoria e são acumuladas a um participante da cadeia de fornecimento; por exemplo, o aumento do valor da carne bovina beneficiada e do óleo de soja é acumulado ao setor manufatureiro, enquanto o custo do transporte de grãos para terminais de exportação é alocado ao setor de transporte. Da mesma forma, os gastos com insumos feitos por agricultores e pecuaristas antes da colheita ou da venda de gado são subtraídos da receita da fazenda e destinados aos seus respectivos setores de serviços, o que inclui veterinários, empresas de sementes, comerciantes de eletrodomésticos, empresas de combustível e vendedores de agroquímicos.
Uma comparação do valor bruto total da produção agrícola no Mato Grosso em comparação com a métrica de valor agregado, utilizada para compilar o PIB setorial, revela que 45% da receita total são alocados a prestadores de serviços ou fabricantes na cadeia de fornecimento de commodities.
O setor de serviços é o maior componente do PIB em sete jurisdições e o segundo setor mais importante nas dez restantes. A predominância do setor de serviços não é incomum entre as nações porque ele é um pacote de muitas atividades econômicas diferentes.
O crescimento do setor de serviços também é consequência da contínua urbanização da sociedade amazônica. Mais de cinquenta por cento dos moradores da região residem em cidades com populações superiores a 100.000 habitantes, e a esmagadora maioria trabalha no setor de serviços. Muitos dos serviços nas grandes cidades são ambientalmente benignos e poderiam ser facilmente acomodados dentro de uma economia “verde”, incluindo telecomunicações, gerenciamento de informações, cuidados com a saúde, hospitalidade e finanças. Somente Manaus tem um forte setor manufatureiro, situação anômala mantida por subsídios e barreiras tarifárias. As outras grandes cidades (Belém, Cuiabá, Santarém e Porto Velho, no Brasil, e Santa Cruz, na Bolívia) são economicamente diversas, mas suas empresas manufatureiras e de serviços dependem direta ou indiretamente das receitas da indústria extrativa ou dos setores agrícola e pecuário. A dependência das cidades de porte médio (10.000 a 100.000 habitantes) da economia rural é ainda mais acentuada porque eles são a porta de acesso econômico para os serviços do setor privado às fazendas, chácaras e comunidades rurais.
Cidades de porte médio e vilas também são onde os habitantes rurais têm acesso aos serviços públicos, principalmente aos cuidados de saúde e à educação secundária, mas também à assistência técnica e ao crédito financeiro. A má qualidade das escolas rurais motiva muitas famílias a manter residência em pequenas cidades próximas, um dos vários fatores que contribuem para a migração rural-urbana. Os habitantes urbanos também aproveitam o acesso a serviços básicos, como saneamento básico, eletricidade, acesso à Internet e educação superior. Todos eles estão ausentes na Amazônia rural.
As despesas governamentais são relativamente grandes no Brasil e são o setor líder no Acre, Amapá, Rondônia e Roraima, o que reflete a disposição da nação de subsidiar suas jurisdições fronteiriças por meio de transferências de receitas do orçamento federal para os orçamentos estaduais e locais. Isso inclui orçamentos operacionais para aplicação da legislação vigente, pesquisa e extensão agrícola, assim como apoio a um grande sistema público de universidades, supervisão ambiental e gestão de áreas protegidas.
A generosidade do Brasil contrasta com as nações andinas, onde os pequenos orçamentos públicos nas jurisdições amazônicas são um legado de seus sistemas de governança centralizada. A contribuição um pouco maior na Bolívia se deve à inclusão de sua capital (La Paz) na Pan-Amazônia, enquanto a da Colômbia é consequência do orçamento destinado a suas forças de segurança. Guiana e Suriname têm orçamentos historicamente semelhantes aos das repúblicas andinas, mas as despesas públicas irão aumentar após 2021, quando os campos de petróleo offshore começarem a produzir petróleo e gás natural.
Os orçamentos públicos oferecem uma das formas mais fáceis de canalizar recursos financeiros para desviar a economia amazônica de paradigmas de produção não sustentáveis, razão pela qual a abordagem jurisdicional está ganhando popularidade como uma forma de organizar o pagamento por serviços ambientais. O desafio será converter um aumento das despesas do Estado em uma modificação do comportamento dos atores do setor privado. O Brasil adotou uma versão dessa estratégia de 2004 a 2018, quando conseguiu reduzir o desmatamento dentro de seus estados amazônicos em oitenta por cento; entretanto, esse esforço causou uma reação política por parte dos proprietários de terras que se opõem às medidas regulatórias impostas pelo Estado.
Todas as nações da Pan-Amazônia sofrem de um déficit na infraestrutura básica, consequência de décadas de subinvestimentos causados pela instabilidade política, má governança e austeridade financeira imposta pelas instituições financeiras multilaterais. Um aumento na atividade de construção ocorreu entre 2005 e 2015 quando o boom global das commodities proporcionou aos governos nacionais receitas que lhes permitiram aumentar radicalmente os investimentos em infraestrutura básica. As áreas urbanas foram as mais beneficiadas porque era onde a necessidade era maior; no entanto, os investimentos em redes de transporte e sistemas de energia tiveram prioridade, pois os governos buscaram aumentar o crescimento econômico integrando áreas de fronteira à economia nacional e aproveitando os recursos naturais da Amazônia.
A contribuição da indústria da construção civil para o PIB regional é grande em todas as jurisdições, colocando-se logo atrás da agricultura como um componente da economia convencional. O financiamento da infraestrutura vem de uma combinação de orçamentos anuais, dívida emitida por bancos nacionais de desenvolvimento, títulos apoiados pelo governo e agências multilaterais de desenvolvimento. Entidades apoiadas pelo Estado chinês tornaram-se participantes proeminentes em projetos hidrelétricos de grande escala, enquanto investidores privados assumiram um papel de liderança no desenvolvimento das ferrovias. Os projetos de construção em larga escala nas regiões amazônicas têm sido duramente criticados por seus impactos ambientais e sociais; no entanto, eles contam com o apoio de autoridades eleitas nos sucessivos governos. O setor da construção civil é um defensor sem tréguas dos investimentos em infraestrutura de transporte e energia e vê o desmatamento e a degradação hidrológica como impactos ambientais aceitáveis.
Existe uma sinergia inerente entre os gastos em construção e o valor dos imóveis. Os investimentos agregam valor a um ativo, enquanto o valor da propriedade aumenta após melhorias na infraestrutura pública. A contribuição das transações imobiliárias reportada ao PIB é aproximadamente a mesma que a da construção e, da mesma forma, é em grande parte consequência dos investimentos em centros urbanos. O valor declarado das transações imobiliárias, no entanto, é frequentemente subdeclarado por compradores e vendedores a fim de evitar impostos, uma prática mais prevalente em regiões fronteiriças onde os contratos são executados sem a intermediação de bancos. Essa prática comum é outro exemplo de como a economia informal dá origem a práticas corruptas, e sua contribuição para o PIB é subestimada. Os mercados imobiliários são ainda mais distorcidos pela atividade altamente lucrativa de apropriação de terras e, nas repúblicas andinas, a lavagem de dinheiro ligada a drogas ilícitas. O controle da grilagem de terras é impedido pelas agências que administram os títulos, que são assoladas por ineficiências administrativas, um acúmulo de trabalho que se estende por décadas e funcionários cúmplices de atividades criminosas.
As indústrias extrativas nas regiões Pan-Amazônicas são extremamente importantes para as economias nacionais de Colômbia, Equador, Peru, Guiana, Suriname e, em menor grau, Bolívia e o estado do Pará. Todos os recursos minerais na Pan-Amazônia são propriedade do Estado, que os explora através de uma empresa estatal ou algum tipo de joint-venture com corporações especializadas em mineração, ou na produção de hidrocarbonetos. As receitas são revertidas para o PIB de uma região, mesmo que não fluam na economia local; em vez disso, são depositadas diretamente no tesouro nacional. Esse procedimento de contabilidade distorce o valor do PIB per capita, que é muitas vezes (mal) divulgado pela mídia de massa como medida do bem-estar humano. Quarenta e cinco por cento do PIB no Equador amazônico são provenientes das exportações de petróleo, e se excluirmos essa receita do PIB regional, o valor per capita em 2017 cairia de US$ 11.500 para US$ 6.400.
Os governos devolvem os rendimentos dos minerais às regiões produtoras como royalties que estão incluídos nos valores do PIB relatados pela administração pública. Os royalties variam entre regiões e entre commodities: o Peru tem o mais generoso mecanismo de compartilhamento de receitas, que combina royalties com imposto de renda corporativo em um sistema chamado de Canon. O Brasil tem o sistema de royalties mais frugal, mas transfere uma soma maior de dinheiro através do sistema orçamentário geral.
Assim como a agricultura, as indústrias extrativas geram benefícios às regiões através do setor de serviços, que variam dependendo do produto mineral: os hidrocarbonetos pagam royalties mais altos, mas consomem menos serviços, enquanto os mineiros pagam royalties mais baixos, mas consomem mais serviços. No Equador e na Colômbia, a exploração do petróleo foi um dos principais motores de assentamento e desmatamento da Amazônia, enquanto o desenvolvimento das jazidas de minério de ferro nas terras altas de Carajás foi parte de uma estratégia de desenvolvimento multissetorial.
O setor de mineração tem um componente ilegal que é uma das atividades mais lucrativas da Pan-Amazônia. A mineração de ouro artesanal e em pequena escala gerou cerca de sete bilhões de dólares em 2017, dos quais cerca da metade foi exportada através de canais invisíveis para as autoridades. A maioria dos mineiros de pequena escala utiliza tecnologias de mineração de jazidas que destroem as planícies aluviais, enquanto poluem as bacias hidrográficas com mercúrio. As bacias mais seriamente impactadas são as dos tributários do Madeira (Madre de Deus e Beni) e Tapajós (Crepori), o rio Caroni na Venezuela, o Essequibo na Guiana e o Courantyne na fronteira entre o Suriname e a Guiana Francesa.
“Os impactos do desmatamento, da fragmentação florestal e da degradação florestal estão debilitando a reciclagem da água, e isso está aumentando a intensidade e a frequência da seca sazonal e interanual.”
Outra atividade ilegal não capturada pelo PIB é a cadeia de abastecimento de cocaína que se origina na Bolívia, Colômbia e Peru. O cultivo quase legal (ou tolerado) de coca está associado a laboratórios flagrantemente ilegais que processam a folha de coca em cocaína. A cadeia de fornecimento de cocaína gera cerca de 1,5 bilhões de dólares anualmente dentro das regiões amazônicas, uma quantia multiplicada várias vezes à medida que o dinheiro é lavado nos setores de comércio, construção e imobiliário. O cultivo da cocaína é uma importante fonte de desmatamento nos contrafortes andinos, onde ocorre em paisagens ao redor de áreas protegidas e territórios indígenas.
O Pará desenvolveu uma indústria metalúrgica resultante de uma estratégia nacional deliberada para agregar valor às exportações minerais; isso levou a investimentos em usinas industriais que transformam bauxita em alumínio e minério de ferro em aço. A fundição de alumínio é um processo de energia intensiva e que motivou a construção de grandes instalações hidrelétricas nos rios Tocantins e Xingu. Usinas siderúrgicas e fundições de ferro-gusa consomem grandes quantidades de carvão vegetal fornecido por proprietários de terras que estabeleceram fazendas de gado ao longo da linha ferroviária entre as minas da Serra de Carajás e as instalações portuárias próximas a São Luís do Maranhão.
Os governos estaduais do Pará têm a tradição de ser “pró-mineração”, o que reflete os benefícios econômicos derivados das minas, incluindo royalties e receitas tributárias, porém, ainda mais importante, do crescimento econômico gerado pelos bens e serviços vendidos às empresas mineradoras. O corredor de desenvolvimento entre a Serra de Carajás e São Luís do Maranhão perdeu mais de oitenta por cento de sua cobertura florestal original.
Este texto foi originalmente publicado por Mongabay de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.
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