Escravidão moderna é um termo usado para definir pessoas em condição de trabalho ou casamento forçado
A escravidão moderna é “todo trabalho ou serviço que é exigido de qualquer pessoa sob a ameaça de qualquer penalidade e para o qual essa pessoa não se voluntaria”, segundo a Convenção sobre o Trabalho Forçado da OIT, 1930 (nº 29). O conceito moderno de escravidão diverge em alguns pontos da escravatura transatlântica que ocorreu no século passado. Ela abrange casos de tráfico humano, mas também de casamento forçado e servidão domestica.
O que é a escravidão moderna?
No relatório Global Estimates Of Modern Slavery, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Walk Free e Organização Internacional para as Migrações, a escravidão moderna é dividida em duas categorias: trabalho forçado e o casamento forçado.
Trabalho forçado
O trabalho forçado é todo caso em que o indivíduo é explorado por motivos comerciais, sendo ameaçado, abusado e vítima de violência em seu ambiente de “trabalho”. Nessas situações, as pessoas que sofrem com o trabalho análago à escravidão recebem menos do que o necessário para sobreviver, ou não recebem nada. Além disso, elas vivem em condições degradantes — muitas vezes dentro do local de trabalho — sem proteção para atividades perigosas e sem acesso a atendimento médico.
De acordo com o relatório da Organização Internacional do Trabalho, mais de 50 milhões de pessoas são vítimas da escravidão moderna em todo o mundo. Sendo que 28 milhões desses indivíduos vivem em condição de trabalho forçado. Apesar desses casos estarem presentes em quase todos os países, mais da metade (52%) se encontra em países de renda média ou alta.
Outros dados que o relatório aponta são que 86% do trabalho forçado pode ser encontrado no setor privado, enquanto apenas 14% é imposto pelo Estado. Pelo menos 23% dos casos de exploração por meio privado são de exploração sexual comercial, com quatro a cada cinco vítimas sendo mulheres ou meninas.
Por fim, a cada oito pessoas forçadas a trabalhar, uma delas é criança, contabilizando 3,3 milhões de vítimas. Além disso, metade delas é encontrada em situações de exploração sexual comercial.
Casamento forçado
O casamento forçado é considerado parte da escravidão moderna, pois se enquadra na descrição de “exploração, por outros, com motivação pessoal ou comercial, em que a vítima é enganada, coagida e forçada a perder sua liberdade”.
É estimado que cerca de 22 milhões de pessoas vivem em um casamento forçado ao redor do mundo. Entretanto, especialistas defendem que a incidência deve ser maior, principalmente quando se trata de vítimas com 16 anos ou menos. Porém, como a definição é restrita, nem todos os casamentos infantis se enquadram como casamento forçado.
Os dados do relatório mostram que mais de 85% dos casamentos forçados acontecem devido a pressão familiar. Apesar de 65% dos casos serem encontrados na Ásia e no Pacífico, quando se considera a porcentagem populacional regional, a maior prevalência de casos ocorre nos Estados Árabes. Nessas localidades 4,8 pessoas, em cada 1 mil, estão em um casamento contra sua vontade.
Quais são os tipos de escravidão moderna?
Para além das duas descrições que foram citadas acima, existem outras variantes da escravidão moderna, que podem ser encontradas ao redor do mundo. Confira:
Tráfico humano: o uso de violência, ameaça e coerção para transportar, recrutar e enganar pessoas para que elas sejam exploradas em trabalhos forçados como prostituição, criminalidade, casamento ou remoção de órgãos;
Servidão por dívidas: a população pobre mergulhada em dívidas pode sofrer com esse tipo de escravidão moderna, sendo forçados a trabalhar para pagar o que devem. Esses indivíduos costumam perder o controle sobre sua situação de trabalho e o valor de sua dívida;
Escravatura baseada na descendência (em que as pessoas nascem para a escravatura): uma forma antiga de escravidão, que perpetua até os tempos modernos, em que o indivíduo é tratado como propriedade, e todos os seus descendentes são escravizados;
Escravidão infantil: exploração infantil, seja para o tráfico humano, para a guerra ou treinamento militar, casamento forçado e escravidão doméstica de crianças;
Casamento forçado: quando uma pessoa se casa contra a própria vontade, e não pode sair do relacionamento. A maioria dos casamentos infantis são considerados escravidão moderna;
Escravidão doméstica: trabalho doméstico não é a mesma coisa que escravidão doméstica. O primeiro é legal: oferece uma boa fonte de renda, quando regularizado, e boas condições de trabalho. No entanto, quando um indivíduo trabalha na casa de alguém sem receber um salário digno e todos os seus direitos, de acordo com a legislação trabalhista, e ainda é vítima de abuso e exploração, ele está em situação de escravidão moderna.
Dados sobre a escravidão moderna no Brasil
Segundo dados da Walk Free Foundation, Observatório de Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas e de uma pesquisa do Ministério do Trabalho e Emprego, em parceria com o UOL, o Brasil:
- Tem mais de 300 mil pessoas submetidas á escravidão moderna;
- Em 2022, cerca de 2.575 pessoas foram resgatadas deste tipo de situação;
- Os estados com maior número de pessoas resgatadas de trabalho forçado foram: Minas Gerais (1.012), Goiás (267), Piauí (180), Rio Grande do Sul (156) e São Paulo (146);
- Apenas em 2022 foram resgatadas 980 crianças e adolescentes, sendo que 307 tinham menos de 16 anos e 603 tinham entre 16 e 18 anos;
Segundo a ONG Oxfam Brasil, o agronegócio é o setor mercadológico com mais incidência de escravidão moderna no Brasil. O Ministério do Trabalho aponta que 1.932 trabalhadores já foram resgatados do setor apenas no ano de 2022, sendo que o número de trabalhadores urbanos registrado na mesma época foi de 537.
Especialistas defendem que essa maior quantidade de vítimas do trabalho forçado em regiões rurais se dá pelo seu isolamento nos estabelecimentos em que são explorados. Esse fato dificulta a fiscalização por parte do governo e dificulta o acesso à informação daqueles que sofrem com essa realidade.
De acordo com o Ministério do Trabalho, a maioria dos casos de escravidão moderna são encontrados em atividades como:
- Cultivo de cana-de-açúcar;
- Atividades de apoio à agricultura;
- Cultivo de alho;
- Produção de carvão vegetal;
- Cultivo de café;
- Extração e britamento de pedras;
- Cultivo de maçã;
- Criação de bovinos;
- Cultivo de soja;
- Extração de madeira;
Escravidão moderna e energia sustentável
Um levantamento, do Conselho de Energia Limpa Australiano, revelou que o setor de energia limpa no mundo ainda sofre com o problema do trabalho forçado. A situação é ainda pior quando se fala do país, já que ele é um dos grandes produtores de energia sustentável no mundo.
Porém, especialistas alertam que não é possível considerar uma energia limpa ou sustentável se ela provém da exploração de indivíduos ao redor do mundo. Sendo assim, para alcançar essa meta, países como a Austrália precisam se dedicar para combater o mal da escravidão moderna. Assim garantindo os direitos humanos de pessoas vulneráveis ao trabalho forçado e ao tráfico humano.
Imigrantes e sua vulnerabilidade à escravidão moderna
Imigrantes e migrantes são um dos grupos mais vulneráveis quando se trata de escravidão moderna. Isso porque essas pessoas costumam fugir de sua região por motivos como guerra, pobreza ou repressão do Estado, chegando a localidades que nem sempre são abertas a recebê-los e a oferecer trabalho digno para a sua sobrevivência.
Como forma de conseguir se manter nessas novas regiões, os imigrantes e migrantes acabam suscetíveis a trabalhar em condições análogas à escravidão. Quando essa pessoa é de outro país e não tem conhecimento sobre a língua local, o risco se torna maior, já que ela não consegue comunicar o abuso que vem sofrendo e também não tem conhecimento sobre os seus direitos.
Sem um grupo de apoio, esses indivíduos acabam presos em um ciclo de exploração, em que não podem contar com ninguém para os socorrer ou libertá-los. A Organização Internacional do Trabalho sinaliza para a urgência de garantir uma migração segura, ordenada e regular, que permita que migrantes não acabem em situações de trabalho forçado.
Como acabar com a escravidão moderna?
A OIT, no relatório citado anteriormente, recomenda uma série de medidas que devem ser tomadas para que os países contribuam com o final da escravidão moderna. Elas são:
- Pôr fim ao trabalho forçado imposto pelo Estado;
- Ampliar a proteção social e fortalecer as proteções legais, incluindo aumento da idade legal do casamento para 18 anos sem exceção;
- Promover o recrutamento justo e ético;
- Abordar o aumento do risco de tráfico de pessoas e de trabalho forçado para trabalhadores (as) migrantes;
- Aumentar o apoio a pessoas vulneráveis;
- Fortalecer as medidas de combate ao trabalho forçado e ao tráfico de pessoas em empresas e cadeias de suprimentos;
- Melhorar e fazer cumprir as leis e as inspeções do trabalho;
É importante lembrar que o artigo 149 do Código penal brasileiro prevê punição de dois a oito anos de reclusão, além de multa, para quem “reduzir alguém à condição análoga à de escravizado, quer submetendo a trabalhos forçados ou a jornadas exaustivas, quer sujeitando a condições degradantes de trabalho, quer restringindo por qualquer meio a sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto”.
Por fim, os empregadores, quando identificados, devem pagar todos os direitos trabalhistas pendentes as vítimas resgatadas. Em casos em que o trabalhador escravizado é uma criança ou é vitimizado devido a sua raça ou etnia, a lei estabelece um aumento na pena.
Qual a principal diferença entre a escravidão antiga e moderna?
A principal diferença entre a escravidão moderna e a antiga é o caráter mercantil do escravizado. Durante a escravatura transatlântica de povos africanos, o escravizado negro era tido como uma moeda de troca, e o sistema todo funcionava como um setor mercadológico da sociedade (1).
Na modernidade, a escravidão é usada como uma forma de reduzir o custo de produção das empresas. Assim permitindo a diminuição considerável do valor de custo de um produto, criando uma competição desleal no mercado.