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Audiência foi presidida pelo senador Astronauta Marcos Pontes (ao centro, entre Israel Araújo e João Valsecchi)

Por Agência Senado | Sem a presença efetiva, conjunta e constante de todas as esferas do Estado, com a participação e o fortalecimento de instituições de pesquisa, órgãos de controle e das próprias lideranças indígenas, não haverá solução definitiva para a miséria social e a destruição provocada pelo garimpo ilegal.

A avaliação foi feita nesta quarta-feira (26) pelos especialistas que participaram de audiência pública na comissão temporária externa do Senado que analisa a saída dos garimpeiros do território indígena Ianomâmi.

Os participantes do debate ressaltaram ainda que, nos últimos anos, o enfraquecimento das instituições públicas, a ação precária dos órgãos de controle e a inação do Estado favoreceram o aumento acentuado do garimpo ilegal e a atuação de “piratas de rio”, associados ao tráfico de armas, drogas e animais silvestres, entre outras práticas criminosas.

Ao debater soluções para a mitigação dos impactos do garimpo ilegal, os especialistas foram unânimes em defender ações de rastreabilidade do ouro, “do garimpo à joalheria, ao sistema financeiro e bolsas de valores”, a partir da criação de marcadores de selos e certificados digitais e assinaturas químicas, com características únicas e exclusivas, como forma de atestar a autenticidade da porção de ouro que vai compor os futuros lingotes e barras de mineral.

Presidente da comissão temporária, o senador Chico Rodrigues (PSB-RR) defendeu a regulamentação do uso dos recursos apreendidos que tiveram origem na mineração ilegal, “para não fiquem aí no imaginário, sem utilização”. O senador defendeu ainda a preservação das etnias, mas também os interesses nacionais de Roraima, que constitui uma província mineral e tem as suas próprias dificuldades do ponto de vista econômico.

Também presente ao debate, a senadora Damares Alves (Republicanos-DF) apontou a omissão do Estado e dos cientistas no passado em relação aos garimpeiros de Serra Pelada, no Pará, nos anos 80. Em sua avaliação, será necessário “afastar as ideologias e a coragem” para enfrentar os interesses do poder econômico e enfrentar os conflitos que afetam o povo ianomâmi e os indígenas de todas as regiões. Ela defendeu a elaboração de soluções com base cientifica para dar solução definitiva a esses problemas, “para que quando esse barulho acabar, quando essa comissão acabar, os problemas que persistem há 25 anos não voltem a estar presentes.

Ações emergenciais

Para o diretor do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, João Valsecchi do Amaral, qualquer iniciativa a favor dos indígenas tem que ser discutida com os povos que vivem na região.

— As ações têm que se somar às iniciativas já existentes, gerando conhecimento e impactos novos. As ações emergenciais relacionadas a crise sanitária têm que ser prioritárias em relação a qualquer ação, dada a situação crítica local. Além do mercúrio, há a ameaça à segurança, à vida, ao direito de ir e vir, à posse dos territórios, à reprodução dos modos tradicionais. Há o aliciamento à prostituição sexual e infantil levada pelo garimpo, com consequências danosas às populações. Somente com a presença do Estado e de suas instituições o cenário poderá ser alterado. A situação não é nova, o mercúrio já provocou a maior incidência de neurologias nas comunidades. Há notícias sobre isso desde 2016— afirmou.

Amaral disse que é preciso intensificar a realização de diagnósticos para a detecção de contaminação por mercúrio de forma permanente em todos os rios, águas subterrâneas e na fauna local, utilizada como alimento não só pelos ianomâmis, mas em toda a região amazônica. Defendeu também a adoção de levantamentos epidemiológicos e a implementação imediata de formas de controle e monitoramento de longo prazo da malária e de outras doenças.

— Para acabar com a malária, que nem é uma doença brasileira, ela veio da África, tem que acabar com o garimpo ilegal, um dos grandes causadores do aumento das doenças na região— avaliou.

Outras ações defendidas por Amaral incluem a restauração, a médio e a longo prazo, de áreas de nascente e de áreas degradadas, de trilhas e de estradas abertas pelo garimpo ilegal, com a criação de protocolos específicos na região, sempre com a presença constante do Estado, de instituições científicas e de lideranças indígenas.

As ações contemplam ainda a criação de bases de campo para pesquisa e extensão, a manutenção das bases de uso local estratégico, “desmanteladas com o tempo”, de bases de campo para pesquisa e extensão, o controle do garimpo e o desenvolvimento da retomada e da proteção territorial consistentes.

— Ações isoladas não irão funcionar, pois implicam a retomada das áreas ocupadas pelos garimpeiros. São ações de saúde e ações de conservação. O dono do posto que vende gasolina para o garimpeiro tem que passar a vender para quem faz ações de conservação. A própria população já indicava os caminhos a serem seguidos. A proximidade das instituições de pesquisa e do Estado de forma continuada, de fato, terá impacto na região— disse.

Atividades produtivas

Em resposta ao senador Rodrigues, Amaral disse que é possível conciliar desenvolvimento e outras atividades produtivas como a mineração em terras amazônicas.

O que tem que ser feito é o reconhecimento das características de cada uma das localidades. No caso dos ianomâmis, eu diria que são poucas as atividades que podem ser implantadas prontamente, dado o isolamento das comunidades.

Em relação ao que poderia ser feito como forma de garantir uma alternativa de renda a quem se dedica ao garimpo ilegal, Amaral respondeu que há diferenças entre aqueles que atuam na mineração de forma regular e a atividade ilegal.

Há décadas aquelas pessoas estão migrando para a atividade ilegal em razão da perda de poder econômico. No passado, elas já estavam inseridas em alguma atividade econômica e decidiram fazer essa mudança. A gente tem recursos naturais extrativos de “ene” tipos que podem ser trabalhados por essa população, que não necessariamente envolvam alguma atividade ilegal. Os garimpeiros podem exercer atividade legalmente fora de terras indígenas e em áreas de concessão que têm que necessariamente andar [em termos de regularização]— apontou.

Amaral disse ainda que o impedimento do garimpo ilegal não vai provocar a migração para outras atividades criminosas, visto que todas as ações ilegais crescem em razão da simples ausência do Estado e das instituições públicas de controle.

— A gente precisa fortalecer as instituições na região amazônica, fortalecer a presença do Estado— concluiu.

Conflito secular

Consultor Legislativo do Senado e geólogo de formação, Israel Lacerda de Araújo destacou que o conflito em torno da mineração na região amazônica “é concreto, não é recente e acontece há praticamente um século, em espécie de ondas, que ora se mantem escondido, ora atuando como um vírus latente e perverso” com quem tem maior suscetibilidade, como o povo yanomâmi.

Parte do conflito recente deve-se à ausência e inércia estatal, o que tende a agravar o problema significativamente, visto que a minoria sofre com a ausência de vigilância, o que faz com que os garimpeiros ilegais acabem se sobrepondo à população local, como ocorre em Roraima e em outras regiões do pais, segundo o consultor legislativo.

Araújo defendeu uma solução multidisciplinar para o presente conflito, que inclui a identificação dos distritos produtores de minério, a adoção de nota fiscal eletrônica, o registro eletrônico da rota de custódia do ouro, certificação e auditorias por terceiros e a atuação do Banco Central em toda a cadeia de produção do mineral.

— A ausência do Estado vai causar outras crises, é uma questão de tempo. A ANM [Agência Nacional de Mineração] tem sido morosa para fazer análise dos direitos minerários, o que favorece a invasão de terras indígenas por garimpeiros ilegais. Os distritos minerários localizam-se no cinturão do desmatamento da região amazônica— afirmou.

Origem do ouro

Perito criminal federal, Fábio Augusto da Silva Salvador avaliou que a adoção de métodos científicos levará a soluções de rastreabilidade e proveniência de materiais.

— Não estaríamos conversando sobre a crise ianomâmi se o preço do ouro não estivesse elevado há tanto tempo, com a guerra na Europa. É a economia que motiva essas discussões. Se o ouro estivesse com a metade do preço que tem hoje, talvez não estivéssemos conversando aqui, e a população ianomâmi não estaria sendo observada há tanto tempo. Neste momento, está havendo ilicitude com relação ao nosso bem mineral, que historicamente sangra há centenas de anos— ressaltou.

Salvador informou que a Polícia Federal atua intensamente para definir a origem do ouro e, dessa forma, identificar possíveis irregularidades no mineral apreendido nas operações promovidas pela instituição.

— A análise isotópica dos metais que compõem a liga de ouro é uma das formas mais avançadas de qualificação das amostras do mineral.  O termo rastreabilidade hoje está em voga no mundo inteiro. É fundamental que ela seja discutida. Temos que dar a resposta exigida pelo processo legal. Dezenas, centenas de quilos de ouro são apreendidos no Brasil todos os meses. Roraima faz divisa com a Venezuela. Grande parte do ouro que entra em Roraima vem Venezuela, do Vale do Orinoco, com suas características geoquímicas que permitem a distinção do ouro de Roraima. O ouro da Guiana se mistura como ouro do Amapá— explicou.

O perito defendeu a regulação da rastreabilidade do ouro, a adoção de nota fiscal eletrônica e o controle da cadeia burocrática do mineral, “que já deveriam existir há muito tempo”.

— Existem diferentes origens do ouro. Tudo isso que estamos discutindo compõe um quadro coerente que tem que ser conduzido pelo Brasil. A Polícia Federal pode capitanear essas ações porque temos que ter velocidade e rapidez nas respostas. Daí a importância de receber apoio para que essas provas em relação à ilicitude sejam indiscutíveis. Uma barra de ouro do tamanho de um celular vale 320 mil reais e pode ser negociada na Rússia, no Oriente Médio e em outras regiões do mundo. Todo aquele ouro mandado para fora do Brasil pode retornar como riqueza para o país, gerar dinheiro para novas pesquisas. Temos potência para fazer tudo isso aqui no Brasil, antes de outros países, com dinheiro suficiente e capacitação de pessoas— afirmou.

Ouro confiscado

Em resposta a senadora Damares, que o questionou sobre a destinação do ouro apreendido pelos policiais, Salvador explicou que o material confiscado é leiloado e a destinação dos valores apreendidos fica a cargo da Agência Nacional de Mineração (ANM). O perito defendeu a destinação dos valores auferidos para o desenvolvimento de pesquisas em vários setores, o que iria contribuir para a solução dos problemas que atingem o setor aurífero.

Ao senador Rodrigues, o perito federal explicou que a presença de ouro ocorre de maneira pouco homogênea na área ianomâmi. Salvador defendeu a prática da mineração, desde que “separado o joio do trigo”.

— Empresas de mineração sérias que existem no Brasil podem levar alternativas a essas regiões, hoje deixadas ao Deus-dará. Felizmente, o Brasil pode ainda discutir seu potencial econômico mineral a partir de metodologias científicas— concluiu.

Contrabando de mercúrio

Vice-Presidente da Academia Brasileira de Ciências, Jailson Bittencourt de Andrade cobrou fiscalização em torno do mercúrio usado no garimpo ilegal. Ele destacou ainda que o mercúrio transportado pela atmosfera atinge todas as regiões do Brasil, afetando o homem e os demais seres vivos, dada a volatilidade da substância.

— O país não produz nem importa mercúrio, todo mercúrio usado é contrabandeado. Temos uma questão de fronteira que tem que ser muito bem cuidada. O mercúrio é a forma mais fácil de minerar. É preciso articulação do governo brasileiro com os países [que fazem parte da bacia amazônica] para fortalecer a fiscalização do mercúrio. Os ianomâmis são os mais atingidos. Mas o problema não é só da Amazônia, é uma questão global— afirmou.

Diretor-Geral do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais, Antonio José Roque da Silva defendeu a rastreabilidade não só para o ouro, mas também para outras riquezas minerais com origem na Amazônia. Ele ressaltou ser possível a criação de uma espécie de “ouroteca”, com amostras de referência de diversos minerais, a partir da criação de laboratórios dotados de alta tecnologia e pessoal extremamente bem treinado.

Superintendente comercial na Casa da Moeda do Brasil, Leonardo Abdias destacou que o mercado ilícito evolui ao longo do tempo, como forma de burlar as formas de controle adotadas. Ele defendeu a adoção de selos e de certificados digitais, com características próprias, para combater a exploração ilegal de ouro.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

Fonte: Agência Senado

Este texto foi originalmente publicado pela Agência Senado de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.


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