“O processo de desinformação envolve uma miríade de atores – de cidadãos comuns a representantes políticos – e de comportamentos – de um simples reencaminhamento de mensagem a operações coordenadas bastante complexas. Nessa interação multifacetada, as estratégias tecnológicas têm, certamente, um papel central.” É o que afirma a professora Nina Santos, doutoranda no Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital e pesquisadora associada do Centre d’Analyse et de Recherche Interdisciplinaires sur les Médias da Université Paris II, na França, uma das participantes do evento on-line As Estratégias Tecnológicas da Desinformação, que ocorrerá nesta quinta-feira, dia 19, das 9h30 às 11h30, com transmissão ao vivo pelo site do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP.
Para a professora Nina, a desinformação é um tema que tem sido amplamente discutido e que claramente já preocupa muitos brasileiros. “Muito se fala de comportamentos que podem ajudar a combater o espalhamento de notícias falsas e de como as pessoas podem estar atentas a isso. O que é menos comentado, no entanto, é que a própria estrutura das chamadas plataformas pode esconder alguns mecanismos que favorecem esse tipo de conteúdo. Por isso é tão importante pensar nessa parte mais estrutural, que é menos visível”, afirma.
“Quanto mais invisível é um elemento, menos ele pode ser criticado, auditado, questionado”, continua a professora. “A ideia de que as plataformas são neutras ou de que elas na verdade promovem uma desintermediação faz com que, na verdade, uma série de processos fique fora do horizonte dos usuários”, diz. Mas, segundo ela, quando olhamos de perto, vemos que existem uma série de decisões que resultam em estruturas que direcionam a circulação informativa. “Essas decisões estão sendo tomadas por plataformas privadas, que constroem regras não públicas de como a informação circula ali”, informa. “Para que esses ambientes sejam mais democráticos, precisamos urgentemente torná-los mais visíveis ao debate público.”
“Temos cada vez mais estudos sobre poder computacional, arquitetura das redes sociais, Inteligência Artificial e sobre o uso de robôs para a proliferação de desinformação. Um ângulo, no entanto, pouco explorado nessa literatura é a mudança provocada por esses fenômenos na relação entre representante e representado”, afirma o professor Miguel Lago, que vai iniciar os debates com a palestra Como as Novas Estratégias Tecnológicas da Desinformação Afetam a Relação Governante-Governado?.Lago cita duas ideias contraditórias. A do professor de Filosofia Luciano Floridi, da Universidade de Oxford, que defende a ideia de que entramos na hiper-história, onde todas as relações sociais sofreram importantes mutações. “No campo político, Floridi sustenta a tese de que o ‘consent of the governed’ mudou totalmente de natureza: o engajamento a associações teria sido suplantado pelo engajamento a causas”, informa. Na contracorrente, continua, Paolo Gerbaudo afirma que a literatura sobre arquitetura de mídias sociais sugere uma afinidade entre populismo personalista e mobilização digital. “Afinal, existe uma nova relação entre governado-governante própria à era digital?”, questiona Lago.Para ele, a Inteligência Artificial pode aumentar o nível de participação política, como pode também reduzi-lo. “Vemos, por exemplo, experiências de IA extremamente limitadores do exercício democrático: social scores, Big Data, automatização. Por outro lado, vemos a criação de bots para ganhos de escala de participação cívica. Tudo depende do desenho que se faz da IA e como o seu uso é regulado.”
Com o tema Invisibilização como Estratégia: A Desinformação Pode se Esconder nos Caminhos Tecnológicos, Nina Santos fala, na sequência, sobre o processo de desinformação e as estratégias tecnológicas, que, segundo ela, muitas vezes passam despercebidas e acabam sendo vistas como parte constituinte do mundo digital, mas que na verdade trata-se de escolhas estrategicamente orientadas. “Existem estruturas concretas que são pensadas de acordo com determinados interesses e que influenciam em como o conteúdo circula. Por isso mesmo, para percebê-las precisamos entender como essas plataformas funcionam”, comenta.
Um dos pontos que a professora vai abordar diz respeito à efemeridade dos conteúdos. Como explica a professora, o fato de esses conteúdos serem colocados no ar e depois retirados ou moderados pode na verdade ser uma estratégia que faz com que eles tenham uma vida longa, não na plataforma inicial onde foram postados, mas sim em outras redes onde são compartilhados. Segundo Nina, é preciso olhar para o que está por trás das cortinas e não apenas para o nosso uso cotidiano. Para a professora, esse olhar é uma forma de fazer um diagnóstico preciso da circulação informativa hoje e também de formular alternativas para ela.
O evento As Estratégias Tecnológicas da Desinformação será realizado nesta quinta-feira, dia 19, das 9h30 às 11h30, com transmissão pelo site do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP. A realização é do Center for Artificial Intelligence e do Núcleo de Apoio à Pesquisa Observatório da Inovação e Competitividade, sediado no IEA. Evento grátis, sem necessidade de inscrição. Mais informações neste link.
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