Será que os solos podem se extinguir? Segundo a ONU, um terço deles já está sob risco
Um estudo publicado pela revista New Scientist abordou um assunto que vem preocupando os cientistas: uma “espécie” que está literalmente em todos os cantos do planeta corre risco de ser extinta: os solos. Pode parecer estranho dizer que os solos podem se extinguir, mas, de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), que nomeou 2015 como o Ano Internacional dos Solos, mais de um terço da camada superior do mundo está em perigo.
A ONU afirma que estamos perdendo solo a uma taxa de 30 campos de futebol por minuto e, se não retardarmos esse declínio, todo solo agricultável que temos pode desaparecer em 60 anos.
Os solos nos proporcionam 95% da nossa alimentação e sustentam a vida humana de várias outras formas, o que evidencia a enorme dimensão do problema. Segundo Peter Groffman, especialista do estudo do solo do Instituto Cary de Estudos de Ecossistemas em Nova Iorque, essa é a maior e pior ameaça ambiental aos seres humanos.
Isso porque um grama dos nossos solos pode conter 100 milhões de bactérias, 10 milhões de vírus, mil fungos, e outras populações que vivem em meio a plantas em decomposição, o que significa que não são só a nossa principal fonte de alimento, mas também nossa principal fonte na fabricação de antibióticos, e nossa principal esperança na luta contra bactérias resistentes a esses antibióticos. Além disso, graças aos micro-organismos presentes neles, que digerem restos de animais e plantas mortas, os solos são nosso maior local de armazenamento de carbono – contendo três vezes mais carbono que nossa atmosfera – mesmo estando degradados, o que os torna um grande aliado também contra as alterações climáticas. E não é só um bom armazenador de carbono, armazenar água é outro talento dos solos, mas que infelizmente é perdido com sua degradação.
Agricultura e degradação
Esse fenômeno acontece como uma das consequências da agricultura agressiva. Apesar de nos proporcionar a maior parte da nossa alimentação por meio da prática da agricultura, a mesma é, de longe, o maior de seus problemas. Na natureza, os nutrientes removidos pelas plantas são devolvidos quando elas morrem e se decompõem; já os seres humanos tendem a não retornar esses nutrientes, não devolvendo ao solo as partes não utilizadas das colheitas. Percebendo isso, algumas estratégias foram colocadas em prática para tentar contornar o problema, como deixar algumas partes do campo sem cultivo e alternar as culturas plantadas, já que cada uma delas necessita de diferentes nutrientes, de forma a manter o solo em equilíbrio. Mas, conforme a população cresce e a mecanização da agricultura se dá, essas práticas perderam a eficácia.
A solução veio no início do século XX, com o processo Haber-Bosch para a fabricação de fertilizantes, e desde então os agricultores enchem seus campos com fertilizantes sintéticos. O que mais tarde descobriram não ser uma solução apropriada, já que fertilizantes químicos liberam poluentes para a atmosfera e, com a chuva, seu excesso escoa para os rios, prejudicando a proliferação de algas, além de ferir o solo, transformando-o em ácido e salgado, suprimindo as relações simbióticas entre fungos e as raízes das plantas.
De muitas maneiras, os fertilizantes que deviam sustentar e adubar o solo, estão acelerando a extinção dos mesmos. Com isso, os pesquisadores estão trabalhando na fabricação de fertilizantes mais inteligentes e menos agressivos para as plantas e para o ambiente; alguns se inspirando na forma como as plantas coexistem com as bactérias no solo, outros testando uma “receita” de bactérias benéficas, fungos micorrízicos e húmus que aderem às raízes das plantas ajudando-as a extrair os nutrientes. De qualquer forma, fertilizantes à base de micróbios já estão sendo desenvolvidos por grandes empresas agroquímicas, e vários países estão com programas de incentivo para sua utilização pelos agricultores.
Ações
Em 2010, a ONU criou o projeto Mapa Global do Solo, onde pesquisadores de nove países trabalham juntos para criar um mapa digital em tempo real das condições do solo em todo o mundo. A ideia é produzir um mapa com uma resolução de 1 km, ligado a um banco de dados online, que será alimentado a partir de levantamentos de campo, pesquisas com drones, imagens de satélite, análises laboratoriais, etc., em que os dados obtidos serão cruzados com os dados já existentes, fornecendo informações em tempo real quanto a saúde do solo. Em 2019, os pesquisadores pretendem ter mapeado os solos em todo o mundo, em até 100 metros de profundidade, com os resultados livremente acessíveis a todos.
Os cientistas estão planejando também a criação de zonas protegidas para os solos que estão em via de extinção, apesar de que pouco movimento oficial tenha acontecido sobre a questão até agora. Um dos problemas é definir o que essas zonas deveriam conservar: áreas onde há a maior diversidade do solo presente? Ou áreas de solos intocados e primitivos que possam vir a ser uma referência futura de qualidade? Mas, além dessas questões, outra de extrema importância é a conscientização de que, se queremos salvar nossos solos, primeiramente devemos querer parar de tratá-los como lixo.
O artigo publicado pela New Scientist traz os números dos prejuízos causados pela perda de solo fértil: 44 bilhões de dólares nos Estados Unidos devido a erosão, 233 milhões de libras no Reino Unido devido a menor capacidade dos solos em armazenamento de água, gerando menor fluxo, e 40 bilhões de dólares na África devido ao aumento da importação de alimentos, decorrente da queda da produção em virtude dos solos degradados. E ainda, segundo números divulgados pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e a Agricultura (FAO-ONU), 50% dos solos na América Latina e no Caribe sofrem com deficiência de nutrientes. A degradação do solo é um assunto complexo que envolve outras áreas, como as mudanças climáticas, a biodiversidade, segurança alimentar e a água, por isso, se quisermos reverter esse cenário, precisamos começar a tratar tal assunto com a devida importância e cuidado.
Para entender melhor, assista a um vídeo divulgado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).