Lúpulo usado hoje nas cervejarias do Brasil é quase 100% importado. Pesquisas da USP apontam as variedades da planta que melhor se adaptam ao clima tropical e com maior potencial para a qualidade da cerveja
Por Ferraz Junior, Rita Stella e Brenda Marchiori em Jornal da USP – Após dois anos estudando a produção nacional do lúpulo, insumo essencial para a fabricação da cerveja, pesquisadores da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da USP afirmam que a planta colhida no Brasil tem qualidade equiparável às cultivadas pelos Estados Unidos e República Tcheca, dois grandes produtores internacionais da planta.
Responsável pelo amargor e aroma característicos da bebida, o lúpulo utilizado hoje pelas cervejarias brasileiras é praticamente 100% importado. Com a demanda em alta, pelo aumento do consumo e da quantidade de cervejarias artesanais, os resultados das pesquisas devem agradar produtores agrícolas e as indústrias que dependem da planta. É o que acredita o coordenador de um dos grupos de estudo do lúpulo nacional, o professor Fernando Batista da Costa.
Conta o professor Costa que, desde meados de 2019, eles cultivam e acompanham o desenvolvimento do lúpulo plantado em área do campus de Ribeirão Preto da USP. Os pesquisadores observam, principalmente, a produção de cones (inflorescência, parte da planta de onde se extrai a substância para preparar a cerveja), em busca da variedade que melhor se adapte às condições de solo e clima, consideradas barreiras para a produção no País, já que a planta é típica de clima temperado.
Mas, se depender dos achados da equipe do professor Costa, o sucesso do lúpulo em terras tropicais é certo, pois, das quatro variedades em estudo, os pesquisadores aprovaram duas, a Chinook e a Cascade, que se desenvolveram e produziram cones em quantidade suficiente para a indústria. “Um lúpulo tão bom quanto o importado”, enfatiza Costa. Além da produção e desenvolvimento dos cones do lúpulo, a equipe estuda a parte fisiológica, verificando a fotossíntese, as trocas gasosas e o estresse oxidativo.
Outra equipe da FCFRP, coordenada pelo professor Leonardo Gobbo Neto, se dedica ao estudo metabolômico do lúpulo, parte que analisa as principais substâncias que dão aroma e sabor à bebida, como os óleos voláteis e os chamados ácidos amargos. Integrante desta equipe, o pesquisador Guilherme Silva Dias diz que está em busca da dosagem ideal do lúpulo nacional para a composição da cerveja, realizando diferentes testes à procura dos “metabólitos do lúpulo que contribuem para o perfil sensorial da bebida pronta”. O professor Gobbo Neto informa que este estudo deve contribuir para que as cervejarias, nacionais e internacionais, consigam produzir o perfil desejado de uma cerveja.
A composição química do lúpulo, comenta Dias, é básica para a fabricação da cerveja porque “é extremamente complexa, contribuindo com o amargor, que é muito importante para compensar o dulçor proveniente do malte e tornar a bebida agradável ao palato”. Além de contribuir para o aroma e a formação de espuma, é responsável ainda pela conservação, atuando “como antioxidante e antimicrobiano, protegendo a cerveja de processos oxidativos e de possíveis contaminações”.
Dias realiza seus estudos em uma variedade de lúpulo cultivada nos Estados Unidos. Segundo o pesquisador, o trabalho já está em fase final e as cervejas, produzidas com o lúpulo cultivado no campus de Ribeirão Preto da USP, “estão prontas para passar por um painel sensorial”. Ele explica que esta é uma etapa de degustação feita por diversas pessoas em eventos específicos, que irá verificar a aceitação da bebida da USP em comparação à bebida que utiliza o mesmo lúpulo importado dos EUA.
Produção nacional de lúpulo cresce 110%
O mercado de cervejas artesanais vem se expandindo no Brasil e a proliferação de microcervejarias fez muito cervejeiro repensar a compra de insumos para a produção da bebida. Só em 2019, o Brasil importou 3.600 toneladas de lúpulo, de acordo com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Mas, há cerca de quatro anos, a necessidade de alternativas à importação levou alguns produtores nacionais a iniciar o cultivo do insumo.
No ano passado, a área plantada aumentou 110% em relação a 2019, com o lúpulo ocupando 42 hectares e produzindo 24 toneladas, segundo a Associação Brasileira de Produtores de Lúpulo (Aprolúpulo). Esse é o caso de Thiago Cunha, produtor rural pioneiro no plantio de lúpulo em Ribeirão Preto, interior de São Paulo. “Eu resolvi fazer um teste aqui em Ribeirão Preto para ver se o clima era favorável, se a planta se desenvolve bem”, conta o produtor. E o resultado surpreendeu: a boa adaptação ao clima e solo fez o produtor expandir a plantação, que passará dos atuais 500 pés para mil no próximo ano.
Cunha cultiva três espécies de lúpulo, a Comet, a Cascade e a Mantiqueira. Ele conta que as duas primeiras têm alto índice de demanda pelos cervejeiros, ao contrário da Mantiqueira, mas que optou por esta também, já que todas as três se deram “muito bem no clima de Ribeirão Preto”.
O estudo coordenado pelo professor Costa confirma o que o produtor rural observou na prática com a Cascade. As espécies Chinook e Cascade foram as que melhor se adaptaram às condições climáticas da região com “um desenvolvimento adequado”. Outras duas espécies analisadas também cresceram e produziram cones, “porém a quantidade não foi suficiente; não seria também suficiente para a indústria, de acordo com nosso estudo”, adianta.
Lúpulo brasileiro na produção nacional de cerveja
Em 2020, existiam no Brasil 1.383 cervejarias registradas. Segundo o Anuário da Cerveja do Mapa, a quantidade representa um aumento de 14,4% em relação a 2019. No mercado global de cerveja, o Brasil é o terceiro maior produtor, com média de 14 bilhões de litros produzidos por ano, atrás apenas da China e dos Estados Unidos. É conhecido também por grandes cervejarias com presença em diversos outros países.
A quantidade de cervejarias artesanais também chama a atenção na região de Ribeirão Preto, um dos principais polos cervejeiros do Estado de São Paulo. Só na cidade existem 12 cervejarias artesanais. Para dar conta da demanda por insumos, esses produtores usam os nacionais, mas precisam apelar para a importação do lúpulo.
A depender da qualidade do lúpulo, a necessidade de importar o insumo pode diminuir. Renan Furlan, engenheiro agrônomo e consultor no cultivo da planta, afirma que o Brasil já produz lúpulos com qualidade semelhante à dos países de origem, “com resultados muito bons, bem similares ao importado”. Ele informa ainda que a planta leva de três a quatro anos para produzir e “atingir seu potencial máximo, tanto de produtividade quanto de qualidade”, o que corresponde ao início do plantio no País.
Cervejeiro e estudioso da história da bebida, Paulo Garcia de Almeida concorda que o plantio de lúpulo no Brasil tende a crescer e, “consequentemente, quando a produção for competitiva comercialmente, haverá uma diminuição do preço desse insumo para os fabricantes”. Entretanto, ele diz que a quantidade de lúpulo na formulação das cervejas não deve influenciar o preço final, por não ser expressiva.
Investimentos no cultivo e no pós-colheita
“O lúpulo se adapta bem, desde solos arenosos até solos bem argilosos”, explica o consultor cervejeiro Furlan, acrescentando que o solo precisa apenas ser bem drenado e apresentar uma boa aeração. Ele diz que o cultivo está sendo testado em todos os tipos de climas brasileiros e, “na maioria deles, tendo sucesso”.
Na opinião do sommelier e mestre cervejeiro argentino Tio Limongi, a qualidade do lúpulo brasileiro é muito boa, mas falta “investimento no pós-produção”. Limongi produz cervejas artesanais na região de Ribeirão Preto há seis anos e afirma que o uso de “ingredientes naturais da região é primordial” para a qualidade, mas que não adianta “só plantar e colher”, é preciso “investir no pós-colheita”.
A mesma ideia é defendida pelo professor Costa, que acredita que solo e clima não serão problemas, mas que o País terá que usar toda a expertise agrícola tanto para o desenvolvimento do cultivo no campo, quanto no armazenamento da produção do lúpulo. “A gente tem que pensar na produção de cone e também no pós-colheita”, diz, informando que, após a colheita, o cone “tem que ser armazenado a vácuo e refrigerado”, o que envolve outros custos de produção. O manuseio dos cones também merece atenção, pois, após longo período de armazenamento ou quando retirado da refrigeração para seguir à cervejaria, “pode perder propriedades aromáticas interessantes”, alerta o professor.
Este texto foi originalmente publicado por Jornal da USP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original.