Imagine que você está passeando ocasionalmente na Biblioteca Pública de Cambridge, em Massachussetts, nos Estados Unidos. Enquanto isso, do lado de fora do local, uma árvore da espécie faia-europeia com mais de 80 anos de idade está compondo uma canção. Parece absurdo? Mas é possível, graças a um projeto encabeçado pelo músico e designer de som Skooby Laposky.
Enquanto a árvore fotossintetiza, absorve e evapora água, um sensor movido a energia solar e conectado a uma folha mede a microtensão de toda aquela atividade invisível. Laposky teve a ideia de atribuir uma escala de tonalidades e notas a essas alterações na atividade elétrica da árvore, transformando seus processos biológicos diários em belas músicas.
As canções arbóreas estão disponíveis no site da estação de rádio on-line Hidden Life Radio, projeto conduzido por Laposky em parceria com o Departamento de Obras Públicas Florestais Urbanas de Cambridge e financiado parcialmente pela galeria de arte Cambridge Arts Council.
A Hidden Life Radio também apresenta os sons musicais de duas outras árvores da cidade: um espinheiro-da-Virgínia (Gleditsia triacanthos) e um carvalho-vermelho (Quercus rubra), ambas localizadas do lado de fora de outras filiais da Biblioteca de Cambridge, a Boudreau Branch e a Collins Branch.
Para ouvir as músicas, acesse o site da Hidden Life Radio ou clique nos players abaixo:
A ideia de criar a Hidden Life Radio surgiu a partir de uma preocupação o desaparecimento das árvores antigas da cidade. Ao mesmo tempo, o músico estava lendo o best-seller de Peter Wohlleben, The Hidden Life of Trees (“A vida secreta das árvores: O que elas sentem e como se comunicam“, publicada no Brasil pela editora Sextante) que também lhe serviu de inspiração.
Os sensores instalados nas árvores são dispositivos de sonificação de biodados que funcionam a partir de energia gerada pelo sol. A tecnologia inovadora permitiu que Laposky transformasse todas as atividades captadas das plantas em músicas. A transmissão da Hidden Life Radio é uma composição musical que se desdobra em tempo real e funciona 24 horas por dia, desde a folhagem no verão até a queda das folhas em novembro. As condições ambientais, como o clima, afetam diretamente a forma como a composição é formada.
Laposky já havia usado a tecnologia de sonificação de biodados para criar uma performance ao vivo baseada em plantas no pátio do Museu Isabella Stewart Gardner, em Boston. Após a apresentação, alguém mencionou o desaparecimento da cobertura vegetal de Cambridge.
Então, depois de ler o livro The Hidden Life of Trees, Laposky decidiu que era hora de mostrar ao mundo as belas obras musicais que as árvores podem compor. Ao portal Fast Company, Laposky explica que “a maioria das pessoas ama árvores, mas não dá tanto valor a elas quanto deveria”.
Para ele, isso pode ser atribuído a um fenômeno chamado “cegueira das plantas”, caracterizado pela impossibilidade humana de perceber a presença – ou a ausência –da flora em seu próprio ambiente. “As árvores ainda fazem parte das cidades. Mas, a menos que você precisa delas para obter sombra ou para colher frutas, é provável que não tenha consciência suficiente de que elas estão ali e da dimensão de sua importância”, conclui.
Entre 2009 e 2014, a cidade de Cambridge perdeu cerca de 16,4 acres de cobertura vegetal por ano. Segundo um relatório da organização WBUR, esse número seria suficiente para “cobrir 12 campos de futebol”.
Para se ter uma ideia, em 2009, a cobertura vegetal de Cambridge equivalia a 30% da cidade em 2009. Apenas cinco anos depois, esse índice caiu para 26% – e as autoridades disseram que a queda poderá ser ainda maior nos próximos anos, chegando a de 17% em 2030.
Parte do problema está associada ao desenvolvimento urbano, que leva à derrubada de árvores para abrir espaço para moradias, vagas de estacionamento e demais necessidades do mundo contemporâneo.
Em todo o país, a cobertura vegetal nas cidades está diminuindo. No entanto, as árvores são cruciais para os ambientes urbanos, reduzindo significativamente as temperaturas no verão, reduzindo a poluição do ar, sequestrando carbono e proporcionando benefícios para a saúde mental das pessoas.
Para conscientizar as pessoas sobre a importância da natureza, Laposky “deu voz” a essas árvores que estão desaparecendo, em forma de música. Agora, ele trabalha para implementar um arquivo que inclui informações meteorológicas, para que as pessoas possam voltar e ouvir como as árvores soam em dias diferentes, em condições diferentes. A rádio funcionará 24 horas por dia até novembro, quando as folhas cairão. “Um ciclo natural para o término do projeto”, diz Laposky, “quando não houver mais folhas para conectar o sensor”.
Saiba mais sobre a rádio no Instagram de Laposky e ouça as músicas no site do projeto.
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