Elton Alisson | Agência FAPESP – Para enfrentar as mudanças climáticas, Estados e municípios têm planejado e implementado, em sua maior parte, medidas de adaptação. O objetivo é diminuir os impactos de eventos extremos, como secas e inundações, em suas populações e infraestruturas. A atuação desses governos subnacionais, contudo, tem potencial de ir além, avançando no campo da mitigação. Dessa forma, pode contribuir para seus respectivos países não só atingirem as metas de redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE), como também para a retomada econômica pós-pandemia de COVID-19 baseada em modelos de desenvolvimento de baixo carbono.
A avaliação foi feita por participantes do seminário on-line Ações subnacionais na implementação da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) brasileira, realizado no dia 6 de julho.
O evento foi o terceiro e último da série de webinários “COP26: Discutindo a NDC brasileira”, promovida pelo Programa Mudanças Climáticas da FAPESP com o objetivo de debater aspectos da NDC brasileira e os ajustes propostos recentemente pelo governo na revisão das metas.
“Normalmente, os governos subnacionais estão mais focados nas questões de adaptação e não tanto na redução de emissões. Mas há uma série de ações que podem contribuir para avançar a agenda de mitigação, como no setor de energia”, avaliou Suzana Kahn Ribeiro, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
A demanda por energia, principalmente elétrica, deve aumentar nas próximas décadas, a despeito de melhorias na eficiência energética. Para atender a essa requisição, será preciso aumentar a participação das fontes renováveis na geração distribuída – em que a energia elétrica é gerada no local de consumo ou próximo a ele – para uso industrial, doméstico e também no transporte urbano.
A fim de atingir esses objetivos e ao mesmo tempo dar estímulos para a retomada de suas economias pós-pandemia, países da União Europeia, como a Alemanha, anunciaram recentemente pacotes de investimentos voltados a subsidiar o transporte elétrico, fontes renováveis e a eficiência energética, entre outros temas, exemplificou Ribeiro.
“Esses pacotes de investimentos são voltados para soluções urbanas, que têm viés muito subnacional. É claro que os governos federais precisam estar alinhados, mas são os governos subnacionais que farão com que essas ações sejam concretizadas”, avaliou Ribeiro.
A fim de possibilitar o aumento da geração distribuída nas cidades será preciso aproveitar os recursos regionais renováveis, apontou Ribeiro.
No caso do Estado de São Paulo, um dos principais recursos, mas não o único, é o etanol da cana-de-açúcar, ponderou Oswaldo Lucon, coordenador executivo do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas e assessor da Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente do Estado de São Paulo.
Um dos cinco eixos do plano de ação climática do Estado de São Paulo, ainda em discussão, é atender à demanda da eletrificação acelerada por meio não só da geração de eletricidade, mas também pela estocagem de energia e a integração de diversas fontes, afirmou Lucon.
“A ideia é termos, com as novas renováveis, um excesso de oferta de energia. Dessa forma, será possível focar em regular a intermitência”, explicou.
Outro eixo do plano climático paulista é a promoção de combustíveis avançados, como o hidrogênio, produzido a partir da eletrólise da água ou da reforma do etanol, e de outros biocombustíveis, como o óleo vegetal hidrotratado (HVO), para uso no transporte.
Esse setor é um dos que as legislações ambientais subnacionais ainda não conseguiram regular em razão das limitações jurisdicionais, apontou Lucon.
“Um dos desafios das políticas climáticas subnacionais é a questão de jurisdição. Tivemos uma dificuldade enorme para banir a venda de amianto crisotila [usado na fabricação de telhas] em São Paulo. A ação foi contestada, precisou ser julgada pelo STF [Supremo Tribunal Federal] e, depois de muitos anos, saiu a decisão que permitiu estabelecer a proibição. Imagine a dificuldade para conseguir proibir a circulação de um veículo ineficiente em um território subnacional”, exemplificou.
Já em nível nacional, um dos gargalos para reduzir as emissões de GEE é a falta de regulamentação de limites, apontou Lucon. Os únicos poluentes para os quais as legislações nacionais estabeleceram limites de emissões são material particulado e óxidos de nitrogênio de enxofre. Já dióxido de carbono, metano, óxido nitroso, perfluorcarbonos e hidrofluorcarbonos não têm limites fixados de emissão, afirmou o especialista.
“Não adianta nada o texto da NDC brasileira dizer que o país vai reduzir até 2025 as emissões de gases de efeito estufa em 37% abaixo dos níveis de 2005, por exemplo, se essas metas não são capilarizadas e não há uma perspectiva para redução dessas emissões”, afirmou Lucon.
Estudo feito pela Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente (Abema) com a Parceria Estratégica para Implementação do Acordo de Paris (SPIPA, na sigla em inglês), da Agência Alemã de Cooperação Internacional (GIZ), sobre as competências subnacionais para implantação da NDC brasileira, também apontou que apenas 40% dos Estados brasileiros têm metas de redução de emissões de GEE alinhadas com o Acordo de Paris.
“Também constatamos por meio desse estudo que apenas 43% dos Estados têm alguma regulação sobre pagamentos por serviços ambientais ou REDD+ [incentivo para recompensar financeiramente países em desenvolvimento por seus resultados de redução de emissões de GEE provenientes do desmatamento e da degradação florestal]”, disse Inamara Santos Melo, da Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Estado de Pernambuco e coordenadora técnica do clima da Abema. A entidade reúne 27 secretarias dos Estados e do Distrito Federal, além de 21 autarquias e fundações estaduais responsáveis pela implementação de políticas ambientais.
A falta de financiamento consistente para recompensar as reduções de emissões de GEE pelo desmatamento é um dos desafios enfrentados por 38 jurisdições subnacionais situadas no Brasil, Indonésia, México, Nigéria, Peru, Espanha, Colômbia, Equador, Costa do Marfim e Estados Unidos, que detêm 28% das florestas tropicais, apontou Daniel Nepstad, presidente e diretor executivo do Earth Innovation Institute.
O volume de recursos disponíveis para esses governos subnacionais, que era de US$ 315 milhões entre 2010 e 2014, caiu para US$ 288 milhões entre 2015 e 2019 a despeito do número de jurisdições que passaram a requisitar esses investimentos ter saltado de nove para 30.
“Apenas dois Estados no mundo inteiro, Acre e Mato Grosso, conseguiram assinar contratos de pagamentos por resultados, e uma das poucas iniciativas de financiamento lançadas recentemente foi feita pela Noruega, que anunciou que concederá US$ 25 milhões para essa finalidade”, disse Nepstad.
Em abril, também a Noruega em parceria com os governos dos Estados Unidos e do Reino Unido e um grupo de empresas lançaram a coalizão Leaf.
A iniciativa pretende mobilizar ao menos US$ 1 bilhão em recursos públicos e privados, que serão utilizados para o pagamento de países ou governos locais por resultados em termos de redução de desmatamento.
“É a primeira vez que se tem uma sinalização específica para compra de créditos de programas de REDD em escala jurisdicional”, afirmou Nepstad.
Mas, se por um lado existem incentivos para os governos subnacionais compensarem a redução das emissões, por outro ainda não há financiamento para cobrir os custos que tiveram para atingir as reduções, ponderou o especialista.
“O pagamento por resultados não é suficiente”, afirmou Nepstad.
O evento pode ser assistido na íntegra em www.youtube.com/watch?v=2BOJifpgDrY.
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