Documento revela a dimensão do problema do microplástico nos oceanos, que afeta até a cerveja que você bebe
Durante um ano e meio, cientistas e pesquisadores da organização Oceana analisaram dados técnicos nacionais, públicos e privados, para medir, pela priÂmeira vez, o impacto do plástico nos oceanos, na vida marinha e na saúde humana. Os resultados foram compilados no recém-lançado Um oceano livre de plástico: desafios para reduzir a poluição marinha no Brasil, relatório inédito que resgata a história do plástico no país, analisa as deficiências da gestão de resíduos e propõe medidas para reduzir a poluição marinha no território brasileiro.
O panorama traçado pelo documento é preocupante. Segundo a Oceana, o Brasil despeja, diariamente, 890 toneladas de plásticos nos oceanos, o que corresponde a 325 mil toneladas de lixo plástico em alto mar por ano. O índice não surpreende, se levarmos em conta que o Brasil é o maior produtor de plástico da América Latina.
Nosso país produz 15 mil itens de plástico descartável por segundo. Anualmente, esse número representa 500 bilhões de materiais plásticos fabricados. Infelizmente, a maior parte desses produtos não é destinada à reciclagem. Segundo o relatório, pelo menos 77% dos resíduos plásticos no Brasil encontram dois destinos após o descarte: ou acabam em lixões e aterros sanitários, onde podem levar até 400 anos para se decompor, ou vão parar nos oceanos… e no que você consome.
Microplástico nos alimentos: estamos comendo plástico?
Em 24 horas, milhares de materiais plásticos – entre embalagens, sacolas plásticas, garrafas, tampinhas e outros – escorrem pelos esgotos até atingirem o litoral brasileiro, onde são responsáveis pela contaminação e morte de diversos animais marinhos. Uma parcela desses resíduos, após um longo período de exposição à luz e à água, se converte em microplásticos – pequenos fragmentos de plástico que você não vê, mas que estão em toda parte.
Toda parte mesmo: no ar que você respira, na água que bebe, na cerveja que toma, no sal que consome e por aí vai. Os microplásticos ainda encontram morada nos peixes e outros animais marinhos que, eventualmente, vão parar na sua mesa de jantar. Absolutamente tudo o que nos rodeia, de acordo com o relatório da Oceana, está contaminado com microplásticos: da poeira doméstica às fezes humanas.
O relatório da Oceana também aponta para os resultados do documento Microplastics in drinking-water, divulgado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em agosto do ano passado, que revelou os riscos advindos da presença de partículas plásticas na água potável – inclusive na engarrafada. Outro estudo, conduzido por cientistas do Departamento de Biologia da Universidade de Victoria, no Canadá, concluiu que um indivíduo ingere, em média, de 74 mil a 121 mil partículas de plástico por ano.
Entre os itens de consumo humano que apresentam maior quantidade de microplástico, segundo o estudo, a água engarrafada aparece em primeiro lugar, seguida da cerveja e do ar. Água da torneira, frutos do mar, açúcar, sal e mel também têm destaque no ranking.
Ainda não há, entretanto, consenso científico sobre os efeitos dessa contaminação na saúde das pessoas. O que se sabe – e o que preocupa – é que esses efeitos tendem a se elevar com o crescimento cada vez mais intenso da produção de plásticos. Os pesquisadores ressaltam que estamos expostos diariamente à contaminação de diversas formas: a ingestão, a inalação e até o manuseio desses materiais podem, em longo prazo, causar prejuízos à saúde humana. E não existe, até agora, um plano nacional sólido para lidar com o problema.
Prejuízos à vida marinha
Estima-se que existam pelo menos 5 trilhões de partículas de plástico nos oceanos atualmente. A maior parte desse material é minúscula e não pode ser coletada por meio de limpezas na praia ou em alto-mar. O resultado são milhares de animais contaminados e mortos por microplásticos todos os anos.
O relatório da Oceana é enfático ao tratar dos prejuízos às espécies marinhas afetadas por detritos plásticos. No Brasil, entre 2015 e 2019, mais de 3,7 mil animais que ingeriram resíduos plásticos foram necropsiados – entre aves, répteis e mamíferos marinhos. Um em cada dez morreu em decorrência da ingestão de plástico. E muitos deles já estão ameaçados de extinção.
O que fazer?
Com a publicação do relatório, a Oceana afirma que pretende aprofundar e qualificar o debate sobre plásticos descartáveis a partir de um panorama nacional, assim como contribuir para a implementação de medidas que tornem nossos oceanos limpos e abundantes novamente. A organização recomenda que o Brasil aprove uma lei nacional que regulamente a utilização de plásticos de uso único, que as empresas reduzam a quantidade de plástico que colocam na cadeia de suprimentos, oferecendo alternativas aos consumidores, e que os estabelecimentos comerciais se tornem zonas livres de plástico.
Segundo o relatório, mudanças imediatas e concretas são fundamentais para evitar uma estimativa preocupante. Sem ações urgentes e eficazes, é muito provável que a quantidade de plástico que contamina os oceanos triplique nos próximos vinte anos.