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Por Alexandre Briozo Gomes Filho – Jornal da Universidade | Um levantamento publicado pela ONU em 2022 estimou que o Brasil desperdiça cerca de 27 milhões de toneladas de alimentos por ano. A organização calcula que, do total de alimentos produzidos para consumo humano no mundo, cerca de 14% são perdidos e 17%, desperdiçados. Essa porcentagem é suficiente para alimentar cerca de um bilhão de pessoas. Ainda de acordo com a publicação, uma das principais soluções para o desperdício de alimentos é a refrigeração adequada desde a colheita até a refeição. O desperdício de alimentos não afeta apenas o prato de quem convive com a insegurança alimentar, uma vez que também é responsável por 8% das emissões de gases do efeito estufa.
No Programa de Pós-graduação em Agronegócios da UFRGS, uma tese de doutorado propôs uma estrutura de políticas públicas para mitigar o desperdício de alimentos. Com base na Economia Circular, que dispõe sobre gestão de resíduos, a estrutura desenvolvida por Débora de Azevedo, advogada e servidora da Faculdade de Direito da UFRGS, busca facilitar as condições de doação de alimentos.
Orientada por Kelly Lissandra Bruch e coorientada por Alessandra Lehmen, Débora propõe que uma política de ação pública que objetiva reduzir o desperdício de alimentos deve contemplar não só as dimensões ambiental, econômica e social, conhecidas como o tripé da sustentabilidade, mas também as dimensões ética, jurídica e tecnológica. A tese é formada por quatro artigos, baseados em revisão literária, revisão de leis e aplicação de questionário com comerciantes locais sobre doação de alimentos que não foram vendidos.
Desde que começou o doutorado, o desperdício de alimentos era um dos assuntos que interessavam Débora. Conforme foi cursando as disciplinas da pós-graduação, as questões em torno das mudanças climáticas passaram a ter destaque nos pensamentos da advogada, cuja tese até então carecia de definição de assunto. Ao compreender que o desperdício de alimentos se relaciona diretamente com as mudanças climáticas, Débora uniu os dois interesses e não tardou em reconhecer que havia encontrado o eixo da sua pesquisa.
No primeiro dos quatro artigos que compuseram a tese, a advogada tratou, a partir de uma revisão literária, das seis dimensões a serem contempladas para a formulação da estrutura proposta. “A análise da dimensão ambiental apontou que a produção de alimentos demanda uso de água, solo, insumos, combustíveis e matéria-prima. Quando esses alimentos não atingem o fim para o qual foram produzidos, há o desperdício de todos os recursos que foram utilizados na sua produção, desde o início da cadeia produtiva”, explica. Além disso, o desperdício de alimentos contribui com o aumento da insegurança alimentar e com as mudanças climáticas a partir da emissão de gases do efeito estufa.
A atuação da Economia Circular na diminuição da insegurança alimentar e o maior acesso aos alimentos – reduzindo, portanto, as desigualdades – é o conceito central da dimensão social. Os prejuízos provenientes do desperdício e o colapso do sistema econômico linear, em que os produtos são produzidos para eventualmente se tornarem resíduos e serem desperdiçados, são abordados na dimensão econômica.
A questão ética dispõe sobre a decisão cotidiana de desperdiçar alimento “enquanto o número de desnutridos chega a 820 milhões de pessoas”, comenta a autora. A dimensão jurídica trata do regramento em relação ao direito humano à alimentação adequada no âmbito tanto nacional quanto internacional – no caso do Brasil, o direito fundamental à alimentação está previsto no artigo 5.° da Constituição Federal. Por fim, a dimensão tecnológica abarca a implementação de um sistema alimentar saudável, tendo como pilar a Economia Circular, a partir do desenvolvimento de novas tecnologias que auxiliem na redução de resíduos.
No segundo artigo, a advogada verificou que boa parte da literatura produzida sobre desperdício de alimento diz respeito à gestão de resíduos, sendo que a doação de alimentos é tema recorrente nesse tópico. Já a revisão de leis em torno da doação de alimentos foi a proposta do terceiro artigo. “Em países europeus, a legislação que diz respeito à doação de alimentos tem um cunho mais ambiental. E nas legislações dos Estados Unidos, Brasil e Argentina existe uma intenção de possibilitar a doação de modo que não responsabilize o doador dentro dos padrões sanitários exigidos”, explica Débora.
Por último, através de um questionário com 20 respondentes, foi apurado que os estabelecimentos da região central de Porto Alegre carecem de ações que estabeleçam orientações, estratégias de transporte, recolhimento e acondicionamento dos alimentos.
“Foi possível inferir que, havendo atuação do Estado e de instituições responsáveis capazes de gerar informação e regulamentar estratégias seguras de doação de alimentos, os estabelecimentos poderiam perder o receio e fazer da doação parte da sua rotina” – Débora de Azevedo.
Este texto foi originalmente publicado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), de acordo com a licença CC BY-SA 4.0. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.
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