A pesquisa parte do conceito de intermedicalidade, por meio do qual as intervenções em saúde levam em conta crenças culturais e práticas terapêuticas dos povos originários
Por Portal Fiocruz | A construção de um grande acervo de pesquisa na língua Guarani, a análise fitoquímica de plantas medicinais e a instalação de um Jardim terapêutico e diferentes produtos educativos junto ao povo Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul serão viabilizados por meio de um estudo coordenado pelos pesquisadores Islândia Carvalho (Fiocruz Pernambuco) e Paulo Basta (Ensp/Fiocruz).
Estudiosos indígenas e pesquisadores da Fiocruz Pernambuco, da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) e da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) integram o projeto, que vai ampliar o conhecimento sobre os efeitos das plantas medicinais utilizadas para o tratamento da tuberculose pela etnia Guarani e Kaiowá. “A situação do povo Guarani e Kaiowá no cone Sul é o retrato do que acontecendo com os povos indígenas no Brasil, a tuberculose é um desafio porque a fome e a desnutrição também estão presentes. A perspectiva neste projeto é que possamos construir espaços na aldeia que possibilitem novas estratégias de subsistência, visto que iniciaremos troca de saberes com eles e especialistas na agroecologia”, explica a coordenadora.
No Departamento de Imunologia da Fiocruz PE os extratos utilizados em terapias auxiliares ou no tratamento da tuberculose pulmonar terão o potencial farmacológico testado, sob a coordenação da pesquisadora Lilian Montenegro. Serão também aprofundados, pelos pesquisadores da UFPE Rene Duarte e Rafael Ximenes, os estudos fitoquímicos e etnofarmacológicos iniciados no projeto anterior a este, igualmente aprovado no edital Inova Saúde Indígena, que resultou na criação do Acervo Pohã Ñana.
Essa base de conhecimento dará subsídios para a implantação de um Jardim Terapêutico na Aldeia Amambai, localizada em Mato Grosso do Sul, tanto para fins de estudos como para uso das ervas pelos indígenas. A ação será coordenada pelo Grupo de Jovens Indígenas Guarani e Kaiowá (JIGA), pesquisadores deste projeto, que irão também complementar as informações sobre plantas medicinais, alimentícias e condimentares disponíveis para cultivo na aldeia.
A pesquisa parte do conceito de intermedicalidade, por meio do qual as intervenções em saúde levam em conta crenças culturais e práticas terapêuticas dos povos originários, respeitando tradições e costumes ao adotar tratamentos biomédicos nas comunidades indígenas. Com essa perspectiva, é esperado obter o uso seguro desses fitoterápicos em associação com os medicamentos alopáticos.
A equipe da pesquisa já recebeu retorno de jovens estudantes e pesquisadores indígenas informando que o livro Pohã Ñana tem sido importante referência para seus estudos acadêmicos. O livro é uma das poucas obras disponíveis na literatura, com acesso livre e gratuito, que apresenta o conhecimento sobre práticas tradicionais de cura e um catálogo com 82 plantas medicinais utilizadas pelo povo Guarani e Kaiowá de forma sistematizada e em conteúdo bilíngue. Tendo em vista este contexto e o grande acervo de dados coletados ao longo dos anos de convívio com os detentores de conhecimento tradicional nas comunidades, percebeu-se a importância e a potência de criar e gerenciar uma base de dados de acesso aberto aos pesquisadores Guarani e Kaiowá para futuras pesquisas.
Áudios de entrevistas com rezadores, vídeos de grupos-focais realizados nas aldeias, relatórios técnicos de pesquisa, imagens, depoimentos, entre outros materiais, obtidos desde 2014 em pesquisas desenvolvidas nesse território, serão sistematizados e analisados junto com os pesquisadores indígenas, o que permitirá ampliar a produção de conteúdos, como vídeos curtos, cartilhas e e-books. Todo este material poderá contribuir para sensibilizar os agentes indígenas de saúde e profissionais que atuam na atenção primária com prestação de serviços no SasiSUS, o subsistema do SUS voltado para a Atenção à Saúde Indígena.
“A criação desse banco de dados de pesquisa vai possibilitar que novos pesquisadores indígenas tenham acesso aos dados coletados nos últimos nove anos, o que é um fato importante para novas pesquisas, além de propiciar mais eficiência na aplicação de recursos”, conclui Islândia.
Esta matéria integra o especial Saúde Indígena, da Agência Fiocruz de Notícias.
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