Artigo do NetLab investiga como influenciadores lucram com ataque misóginos; produção é uma parceria com o Ministério das Mulheres
Por Eduardo Cassar – Conexão UFRJ | Machismo, a ideologia de supremacia do macho que nega a igualdade de direitos para homens e mulheres. Embora essa definição seja amplamente aceita, algumas correntes conservadoras tentam distorcer a discussão. Nos últimos dez anos, nas esteiras dos movimentos feministas, o machismo foi amplamente discutido. Apesar de já existir desde o século XVI, foi no século XX que o conceito passou a ter uma conotação negativa, definindo a desigualdade política e social entre homens e mulheres como um problema a ser combatido. Atualmente, ao lado do machismo, surge um conceito mais nebuloso: misoginia, que define a antipatia ou aversão mórbida ao gênero feminino. Buscando aprofundar a compreensão sobre esse fenômeno, o NetLab (Laboratório de Estudos de Internet e Redes Sociais) da Escola de Comunicação (ECO) e o Ministério das Mulheres estabeleceram uma parceria para analisar a violência de gênero nas plataformas digitais.
O Observatório da Indústria da Desinformação e Violência de Gênero nas Plataformas Digitais foi criado em dezembro de 2023, com foco na produção científica que forneça dados para o combate à violência e à desinformação de gênero. Dessa parceria, surgiu o relatório “Aprenda a evitar ‘esse tipo’ de mulher”: estratégias discursivas e monetização da misoginia no YouTube. Lançado em dezembro do ano passado, o estudo analisou 137 canais do YouTube que promovem ataques a mulheres. No total, foram levantados mais de 105 mil vídeos e 3,9 bilhões de visualizações de conteúdos que repetem esse padrão.
O ódio gerando lucro e conteúdo
Segundo Luciane Belin, uma das coordenadoras da pesquisa, a decisão do NetLab de pesquisar sobre o tema veio após reconhecer que o ódio às mulheres se tornou um espaço lucrativo na internet. “Estamos falando não só de pessoas que estão explorando o público feminino, mas usando o ódio como um produto rentável”, afirma Luciane. As estratégias para atingir o retorno financeiro são inúmeras: desde a monetização sob o número de visualizações — recurso nativo do YouTube — até as vendas de cursos nas descrições dos vídeos, consultorias individuais e “Super Chats”, doações dos inscritos feitas durante lives na plataforma. Só com esse recurso, oito canais misóginos arrecadaram mais de R$ 68 mil em 257 transmissões ao vivo durante duas semanas, uma média de R$ 265 por transmissão.
Em um intervalo de apenas cinco anos, o número de denúncias de misoginia online saltou 8.800%, de 961 em 2017 para mais de 28 mil em 2022, de acordo com dados da Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos, da associação SaferNet. Para Luciane, a conspiração é a estratégia adotada pelos influenciadores misóginos para captar a atenção dos homens e gerar números alarmantes. “De forma sensacionalista, eles invertem valores e ensinam a esses homens que existem mulheres controlando as mentes masculinas, além de colocar as feministas como o grande inimigo a ser combatido”, destaca.
Ainda sobre esses grupos, a pesquisadora ressalta que a partir da construção dos homens como mocinhos e das mulheres como inimigas, os influenciadores formam uma comunidade engajada. Criam, então, uma massa capaz de apoiar qualquer forma de monetização desse discurso. O YouTube foi procurado pela redação do Conexão UFRJ para esclarecer o que tem sido feito para combater a misoginia online, mas não respondeu às perguntas.
A visão jurídica do ódio na internet
Promulgada em 23 de abril de 2014, a Lei nº 12.965, também conhecida como Marco Civil da Internet, foi uma das primeiras medidas que regulamentam as plataformas digitais no Brasil. Segundo essa lei, as empresas de tecnologia só podem ser responsabilizadas por crimes em suas redes depois de “receberem uma ordem judicial e não removerem o conteúdo nocivo indicado”, afirma Catharina Vilela. Formada em Direito, é coordenadora de pesquisa do InternetLab, grupo independente que promove debates acadêmicos nas áreas de Direito e Tecnologia, com foco em temas sobre a internet.
De acordo com a coordenadora, o Marco Civil permite que as plataformas estabeleçam seus próprios termos de uso e regras para o controle de conteúdo nocivo. O que esbarra no combate aos crimes de ódio é que, apesar de o Marco Civil e de a Lei Geral de Proteção de Dados já legislarem sobre o tema, não há lei que obrigue as plataformas a retirarem conteúdo nocivo sem ordem judicial. Por isso, a moderação do conteúdo misógino nas redes sociais se torna mais difícil.
Mas a punição dos crimes cometidos não é algo fora do horizonte. Catharina relembra que “independente da forma como as plataformas são reguladas, os crimes de ódio, como racismo e xenofobia, nas redes sociais já são crimes previstos na legislação brasileira e se aplicam à internet”. A discussão sobre a regulamentação das plataformas, afinal, busca uma forma de obrigar que as empresas de tecnologia reduzam danos causados por esse tipo de conteúdo e diminuam sua propagação. Para Luciane, essas medidas são mais do que urgentes. “É sobre o discurso de ódio, a disseminação de desinformação, de golpes e fraudes que estão afetando todas as pessoas”, afirma. “Então, quando falamos de regulamentação das plataformas, falamos de frear o uso da internet com má intenção.”
Este texto foi originalmente publicado pela Conexão UFRJ, de acordo com a licença CC BY-SA 4.0. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.