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Com projetos educacionais e diálogo com as comunidades, Grupo de Estudos em Línguas Indígenas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP atua na preservação linguística dos povos indígenas brasileiros

Por Maria Fernanda Barros, do Jornal da USP | No Brasil, todas as línguas indígenas correm algum risco de extinção. O país é o terceiro com maior quantidade de línguas ameaçadas, segundo o Atlas Mundial das Línguas, elaborado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Por isso, o Grupo de Estudos em Línguas Indígenas (Geli), da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, se empenha em preservar as restantes, mediante a pesquisa linguística. “Atualmente o perigo das línguas se perderem é muito grande, pela própria ameaça física. Houve uma pressão do último governo a favor da invasão de terras indígenas, mas nós procuramos ajudar nos projetos de educação e revitalização”, afirma Luciana Storto, coordenadora do grupo. 

O grupo estuda línguas como wayoro, juruna, karib, kaapor, além de orientar trabalhos em tukano, makuna e tuyuka, e teses de doutorado em sanömá, uma língua da família Yanomami. Luciana, que atua no Geli há 20 anos, trabalha principalmente na descrição e análise de karitiana, da família Tupi. Ela destaca que a conjuntura atual dificulta os trabalhos do grupo, devido à vulnerabilidade dos territórios indígenas: “Se nós vamos até lá fazer a pesquisa, podemos estar em perigo, porque somos testemunhas do que está acontecendo”. 

Dialogar com as comunidades indígenas é essencial para o grupo, conta Luciana, uma vez que um dos objetivos dos estudos é atender às necessidades dos povos, em benefício da preservação da cultura. “Se eles desejam materiais didáticos, revitalização, um programa de ortografia de ensino de língua materna, nós fazemos”, pontua. A pesquisadora também ressalta que os linguistas não devem impor seu trabalho sobre as comunidades — pelo contrário, a prioridade sempre será o contato e a troca intercultural. 

“No nosso grupo, sempre apoiamos os povos indígenas por meio do estudo da língua, da cultura e da documentação das suas tradições”

Distribuição de famílias linguísticas indígenas no território – Imagem: Reprodução/Youtube

Estudo de línguas e o reconhecimento de uma cultura

As pesquisas do grupo da USP são feitas de forma ampla, abarcando desde estudos bibliográficos em bibliotecas e acervos até coleta de dados e trabalho de campo junto aos falantes. Eles buscam registrar o estado atual das línguas, no intuito de documentar os momentos históricos e as tradições dos dialetos de cada uma delas. A importância desse trabalho de estudo linguístico ganha ainda maior dimensão no contexto latino-americano, que se trata de uma das áreas menos estudadas do globo, aponta Luciana. 

Segundo ela, as línguas nativas do continente são as menos conhecidas do mundo. Por isso, estudá-las é uma forma de inserir o território na dinâmica da linguística internacional. “Com os estudos, introduzimos essas línguas na literatura mundial sobre linguística. E aí tudo que se diz sobre o funcionamento das línguas humanas terá a participação das línguas da América do Sul também”, destaca a coordenadora do Geli. 

As ex-orientandas do Geli Clariana Assis e Karolin Obert com Pedro, colaborador e falante da língua dâw na comunidade Waruá, em São Gabriel da Cachoeira – Imagem: Divulgação/Geli

As mudanças linguísticas ao longo da história latino-americana também são contempladas pelos estudos do grupo. O professor Thomas Finbow, do Departamento de Linguística da FFLCH-USP e integrante do Geli, atua auxiliando a desvendar a história das línguas indígenas. Seus estudos, que partem da análise diacrônica das línguas, visam a demonstrar a importância das línguas gerais na constituição do português brasileiro e entendê-las a partir do ponto de vista histórico. No momento, Finbow trabalha na reconstrução de um léxico da família Arikém. 

Aldeia Indígena
Realização de projeto de documentação da língua financiado pela Fapesp e Universidade do Texas, na comunidade Waruá, em São Gabriel da Cachoeira – Imagem: Divulgação/Geli

Para além do mundo acadêmico

“A pesquisa linguística é essencial para a preservação e a sobrevivência dos povos originários, porque não queremos deixar essas línguas morrerem. Lutar por essa sobrevivência é algo que sempre motivou minha escolha de pesquisa”, afirma Lara Wolski, graduada em Letras na USP e integrante do Geli desde 2017. 

Lara conta que seu interesse surgiu no terceiro ano de graduação, quando ainda possuía pouco conhecimento sobre as línguas indígenas e foi incentivada pela professora Luciana a estudar a área. Para a estudante, sua pesquisa é mais do que apenas uma tarefa acadêmica. “Eu estudo essas línguas não só pelo ego da academia, eu estudo pelo tanto que eu valorizo. Acho que temos muito o que aprender com os povos indígenas, suas lutas e valores.”

A contribuição das línguas indígenas para a pesquisa na Universidade é significativa, aponta Lara. Ela ressalta que os pesquisadores devem valorizar os saberes das comunidades indígenas, ao invés de tratá-los como um mero objeto de estudo ou instrumento de trabalho. “Estudamos as línguas pela causa indígena. Então, não é sobrepor os nossos dados e teorias às línguas, mas sim aprender com elas”, explica.

“Acredito que lutar pela sobrevivência da cultura desses povos é ser resistência no Brasil dos últimos quatro anos. Resistimos a um governo completamente violento em relação às minorias”

Encontros e atividades

O Geli realiza encontros regulares durante o semestre e as pesquisas dos membros são apresentadas a cada quinzena. A coordenadora Luciana informa que qualquer pessoa que esteja interessada em línguas indígenas e possua interesse em participar da pesquisa linguística pode entrar em contato com o grupo.

São produzidos diversos materiais, como narrativas tradicionais gravadas com os anciões, léxicos, acervos de áudio e vídeo, gramáticas e artigos sobre temas gramaticais. Todo esse material objetiva a documentação das tradições dos povos, e pode ser utilizado como ferramenta educacional, nas escolas e nos projetos indígenas de educação bilíngue. 

A professora Luciana Storto também é consultora especial da exposição Nhe’ẽ Porã: Memória e Transformação, que está em cartaz no Museu da Língua Portuguesa até abril de 2023. A mostra representa famílias linguísticas indígenas e evoca suas identidades e trajetórias. Clique no player a seguir e confira a aula aberta ministrada pela professora, sobre as línguas indígenas no Brasil e o papel do Tupi-Guarani na história do País e da América do Sul:

Para mais informações, acesse o site do grupo ou entre em contato pelo e-mail da coordenadora Luciana Storto: storto@usp.br 


Este texto foi originalmente publicado pelo Jornal da USP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original. Este artigo não necessariamente representa a opinião do Portal eCycle.


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