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Projeções também indicam aumento de vento e sol no nordeste, tornando a região ideal para o avanço das renováveis

A pesquisa Vulnerabilidade do setor elétrico brasileiro frente à crise climática global e propostas de adaptação (disponível aqui) mostra que o Brasil ainda não tem uma política concreta para enfrentar os impactos da mudança climática sobre seu sistema elétrico. Segundo o material, lançado pela Coalizão Energia Limpa na última quarta-feira (24.05), ao não considerar adequadamente as alterações no clima, o planejamento elétrico nacional está contando com um volume de chuvas representado pelo histórico de precipitação que pode não ocorrer, obrigando a tomada de medidas emergenciais que encarecem e poluem a matriz energética, como verificado na crise hídrica de 2021. 

O estudo, que consiste em uma revisão dos principais achados científicos recentes, foi liderado pelos pesquisadores José Wanderley Marangon Lima, professor titular voluntário da UNIFEI (Universidade Federal de Itajubá), consultor da MC&E e Secretário de P&D do INEL; José Antonio Marengo, coordenador-geral de Pesquisa e Modelagem, do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden); e Lincoln Muniz Alves, pesquisador do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e Autor Líder do Sexto Relatório de Avaliação do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima), a pedido do ClimaInfo. 

Neste contexto, não se recomenda a inclusão de novas hidrelétricas onde, segundo modelos, existe previsão de diminuição da precipitação, como a região Nordeste e parte da região Norte. Além da precipitação média, está sendo observado nos modelos climáticos uma alteração no perfil das chuvas, ou seja, os períodos úmidos começam a ser menores com uma densidade maior de chuva enquanto que os períodos secos com uma janela maior. Isto tende a ser ruim para usinas hidrelétricas com reservatório pequeno ou usinas a fio d’água que têm sido bastante comuns nas novas usinas. 

Por outro lado, tornar o sistema elétrico brasileiro mais resiliente é possível, inclusive, em função da própria mudança climática. Segundo o estudo, os modelos climáticos também apontam para um um incremento nos ventos e na radiação solar na região nordeste, o que intensifica a constatação de que esta localidade deverá ser um grande exportador de energia renovável. 

Quase 60% de toda a eletricidade do país é hidrelétrica. Se de um lado esta energia renovável não contribui para piorar a crise climática, por outro é extremamente vulnerável aos seus efeitos. Um exemplo disso, segundo os pesquisadores, é o fato dos modelos tradicionais de previsão da precipitação e dimensionamento da operação dos reservatórios não estarem apresentando resultados consistentes, mesmo para horizontes curtos. A busca por modelos de previsão e projeção das variáveis climáticas cada vez mais assertivas é imperativo para enfrentar os desafios da mudança climática. 

“O Brasil pode exercer um papel estratégico na geopolítica global, sendo pioneiro na transição energética viabilizada a partir da construção de um sistema hidro-solar-eólico. Isto permitiria a redução dos custos da energia elétrica e uma maior competitividade global dos produtos brasileiros, o que, por sua vez, contribuiria para a retomada da economia e a redução das desigualdades sociais que assolam o país”, diz o estudo.

Alertas para tomadores de decisão

  • Há necessidade urgente de estabelecer um plano de resiliência climática para o setor elétrico a partir do mapeamento de suas vulnerabilidades;
  • Diante da diminuição das precipitações das regiões Norte e Nordeste apresentada pelo modelo regional ETA e do Cordex, deve-se realizar novas avaliações para recomendar  a implantação de novas centrais hidrelétricas.. A alteração do clima vai criar a necessidade de uma maior regularização das vazões para amenizar a intensificação da sazonalidade O complexo de usinas no Rio Tapajós, previsto para depois de 2030 pelo MME, deve ser reavaliado à luz dos modelos existentes;
  • Em períodos de crise hídrica, a  gestão da demanda por água e eletricidade, racionalizando o consumo de forma massiva e coordenada, deve ser priorizada pelos gestores;
  • O acréscimo de novas termelétricas fósseis só deve ser feito em em caráter emergencial e temporário;
  • Os investimentos em infraestrutura e o direcionamento das políticas públicas para o setor devem ser orientados para a diversificação da matriz, especialmente via expansão de fontes renováveis;
  • Aumentar a descentralização do sistema por meio da geração no local de consumo, inclusive com instalação de sistemas de armazenamento como baterias junto com a geração fotovoltaica tende a diminuir a vulnerabilidade do sistema;
  • Diversificar as fontes de energia aumenta a resiliência do sistema, o que deve incluir tecnologias expansivas de energia solar, eólica, geotérmica, de biomassa e de energia oceânica para geração de energia;
  • A diversificação do sistema elétrico não pode ser feita sem observar salvaguardas socioambientais e de governança para não gerar novos impactos sobre as populações locais; 
  • É necessário maior investimento em reserva de potência para o curto prazo e em armazenamento de energia para enfrentar períodos de pouca precipitação e de aumento da temperatura, quando o consumo e a demanda por potência aumenta. 

Aspas

José Wanderley Marangon Lima disse:

“O Brasil tentou adotar de forma atrasada a ideia de que o gás natural poderia ser uma fonte de transição energética em substituição a alternativas mais sujas, como o carvão e o diesel. Com a crise internacional, esta ideia está sendo revista na Europa justamente em nome da segurança energética e da resiliência climática dos sistemas. A contratação recente de termelétricas durante a crise hídrica soou um alerta para o custo operacional elevado ocasionado pela falta de uma política de enfrentamento às mudanças climáticas. Torna-se importante repensar métodos e estratégias para minimizar a vulnerabilidade do setor elétrico, observando a modicidade tarifária.”

José Antonio Marengo disse:

A matriz elétrica brasileira é muito dependente das variáveis climáticas e, portanto, vulnerável às alterações do clima. Existem evidências concretas de que o aquecimento global está ocorrendo a uma taxa sem precedentes e, portanto, tornar o sistema elétrico brasileiro mais resiliente a esta realidade é uma necessidade urgente. O mapeamento de suas vulnerabilidades é o ponto de partida para guiar tomadores de decisão e o desenvolvimento de políticas públicas. 

Lincoln Muniz Alves disse:

“As projeções indicam tendências de aumento de temperatura no Brasil a uma taxa superior à média global ao longo deste século. Os últimos relatórios do IPCC mostram também que a mudança de regime de chuvas no país fará com que estiagens extremas como a de 2021 se repitam com cada vez mais frequência. No entanto, quando falamos de clima e das projeções futuras diante das mudanças climáticas sempre existem incertezas. Apesar disso, o poder público pode se preparar para minimizar os impactos desse fenômeno tornando os sistemas mais adaptados para enfrentar essa realidade. No caso do sistema elétrico é preciso, entre outras coisas, diversificar a geração de energia, especialmente através de fontes renováveis” 

Ricardo Baitelo, porta voz da Coalizão Energia Limpa – transição justa e livre do gás, disse: 

“O efeito das mudanças climáticas no regime hidrológico tem sido sentido no Brasil com impactos econômicos e socioambientais. O risco de racionamento em 2021 deixou claro que a resposta para aumentar a segurança de abastecimento do sistema elétrico não é o aumento da contratação de gás e sim o aprimoramento do planejamento energético de forma a intensificar a integração de fontes renováveis sustentáveis. O aumento da participação do gás na matriz elétrica, além de retardar a descarbonização brasileira, tem trazido impactos significativos à conta de luz da população brasileira.”

Sobre a Coalizão Energia Limpa

A Coalizão Energia Limpa – transição justa e livre do gás é um grupo brasileiro de organizações da sociedade civil comprometido com a defesa de uma transição energética socialmente justa e ambientalmente sustentável no Brasil, que rejeita o uso do gás na matriz energética e defende a eliminação desta fonte até 2050. O objetivo é articular e facilitar ações para promover a transição energética por meio da redução e/ou eliminação de fontes de geração energética fóssil a gás; a redução e/ou eliminação da exploração de reservas de hidrocarbonetos como o xisto; e a importação de gás natural liquefeito (GNL).

Fazem parte da Coalizão Energia Limpa: Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), Instituto ClimaInfo, Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema), Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Instituto Internacional Arayara e Instituto Pólis.


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