Por Caio Albuquerque em ESALQ USP – Estimar e analisar o consumo de nitrato e nitrito efetuado por crianças e adolescentes da rede pública foi o principal objetivo do estudo conduzido pela cientista de alimentos e nutricionista Marina Paraluppi Loureiro, no programa de Pós-graduação em Ciência e Tecnologia de Alimentos, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP).
Conduzida no município de Guariba, interior de SP, a pesquisa teve orientação da professora Marina Vieira da Silva, do departamento de Agroindústria, Alimentos e Nutrição e foi motivada, segunda a autora, pela observação do elevado consumo de alimentos ultraprocessados que vêm sendo realizado pela população brasileira principalmente nas últimas décadas.
“Entre os aditivos comumente presentes na fabricação de alimentos, principalmente em produtos cárneos processados curados, têm-se o nitrato e o nitrito, utilizados como agentes de cura e conservação destes produtos. Ambos, quando presentes em grandes concentrações em alimentos ricos em amidas e aminas, como as carnes e seus derivados, podem favorecer a formação endógena de nitrosamidas e nitrosaminas, compostos com potencial atividade carcinogênica”, explica a pesquisadora.
A nutricionista faz a ressalva de que o nitrito e o nitrato também podem estar naturalmente presentes nos mais diversos tipos de alimentos em concentrações variáveis. Ressaltamos a presença de grandes quantidades, especialmente de nitrato em alguns tipos de vegetais como beterraba, rabanete, nabo e hortaliças folhosas (espinafre, alface, rúcula, etc)”. Lembra ainda que, “apesar desses alimentos serem apontados como expressivas fontes de nitrato na dieta, a presença desse composto em vegetais e seu consequente consumo não configura um potencial risco à saúde humana, visto que estes alimentos além de serem pobres em aminas e amidas, também contam com a presença de grandes quantidades de substâncias com atividade antioxidante, impedindo a formação de nitrosamidas e nitrosaminas tanto endogenamente (no organismo humano) quanto exogenamente (no alimento)”.
Estudo longitudinal – Junto com outras pesquisadoras, Marina Loureiro acompanhou a ingestão dessas substâncias naquele município no ano de 2013 e, três anos depois, comparou os valores de ingestão do nitrato e do nitrito. “Analisamos possíveis associações entre o consumo de nitrato e nitrito e variáveis como sexo, idade, renda, participação em programas sociais e estado nutricional dos alunos”, conta.
Na prática, a pesquisadora comparou ainda o consumo verificado com os valores de ingestão aceitável estabelecidos pelo Comitê Misto da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) e da OMS de Especialistas em Aditivos Alimentares (The Joint FAO/WHO Expert Committee on Food Additives – JECFA
Um dos resultados que chama atenção é que a quantidade média de nitrito ingerida na fase 1 ultrapassou, em quase 2 vezes, o valor de ingestão diária aceitável preconizado pelos especialistas. Já na fase 2, a fração da substância consumida pelos alunos esteve próxima ao limite máximo estabelecido pelos órgãos de saúde. “Apesar disso, na segunda fase ainda foi observado que 106 alunos – 29,53% da população avaliada – ingeriram nitrito em porções superiores às preconizadas. Vale ressaltar que na primeira fase 60,17% da população avaliada, ou seja, 216 estudantes extrapolaram as quantidades de nitrito preconizadas”, contabiliza Marina Loureiro.
Idade e estado nutricional – Outro dado preocupante é que a ingestão de nitrito associou-se significativamente à idade e ao estado nutricional em ambas as fases e à renda familiar per capita e participação em programa social na fase 1. Já o consumo de nitrato relacionou-se de modo significativo à idade nas duas fases e à inscrição em programa de transferência de renda e ao estado nutricional do escolar apenas no primeiro recorte temporal. “Logo, os resultados obtidos revelam um maior risco vivenciado pelas crianças e adolescentes mais jovens e com menor peso corporal ao consumo excessivo de nitrato e nitrito”, pondera.
Ainda na primeira fase do projeto, continua Marina, “foi notificada a maior probabilidade de escolares de baixa renda ingerirem nitrito em níveis superiores aos estabelecidos como seguros, demonstrando por fim que, de modo geral, crianças e adolescentes mais jovens, com menor peso corpóreo e em situação de vulnerabilidade social apresentaram maior risco à exposição excessiva às substâncias”.
Políticas Públicas – Guariba foi elencada como cidade modelo para a aplicação do estudo uma vez que, além de contar com o apoio do poder público local na época, as pesquisadoras envolvidas na jornada reforçam ainda o engajamento da população que se manteve no estudo por longo período. “As características dos resultados obtidos para o município em questão permitem a realização de inferências, ou seja, comparações com demais cidades brasileiras, principalmente aquelas localizadas no estado de São Paulo”.
Este trabalho é, até o momento, o primeiro estudo longitudinal realizado com brasileiros (população frequentadora de unidades públicas de ensino) no qual buscou-se investigar o consumo de nitrato e nitrito e variáveis associadas a ele. A autora destaca ainda que os resultados oferecem a possibilidade de identificar grupos de risco para o consumo demasiado de nitrato e nitrito. “Estudos desse tipo (longitudinais) são ainda bastante raros aqui no país. Com isso podemos auxiliar na elaboração de políticas públicas de alimentação e nutrição que tenham como objetivo a promoção da saúde e da alimentação adequada e saudável”.
De acordo com Marina Loureiro, mapear o consumo dessas substâncias pode diminuir os impactos negativos causados ao sistema de saúde pública em decorrência do consumo destas substâncias em exagero. “Além disso, estudos envolvendo dados obtidos junto aos públicos infantil e adolescente são fundamentais para gerar políticas públicas que visem a promoção da saúde, auxiliando na identificação de comportamentos que podem predispor os indivíduos a doenças crônicas em períodos futuros, já que os hábitos alimentares adquiridos durante estas fases da vida tendem a serem repetidos durante a fase adulta”, finaliza.
A pesquisadora contou com bolsa de apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
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